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Distúrbios no Mundo Árabe

Impasse na Síria se aprofunda e ameaça tomar região

2 jul 2013 - 05h31
(atualizado às 05h54)
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Envolta em um sangrento conflito, a Síria caminha em direção ao precipício - e leva consigo os países vizinhos.

Uma série de ataques e revides entre as facções sunita e xiita da população deixou o país - e toda a região - à beira de uma guerra sectária que pode fragmentar seu território e colocar em xeque, pela primeira vez em quase um século, suas fronteiras. O conflito também tem o potencial de gerar confrontos entre poderes internacionais e locais.

Os protestos iniciados em março de 2011 foram reprimidos com tamanha violência pelo Estado que manifestações pacíficas gradualmente se transformaram em resistência armada.

O levante na Síria tem sua raiz na comunidade sunita, maioria descontente que se ressente contra um governo dominado pela minoria alauíta (grupo étnico religioso do islã xiita). Sem armas suficientes, os sunitas pediram ajuda aos irmãos na vizinhança - por exemplo, no Líbano e no Iraque.

Outros poderes sunitas, como Arábia Saudita e Qatar, também começaram a fornecer armas e financiar os rebeldes. E vizinhos sunitas como Turquia e Jordânia tornaram-se importantes corredores para o escoamento de recursos e ajuda à oposição.

Inevitavelmente, extremistas sunitas de toda a região também aderiram à luta. Do Iraque, fragmentado pela invasão liderada pelos EUA em 2003, vieram militantes islâmicos da al-Qaeda, que assumiram a liderança em vários dos bem-sucedidos avanços rebeldes.

Dimensão sectária

No final do ano passado, com os rebeldes se aproximando do centro de Damasco, o governo do presidente Bashar al-Assad parecia próximo do fim. Foi a vez de Assad pedir ajuda no exterior, aos poderosos aliados Rússia e Irã.

A maré mudou. Isso foi claramente demonstrado na derrota dos rebeldes em Qusair e em muitos subúrbios de Damasco. Com rotas de suprimento cortadas ou ameaçacas, já não estão em posição de ocupar a capital e estão sob pressão em outras frentes.

Teerã foi fundamental nessa virada. E militantes xiitas libaneses do Hezbollah, apoiados pelo Irã, lideraram a ofensiva em Qusair. Aliados a colegas militantes xiitas do Iraque - também organizada pelo Irã - eles estão defendendo o templo Sayyida Zeina, no lado sul de Damasco.

O Irã ainda está cumprindo um papel-chave em construir a Defesa Nacional, uma milícia de maioria alauíta que está aliviando a pressão sobre o Exército.

A resposta regional de apoio ao governo de al-Assad, financiada pelo Irã, está sendo feita exclusivamente pela via xiita, provocando ultraje entre clérigos sunitas locais. Isso reforça a dimensão sectária do conflito e aumenta seu impacto corrosivo sobre toda a região.

Impasse mortal

A intervenção iraniana também levou a Arábia Saudita a tomar posição de forma mais ativa, aumentando suprimentos de armas aos rebeldes.

Enquanto Teerã parece ter assegurado Assad de que fará o necessário para evitar um colapso no regime, líderes no ocidente agora parecem dispostos a fazer o que for possível para impedir um fracasso rebelde.

Existe uma lógica nisso tudo. Quase todo mundo (à exceção dos militantes islâmicos) concorda que um acordo político é a única maneira de evitar um banho de sangue. Então a palavra de ordem é, restabeleçamos o equilíbrio em nome da paz. E por que isso funcionaria, se não funcionou seis meses atrás?

Se "restabelecer o equilíbrio" significa criar equilíbrio - ou seja, um empate - por que o governo Assad iria a Genebra negociar sua própria derrota, quando está confiante de que pode sobreviver?

Muito mais provável é que, caso Damasco fique sob pressão, o Irã aumente seu apoio até onde necessário. Isso incluiria maior envolvimento de milícias xiitas iraquianas e até da Guarda Revolucionária iraniana, que já está ativa de maneiras diferentes.

Tentativas de forçar uma vitória dos rebeldes - algo que os americanos e o Ocidente nunca quiseram, embora seus aliados no Golfo gostem da ideia - poderiam ter resultados cataclísmicos.

Igualmente, se o governo sírio quisesse realmente recuperar o controle sobre todo o país, teria de mobilizar muito mais apoio do Irã e outros aliados, ou correria o risco de ficar sobrecarregado.

Além disso, o regime sírio também bateria de frente com o que parece ser uma determinação renovada, por parte do Ocidente, de não deixar os rebeldes fracassarem e o regime vencer, abrindo mais possibilidades para um dramático agravamento no conflito.

Tudo isso nos conduz a uma espécie de impasse, porém com cada vez mais armas, violência, destruição e refugiados. Mas impasse não quer dizer paralisia.

Separação à vista

O governo sírio tem mais condições de sobreviver a um período de equilíbrio estratégico do que a oposição.

A oposição está militarmente fragmentada em centenas de grupos rivais, alguns agindo sem qualquer tipo de controle. Sua liderança política é um caos completo, composta, em grande parte, por pessoas de fora, com pouca ou nenhuma influência dentro do país.

Ciente desses problemas, e da infiltração de extremistas islâmicos no campo de batalha, os aliados externos dos rebeldes hesitam em oferecer o tipo de apoio que Damasco recebe de Teerã e Moscou.

A oposição também tem de lidar com as tendências separatistas das áreas curdas ao norte e com a presença de grupos Salafi, vinculados à al-Qaeda, que efetivamente governam certas áreas, incluindo a única capital de província "liberada" até agora - Raqqa, no nordeste do país.

Portanto, se houvesse uma divisão do território, as áreas controladas pelo governo seriam muito mais estáveis. Esse parece ser o cenário mais provável.

Alternativas

Apenas duas coisas poderiam salvar a Síria como Estado unificado: uma vitória completa de um dos lados ou um acordo político. Ambas as alternativas parecem pouco prováveis.

E à medida que a Síria se fragmenta, as interações entre as diversas partes do país e as regiões do outro lado da fronteira ameaçam rasgar os frágeis elos que mantêm inteiros o Líbano e o Iraque.

Assad concordou "em princípio" e sem ansiedade com a proposta da conferência Genebra 2. Mas são pequenas as chances de que uma conferência como essa resulte em um acordo que devolva a unidade à Síria.

O consenso é de que deve haver uma transição - mas para quê? O Ocidente insiste em um futuro sem Assad, mas parece reconhecer que o aparato militar e de segurança deve ficar intacto.

Já os russos rejeitam qualquer condição que predetermine o status de Assad. E os iranianos já deixaram claro que não tolerarão interferências externas sobre seu aliado.

Com tantos temas enredados na trama desse conflito, é difícil imaginar como ele poderia ser acalmado sem algum tipo de grande novo entendimento entre Estados Unidos e Irã, envolvendo também Rússia, Israel e outros.

E as ramificações de um "Novo Acordo" como esse - a questão nuclear iraniana, o conflito entre israelenses e palestinos - são tais que esperar que ele aconteça é pura fantasia.

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