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Mundo

Fragilidades de ambos os lados emperram diálogo na Venezuela

Governo e oposição venezuelanos buscam solução para a violência que assola o país. No entanto, grupos se negam a legitimar a discussão e prometem manter os protestos nas ruas

15 abr 2014 - 16h46
(atualizado às 16h46)
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<p>Reunião da semana passada contou com a presença do presidente Nicolás Maduro e de representantes da oposição, além de chanceleres da Unasul e do núncio apostólico do Vaticano</p>
Reunião da semana passada contou com a presença do presidente Nicolás Maduro e de representantes da oposição, além de chanceleres da Unasul e do núncio apostólico do Vaticano
Foto: EFE

Apesar da expectativa de grande parte da população, que vê com bons olhos o diálogo entre o governo e a oposição, as razões de fundo que levaram a Venezuela a uma escalada de violência - que já soma 41 mortos e centenas de feridos - podem não ser resolvidas no curto prazo por meio de negociações.

A coalizão opositora MUD - que reúne os principais partidos de oposição - se reúne com o governo sem o apoio da sua ala radical, que na prática pode controlar os grupos que estariam envolvidos em protestos violentos.

Liderados pelo dirigente opositor Leopoldo López, preso há mais de um mês ao ser responsabilizado pela onda de violência, e pela deputada cassada Maria Corina Machado, os radicais não legitimam o diálogo e prometem manter os protestos nas ruas. Seu objetivo é a derrocada do governo.

"A MUD não é interlocutora válida sobre os protestos. Eles podem ter legitimidade para muitas coisas, menos sobre as manifestações", afirmou à BBC Brasil Daniel Vásquez, da direção do movimento estudantil opositor. O grupo se nega a dialogar com o governo.

"Essa mesa de diálogo não é a solução, não vai chegar a lugar nenhum. Precisamos de uma mudança de todos os poderes públicos, esse modelo fracassou", acrescentou.

Economia

Por outro lado, a pressão social sobre o governo pesa no âmbito econômico. O Executivo dá sinais de que poderá flexibilizar medidas como a lei de controle de preços, que provocou a ira do empresariado local - e levou a parte do grupo a estabelecer o boicote e a estocagem como medida de pressão para obrigar o governo a recuar.

Uma fonte do governo disse à BBC Brasil que a preocupação de Maduro é resolver o problema da escassez "de qualquer jeito". "Nesse caso deverá prevalecer o pragmatismo".

Se de fato der marcha a ré na lei de congelamento de preços, Maduro terá de arcar com o custo político do aumento dos preços, "mas a população prefere pagar mais e ter o que comprar a não ver nada nas prateleiras", afirmou o funcionário.

Apesar de não estar entre os pontos centrais das declarações públicas da oposição, a abertura para uma maior participação do setor privado na condução da economia é vista como um eixo transversal "obrigatório" para amenizar o desabastecimento.

De acordo com o Banco Central da Venezuela, o índice de escassez em janeiro era de 28%, o mais alto desde 2003. Ainda que o governo aceite dialogar com o empresariado local, a escassez de produtos não será resolvida no curto prazo, na opinião do analista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela.

"Não há uma solução para a Venezuela de imediato. A médio prazo continuarão as disputas nas ruas e permanecerão os ciclos de escassez", afirmou Romero à BBC Brasil.

Radicais e moderados

Após um inédito cara a cara entre o núcleo duro do governo e a ala moderada da MUD na semana passada, governistas e opositores voltam a se reunir nesta terça-feira para discutir a metodologia do processo de diálogo.

O encontro é observado por Brasil, Equador e Colômbia - em nome da Unasul (União de Países Sul-Americanos) e pelo Núncio Apostólico do Vaticano. O papel destinado à representação é limitado à acompanhar a discussão como "testemunhas de boa fé".

Diferente do encontro da semana passada, que foi transmitido em cadeia nacional de rádio e TV, a reunião desta terça-feira será a portas fechadas.

A oposição vai ao novo encontro com foco em três pontos principais: uma lei de anistia para os que consideram "presos políticos", a renovação dos poderes públicos, como a eleição dos magistrados da Justiça e do Conselho Nacional Eleitoral, e o desarmamento dos chamados "coletivos" que apoiam o chavismo.

A lei de anistia é o principal ponto de controvérsia. Os opositores exigem a libertação de todos os supostos "presos políticos" do chavismo, desde o ano 1998 até as manifestações dos últimos meses. O pedido engloba desde a libertação do opositor Leopoldo López a casos como a prisão de um ex-secretário de Segurança, responsabilizado pelas mortes durante o golpe de Estado de 2002, e a de dois acusados de terrorismo pela explosão do carro de um Procurador da República.

No primeiro encontro com a oposição, na quinta-feira, Maduro indicou que a lei não deve passar. "Há tempo para a Justiça e tempo para o perdão. Esse é o tempo da Justiça", afirmou o presidente venezuelano.

O governo, por sua vez, exige que a MUD reconheça a legitimidade da Presidência de Maduro e que condene a violência como forma de protesto. "Somente duas pessoas condenaram a violência, por quê? porque eles têm interesses nisso", afirmou o presidente do Parlamento e número dois do partido do governo, Diosdado Cabello."Eles se queixam da violência e são os que estão mandado assassinar os venezuelanos."

Nove em cada dez venezuelanos apoiam o diálogo, de acordo com uma pesquisa da consultoria Hinterlaces divulgada nesta terça-feira.

O otimismo em relação a um eventual resultado positivo deste diálogo, no entanto, é visto apenas entre os simpatizantes do governo. Segundo a pesquisa, 66% dos chavistas consideram que o diálogo contribuirá para resolver os problemas do país. Do lado opositor, somente 30% dizem acreditar em melhorias.

Apesar de não haver mudanças no tom da retórica, ao dialogar com os "moderados", o governo de Maduro aponta a MUD como única interlocutora política legítima. Essa tática seria uma tentativa de estimular o desgaste e o isolamento dos grupos radicais.

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