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Mundo

Jovens nos EUA trocam dívidas por vida em microcasas

Residência de Pera é composta por varanda, sala, cozinha, banheiro e um "loft" com cama de casal

6 ago 2015 - 16h11
(atualizado às 17h35)
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Quem caminha pela rua Hamlin, no nordeste de Washington, pode confundir a construção de madeira nos fundos de uma espaçosa residência com uma casa de bonecas. Mas há poucos meses o caixote se tornou o lar da geógrafa Lee Pera, de 37 anos.

Conjunto de casas minúsculas em Washington, nos EUA
Conjunto de casas minúsculas em Washington, nos EUA
Foto: Jay Austin

Pera levou três anos para construir a casa, erguida sobre rodas e que soma 13 metros quadrados, área equivalente à de uma caminhonete de cabine dupla.

Ela diz que, em vez de aprisioná-la, morar naquele espaço lhe proporcionou mais tempo livre e uma vida social mais intensa. Antes, Pera morava num apartamento e não tinha acesso a áreas externas.

"Adoro chegar em casa à tarde e sentar na varanda, e também adoro ter um armário menor. É muito bom não ter que pensar em tantas opções", ela afirma à BBC Brasil.

Rodeada por árvores e estacionada no quintal da casa de amigos, a residência de Pera é composta por varanda, sala, cozinha, banheiro e um "loft" com cama de casal.

A geógrafa pertence a um grupo crescente de americanos que, embora escolarizados e com boas perspectivas profissionais, têm optado por viver em casas minúsculas sobre rodas.

Muitos querem evitar passar décadas em trabalhos indesejados em troca de salários que permitam saldar os empréstimos da casa própria.

Outros buscam um estilo de vida mais simples e ecológico, livre do consumismo que marca a vida nos subúrbios americanos.

Outros ainda, como o casal Guillaume Dutilh e Jenna Spesard, querem poder viajar sem sair de casa.

Acompanhados por sua cadela Salies, eles já percorreram 31 mil quilômetros (dez vezes o trajeto de Porto Alegre a Manaus) desde que começaram a viajar pela América do Norte, há quase um ano.

O trio, que mantém o blog "Tiny House, Giant Journey" (casa minúscula, jornada gigante), está agora no Alasca.

Em comum, quase todos construíram suas casas - ou ao menos parte delas - com as próprias mãos, orientados por livros, blogs e fóruns na internet.

O movimento das casas minúsculas ("tiny houses") foi retratado no documentário , exibido no Netflix, e no , veiculado na TV americana.

O movimento considera minúsculas casas com até 400 pés quadrados (37 metros quadrados). Não há dados sobre quantos americanos moram nessas residências.

Fetiche e confusão

Autor de um dos mais populares blogs sobre microcasas (tinyrevolution.com), Andrew Odom diz que hoje há um "fetiche e muita confusão" em torno do tema nos Estados Unidos.

Segundo ele, muitos dos que têm se mudado para casas minúsculas buscam soluções rápidas para problemas pontuais, como dívidas, e ignoram a essência do movimento, que "tem a ver com uma transição espiritual, mental e física".

"A menos que a pessoa dê os passos internos necessários para separar desejo e necessidade e se libertar de uma sociedade materialista, a mudança não será bem sucedida", afirma à BBC Brasil.

Pessoas de vários lugares - inclusive muitos americanos pobres - vivem em espaços apertados há milênios, mas Odom diz que muitos no país só passaram a considerar a opção a partir da crise econômica de 2008.

A crise começou com o colapso do setor imobiliário americano. Famílias endividadas contraíam empréstimos para investir em casas na esperança de ganhar com a constante valorização dos imóveis. Quando a bolha estourou, os preços despencaram, bancos quebraram e muitos perderam os bens.

Para Odom, o episódio mostrou que a estabilidade financeira dos Estados Unidos é incompatível com o sistema imobiliário atual, em que famílias contraem pesadas dívidas para ter onde morar.

Ele diz que, mais baratas, as microcasas poderiam solucionar parte do problema - a dele custou US$ 12 mil (R$ 41 mil), ou 3,6% do preço de uma casa americana média. A partir de US$ 10 mil é possível encomendar uma casa minúscula pronta pela internet.

Para Odom, porém, o maior obstáculo para a expansão do movimento são restrições legais.

A maioria das cidades americanas proíbe que moradores vivam em casas muito pequenas. Uma forma de driblar a regulação é construi-las sobre rodas. Nesse caso, são consideradas residências móveis (como trailers) e toleradas em certas áreas.

Ainda assim, muitas prefeituras não permitem que pessoas morem integralmente nessas unidades.

Para Carey Carscallen, diretor da Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade Andrews, em Michigan, outra barreira à disseminação do movimento é o número de residentes que uma microcasa comporta.

Para ele, ela pode abrigar um morador ou, no máximo, dois. A partir daí, a convivência ficaria muito difícil.

Carscallen orientou seus alunos num projeto em que tiveram de construir duas casas minúsculas. Durante o experimento, ele diz ter sido procurado por muitas pessoas que pediam ideias para erguer suas próprias unidades.

Para o professor, microcasas são ideais para jovens profissionais "que acabaram de sair da faculdade e ainda não acumularam muita coisa".

Frustração e desistência

Nem todos conseguem migrar para espaços tão pequenos. Em julho, o site citou três casos de pessoas que desistiram de viver em microcasas.

Um casal sucumbiu aos frequentes vazamentos e crescentes custos de manutenção; um morador não conseguiu autorização da prefeitura para viver no local; e um casal se sentiu muito isolado na área em que pôde se instalar.

Andrew Odom concorda que casas minúsculas não são para todos. Hoje ele divide a residência de 23 metros quadrados com a mulher e a filha de três anos, mas reconhece que um dia terá de se mudar para um lugar maior.

O que não significa que morará numa casa típica de subúrbio. Para ele, uma residência com dois quartos e 70 metros quadrados - ainda bem pequena para padrões locais - deverá ser suficiente.

"Vamos avaliar quais são nossas necessidades e nos ajustar".

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