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Guerra cria mercado de jovens noivas entre refugiados sírios

Quase um terço dos casamentos entre refugiados na Jordânia envolvem garotas com menos de 18 anos; a pobreza intensa é o principal motivo para o matrimônio entre crianças e adolescentes

20 ago 2014 - 17h21
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Crianças batem palmas ao redor da noiva, uma menina de 23 vestida com uma capa de seda com capuz
Foto: BBC Mundo

A guerra na Síria está levando refugiados a negociarem o casamento de meninas adolescentes com homens muito mais velhos.

De acordo com a ONU, há um aumento alarmante no número de meninas sírias refugiadas na Jordânia sendo forçadas a casamentos precoces.

No campo de refugiados de Zaatari, uma menina de 13 anos estava sentada no chão "imersa" em um vestido de babados branco e uma capa de seda com capuz. Crianças mais ou menos da mesma idade dela batiam palmas e cantavam uma canção de ninar. O que parecia ser uma brincadeira era uma festa de casamento. A mãe da menina olhava de longe e chorava. Ela pediu que seu nome não fosse divulgado.

Mais cedo, em um salão de beleza improvisado, um refugiado sírio fez um penteado e maquiagem na menina - os últimos retoques para o fim da infância. A noiva contou que o marido, de 25 anos, tinha sido escolhido pela família. Ela nunca havia encontrado com ele. A menina parecia calma e disse que estava feliz por se casar. Mas, na verdade, ela não teve escolha.

Quase um terço (32%) dos casamentos entre refugiados na Jordânia envolvem garotas com menos de 18 anos, de acordo com a Unicef. Os dados consideram as uniões registradas oficialmente, o que indica que pode haver muito mais casamentos de adolescentes.

O índice casamentos com crianças na Síria antes da guerra era de 13%.

<p>Alaa, de 14 anos, casou com um primo</p>
Alaa, de 14 anos, casou com um primo
Foto: BBC Mundo

Algumas famílias casam suas filhas por força da tradição, e outras veem os maridos como proteção para as garotas. Mas a ONU diz que a maioria é provocada pela pobreza.

"Quanto mais a crise na Síria durar, mais vamos ver famílias de refugiados usando isso como um mecanismo", disse Michele Servadei, representante da Unicef na Jordânia. "A grande maioria desses casos é de abuso infantil, mesmo se os pais tiverem dado permissão."

No acampamento Zaatari, alguns são obrigados a casar antes que atinjam a adolescência.

A parteira jordaniana Mounira Shaban, conhecida no campo como "Mama Mounira", foi convidada para o casamento de uma criança de 12 anos de idade com um menino de 14 anos. Ela não teve coragem de participar. "Eu tive vontade de chorar", disse ela. "Senti como se fosse minha filha. Isso é violência."

Mounira tenta poupar as jovens de fardos de adultos. Em sua clínica, ela dá palestras a refugiados sobre os problemas enfrentados pelas jovens noivas. "Elas não sabem cozinhar", explica, "e não sabem ler e escrever. Têm que cuidar de seus maridos, quando na verdade queriam sair e brincar. Muitas se divorciam."

<p>Adolescente casou aos 15 e quer o div&oacute;rcio, mas marido diz que levar&aacute; a filha</p>
Adolescente casou aos 15 e quer o divórcio, mas marido diz que levará a filha
Foto: BBC Mundo

Uma adolescente de 17 anos casada desde os 15, que não quis ter seu nome divulgado, está tentando se separar. Mas o marido ameaça levar a filha, de dois meses. "Eu morreria sem minha filha", diz.

Do outro lado do campo está Alaa. Ao ouvir o barulhos de pratos se quebrando, seu marido comenta que ela não é muito boa na cozinha. Não é surpresa, já que ela tem 14 anos.

Alaa, que é órfã, fugiu da Síria com a família. Como tinha que dividir o quarto com seus parentes homens, decidiram que ela, à época com 13 anos, se casaria com o primo Qassem, de 19. O casal parece feliz, mas Alaa está grávida e preocupada.

"Estou com medo de ter o bebê, porque eu sinto que não serei capaz de cuidar dele", disse. "Queria ter continuado meus estudos e virado médica em vez de me casar."

Comércio de meninas

Na cidade de Mafraq, não muito longe do campo, há um comércio organizado de adolescentes, de acordo com refugiados sírios e trabalhadores humanitários.

São comerciantes e homens, principalmente dos Estados do Golfo, que se apresentam como doadores, mas são, na verdade, compradores de noivas.

Eles assediam famílias de refugiados, que vivem em casas alugadas e lutam para sobreviver.

Fontes locais dizem que o preço de uma noiva é entre 2 mil e 10 mil dinares jordanianos (R$ 6,3 mil a R$ 31 mil), com outros mil (US$ 3 mil) para o intermediário.

"Esses caras do Golfo sabem que existem famílias necessitadas aqui", disse Amal, refugiada e mãe de quatro filhos. "Eles oferecem dinheiro à família e a primeira coisa que perguntam é 'você tem meninas'? Eles gostam os jovens, em torno de 14 e 15 ".

Alguns querem crianças ainda mais jovens, como Ghazal, de 13 anos, uma menina pequena com as unhas pintadas de azul. Um saudita de 30 anos a pediu em casamento, mas ela recusou - contra a vontade de sua família.

Dizer "não" não foi uma opção para outra refugiada adolescente que tinha o sonho de se tornar uma advogada. Em vez disso, ela casou-se aos 14 anos com um homem do Kuait de 50 anos.

"Normalmente o dia do casamento de uma menina é o dia mais feliz de sua vida", disse ela. "Para mim foi o mais triste. Todo mundo me dizia para rir, mas eu estava com medo."

Sua mãe - uma viúva da guerra da Síria - disse que aceitou 10 mil dinares por sua filha porque ela tinha mais sete filhos para alimentar.

"Eu nunca teria considerado isso na Síria, mas nós chegamos aqui (na Jordânia) sem nada, nem mesmo um colchão para dormir. Pensei que o dinheiro iria garantir o futuro dos meus filhos. Ele se aproveitou da nossa situação."

Em vez de um futuro melhor, a família agora tem mais uma boca para alimentar. A filha dela tem um bebê de quatro meses de idade. O pai nunca o conheceu. Ele abandonou sua jovem noiva assim que ela ficou grávida.

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