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África

Legião Estrangeira do apartheid falava português

Para muitos, 32º Batalhão da África do Sul doi uma das melhores unidades de infantaria leve. Grupo de mais de mil fuzileiros fazia juramento em português antes das batalhas

1 jun 2013 - 10h10
(atualizado às 10h21)
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Durante mais de duas décadas, até que o curso da história traçou seu final implacável, o 32º Batalhão da África do Sul foi para muitos uma das melhores unidades de infantaria leve dos dias da Guerra Fria.

Ao se completar 20 anos de seu desmantelamento, no entanto, muitos poucos lembram hoje em dia a existência daquela unidade militar, talvez por causa de sua associação com o regime de segregação racial do apartheid, que imperou na África do Sul até 1994.

Mas o 32º não foi um contingente a mais, mas a Legião Estrangeira do Exército sul-africano, formada por cerca de mil fuzileiros, a maioria angolanos que faziam juramento em português antes da batalha.

"Acho que o 32º Batalhão foi uma das melhores unidades de infantaria leve de todo o mundo, provavelmente a melhor. Tinham um nível de experiência altíssimo", afirmou Helmoed Heitman, correspondente na África do Sul da revista militar Jane.

Criada nos anos 70 com ex-guerrilheiros angolanos derrotados e antigas tropas negras do Exército colonial português que fugiam do Governo comunista de Luanda, a Legião viveu seus tempos de glória lutando na fronteira da África do Sul com Angola. Contra os preconceitos racistas do apartheid, o coronel Jan Breytenbach transformou aqueles soldados negros, famintos e indisciplinados em uma formidável força de elite.

Estabelecido na mítica base de Buffalo, na então colônia sul-africana da África do Sudoeste - atual Namíbia -, o 32º protagonizou operações espetaculares contra as forças de independência namíbias e seus patrocinadores no Governo angolano, em uma das regiões mais "quentes" da Guerra Fria.

"Os Terríveis", como era conhecida a Legião, foram os "carrascos" dos rebeldes namíbios do SWAPO e um muro eficaz para manter o comunismo longe da África do Sul.

O 32º era o grupo mais temido em um teatro de operações no qual estavam envolvidos a antiga União Soviética e Cuba contra os Estados Unidos, que apoiavam a guerrilha antigovernamental angolana da Unita. Ponta de lança do regime racista de Pretória, o 32º era paradoxalmente um dos lugares da África do Sul do "apartheid" onde negros e brancos conviviam mais intensamente.

Antes de se unir ao Batalhão, o único contato do branco sul-africano Kenneth Schwartz, conhecido por todos como "Blackie", com os negros se limitava aos empregados de sua família. "Blackie" foi até 1987 um dos comandantes brancos de uma unidade que depois começou a promover seus melhores negros.

"Entre os arbustos, se eu tinha sede ele tinha sede, não importava se fosse negro ou branco", conta "Blackie". A retirada sul-africana da Namíbia em 1988 e o fim da guerra de fronteira em Angola tiraram o 32º da África do Sudoeste.

A base do batalhão foi transferida para a cidade de Pomfret, no desértico solo sul-africano junto à fronteira com Botsuana. Dali, "Os Terríveis" partiriam para uma última e desagradável missão que acabaria custando sua existência: apagar o fogo da rebelião negra contra o regime. O 32º cumpriu mais uma vez sua missão e impôs com seus métodos "diretos" a ordem do apartheid nos redutos negros.

Mas o regime estava chegando a seu ocaso, e a vitória do antissegregacionista Congresso Nacional Africano (CNA) do futuro presidente Nelson Mandela já era inevitável.

Em 1993, com Mandela já livre e o mundo focado na transição para a democracia multirracial na África do Sul, o CNA pôs como condição para negociar com o presidente Frederik Willem De Klerk o desmantelamento do 32º. E De Klerk aceitou.

O comandante do batalhão Louis Bothma recriminou De Klerk pela "traição" e entregou a ele no Parlamento, através de um deputado, 30 moedas de prata, como as de Judas para vender Jesus Cristo.

O batalhão foi desmantelado no dia 26 de março de 1993 em cerimônia cheia de tensão realizada em Pomfret, onde ficaram sem trabalho e futuro os angolanos e suas famílias. Entre os veteranos desempregados de Pomfret foi recrutada a maioria dos mercenários da famosa tentativa golpista que devia derrubar o presidente da Guiné Equatorial Teodoro Obiang em 2004.

Pomfret é hoje uma cidade em franca decadência que ainda fala português, e poucos na antiga base têm condições de lutar: a maioria é jovem ou velho demais. Alguns dos filhos dos ex-integrantes do batalhão se uniram às Forças Armadas da nova África do Sul do CNA, combatidas por seus pais e avôs.

Para os que continuam em Pomfret, os combates de outras épocas ficaram para trás há muito tempo e eles veem a vida passar sentados nas ruas poeirentas. "Foram bucha de canhão, abandonados por todos", diz o ex-sargento do 32º Manuel Gaspar, sul-africano de origem portuguesa, sobre todos os ex-combatentes negros.

No entanto, o veterano angolano Sebastião Vita entoa ainda com orgulho um dos hinos do 32º na porta de sua casa de Pomfret. "General, general, general...", canta Sebastião, como nos dias de Buffalo, quando a Legião Estrangeira era uma das melhores infantarias leves do mundo.

EFE   
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