Golpe no Mali: ao menos 4 morrem; presidente está na capital
Ao menos quatro pessoas morreram no Mali em um golpe de Estado contra o presidente Amadou Toumani Touré, anunciado por militares que fecharam as fronteiras e decretaram toque de recolher noturno, com a consequente onda de condenações vindas do exterior.
"O presidente está em Bamaco, ele não está em uma embaixada. Está em um acampamento militar de onde dirige o governo", disse à AFP uma fonte militar, desmentindo rumores de que o governante teria se abrigado em uma embaixada estrangeira. Essa informação foi confirmada por um membro da comitiva de Touré, que afirmou que ele estava com os Boinas Vermelhas de sua guarda presidencial.
O Mali, extenso país do oeste da África, previa realizar eleições presidenciais em 29 de abril, apesar de uma revolta tuareg lançada em janeiro que causou o deslocamento de 206 mil pessoas no país e em nações vizinhas, segundo a ONU.
Tudo começou na tarde de quarta-feira, quando alguns soldados se amotinaram para exigir, segundo eles, mais fundos para a guerra contra os rebeldes do Norte, região imensa e desértica onde são registradas atividades de grupos islâmicos armados que incluem a Al-Qaeda do Magreg Islâmico e diversos traficantes.
O amotinamento na cidade guarnição de Kita (a 15 km de Bamaco), passou a Houlouba (perto de Bamaco), onde está a presidência, depois à capital e a Gao (nordeste), onde está um comando antirrebelião do exército.
Nos confrontos entre soldados amotinados e a guarda presidencial morreu um militar na quarta-feira, segundo uma fonte militar. A Anistia Internacional mencionou três mortos a bala. Em dois dias, houve 40 feridos, entre eles "três ou quatro civis", a maioria atingidos por balas perdidas, foram hospitalizados em Bamaco e Kati, segundo a Cruz Vermelha.
Muitas condenações se seguiram ao golpe no país, que deveria realizar no dia 29 de abril as eleições presidenciais e que enfrenta uma rebelião tuaregue desencadeada em meados de janeiro.
Mais cedo, outra autoridade militar leal ao governo disse à AFP que "o presidente está bem, em um lugar seguro", com alguns ministros, sem dar mais detalhes.
Nesta quinta-feira às 4h locais (1h de Brasília), soldados uniformizados apareceram na televisão estatal, anunciando que ocupavam desde quarta-feira, após um motim em Kita, a capital Bamaco e em seguida Koulouba (perto de Bamaco), onde fica a sede do palácio presidencial. A revolta ganhou Gao, (nordeste), sede de um comando do exército contra a rebelião, em que líderes militares legalistas foram detidos.
Os soldados revoltosos anunciaram o "fim do regime incompetente" do presidente Touré, decretaram a dissolução de "todas as instituições", além de um toque de recolher por tempo indeterminado. As fronteiras do Mali foram fechadas "até nova ordem" e os funcionários foram convidados a retomar o trabalho na terça-feira, 27 de março, às 7h30 local (4h30 de Brasília), sob pena de ser considerado "abandono de posição".
O aeroporto de Bamaco foi fechado, e os voos cancelados até nova ordem, informou uma fonte aeroportuária. Este golpe militar acontece depois de mais de dois meses de guerra contra os rebeldes tuaregues no norte do Mali, uma vasta área onde as tropas do governo combatem as atividades de grupos armados islâmicos, incluindo a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) e vários traficantes.
O regime de Touré teve que controlar nas últimas semanas a insatisfação na frente de batalha, onde soldados mal equipados tinham que enfrentar oponentes fortemente armados, apoiados por islamitas.
O resultado da guerra foi pesado para ambos os lados. O conflito fez com que cerca de 200 mil pessoas se refugiassem em países vizinhos. O tenente Amadou Konaré, porta-voz dos amotinados que formaram um Comitê Nacional para a Recuperação da Democracia e do Restabelecimento do Estado (CNRDRE), denunciou o "fracasso" do governo "para administrar a crise" no norte. Os golpistas prometem "restaurar o poder" civil e implementar um governo de unidade nacional.
Desde a noite de quarta-feira, tiros de advertência são ouvidos esporadicamente em Bamaco, de acordo com um correspondente da AFP e testemunhas. Ministros africanos das Relações Exteriores, que tinham viajado para a capital malinense para uma reunião sobre a segurança no Sahel, ficaram presos no hotel.
Condenações internacionais
O golpe de Estado colocou um fim ao processo eleitoral que previa a realização da eleição presidencial, um referendo constitucional e eleições legislativas. Amadou Toumani Touré - eleito em 2000 e reeleito em 2007 - devia deixar o poder conforme a Constituição que permite apenas dois mandatos consecutivos de cinco anos.
A única formação de oposição representada na Assembleia Nacional do Mali, o Partido Solidariedade Africana pela Democracia e Independência (Sadi), foi o único a se pronunciar sobre o golpe, felicitando os golpistas. Seu presidente, Oumar Mariko, declarou estar pronto para fazer parte de um governo de união nacional proposto pelos golpistas.
Mas o anúncio da derrubada do poder provocou uma onda de condenações no exterior por parte da União Africana (UA), da França, da Argélia, dos Estados Unidos, da União Europeia (UE), da ONU, da África do Sul, da Nigéria e da Organização da Conferência Islâmica (OCI), entre outros.
A França decidiu suspender "toda a sua cooperação soberana com o Mali", exigiu o respeito à integridade física do presidente Touré e a libertação dos detidos. Seu ministro das Relações Exteriores, Alain Juppé, quer a realização de eleições "o mais rápido possível".
Para Jean Ping, presidente da Comissão da UA, o golpe de Estado "é um grave revés para o Mali e para os processos democráticos em curso no continente". O chefe da OIC disse estar "profundamente chocado". O presidente nigeriano Goodluck Jonathan falou de "um revés" para a democracia na África.
A Argélia manifestou "grande preocupação", a UE exigiu o retorno da ordem constitucional e o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon apelou para uma resolução pacífica das "queixas".
Os Estados Unidos pediram "o retorno imediato da ordem constitucional no Mali, incluindo o poder civil sobre as Forças Armadas, e o respeito às tradições e instituições democráticas do país".