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Famílias são separadas em fechamento de fronteira entre Colômbia e Venezuela

29 ago 2015 - 16h20
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Uma pequena televisão está ligada em um abrigo em Cúcuta, destino de colombianos que estão chegando à cidade do noroeste da Colômbia vindos da vizinha Venezuela.

No abrigo na Colômbia estão diversas famílias que foram separadas de seus parentes na Venezuela
No abrigo na Colômbia estão diversas famílias que foram separadas de seus parentes na Venezuela
Foto: BBC Mundo

Ela mostra, ao vivo, o jornal das 19h. Está rodeada por cerca de 30 pessoas que observam como estão sendo contados os acontecimentos que elas mesmas protagonizam.

Luis José Avendaño, Susana Leal e Yesid Montagú são parte do grupo de telespectadores. Assim como muitos dos colombianos no local, eles foram separados de suas famílias ao serem deportados da Venezuela nos últimos dias.

O fechamento da fronteira foi decidido por Caracas na semana passada, depois que três soldados venezuelanos foram feridos a tiros. O presidente Nicolás Maduro responsabilizou paramilitares supostamente ligados ao ex-presidente colombiano Álvaro Uribe.

Desde então, centenas de colombianos, muitos deles sem documentos, vivendo na Venezuela foram expulsos do país. Segundo Caracas, trata-se de uma ofensiva contra o contrabando e a atividade de quadrilhas na região.

A BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com os três deportados.

Uma história de repetidas partidas forçadas

Não é a primeira vez que Luis José Avendaño tem de deixar um lugar a força.

Nos anos 1990, voltou para a casa um dia e encontrou o corpo de seu pai baleado com dez tiros.

"Disseram que foi um grupo armado", conta. Mas não sabe de mais nada.

Ele foi embora para San José del Oriente, no Estado de Cesar. "E também tive de sair de lá por causa de grupos armados, paramilitares." Viajou, então, para a Venezuela.

No domingo passado, teve de sair à força do local em que vivia pela terceira vez.

"Acordei às 7h. Estava me penteando quando chegou a lei, a Guarda Nacional", conta Avendaño. Perguntaram se ele era venezuelano ou colombiano. "Eu lhes disse que era colombiano, e imediatamente me disseram que eu tinha que sair."

Perguntaram a ele há quantos anos viviam na Venezuela. "Dezesseis", respondeu. Mas não conseguiu tirar documentos - diz que tentou várias vezes, mas ouviu que não tinha direito.

"E aí colocam a letra D (autoridades venezuelanas estão marcando as casas que serão demolidas com 'D') em meu barraco. Me tiraram de lá na hora e eu tive que vir com a roupa do corpo", conta.

Deram a ele dez minutos para sair.

Sua mulher ficou no lado venezuelano, em outro barraco. Eles se casaram há um ano.

"Ela também é colombiana, mas tem cinco filhos venezuelanos, por isso está lá", explica.

Segundo Avendaño, sua mulher agora vive com medo. "Não quer sair na rua porque podem prendê-la", diz. Está vivendo escondida.

Ele diz que se sente "bastante mal" por não estar com ela, apesar de se falarem ao telefone todos os dias. "Ela me disse que quer vir, mas como os filhos são venezuelanos..."

E ele já não quer voltar à Venezuela.

Irmãs separadas

Susana Leal chegou ao albergue com dois filhos, de 14 e 15 anos, seu marido e seu cunhado.

Foram deportados da Venezuela sem aviso. "A Guarda chegou às casas e nos pediu papéis." Eles mostraram a identidade colombiana e ouviram que deveriam deixar o país. Pediram para levar pelo menos uma mala de roupa, mas as autoridade disseram que eles não podiam levar nada.

Ela morou por quatro anos na Venezuela, mas não chegou a se adaptar totalmente. Sentiu-se discriminada, principalmente quando ia fazer compras. Depois de quatro ou cinco horas de fila, diziam a ela que não havia mais produtos, ou que "era só para venezuelanos".

Muitas vezes, acabava indo comprar produtos contrabandeados no lado colombiano, mais caros. E o contrabando era algo público: ela diz que via os vizinhos levando mercadoria para a Colômbia.

Mas, com lágrimas nos olhos, ela conta que duas de suas irmãs ficaram do outro lado da fronteira.

"Não consegui nem falar com elas", diz, contando que tentou telefonar mas não conseguiu contato.

Ela diz que será "complicado" ver as irmãs em breve, mas afirma que, mesmo assim, sente-se mais segura do lado colombiano.

O sorveteiro enganado

As autoridades venezuelanas pediram que Yesid Montagú, de 48 anos, fosse a um campo de futebol de terra para se certificar de que ele estava em dia com as contas de luz e de água.

Ao chegar, "nos disseram 'venezuelanos para lá, colombianos para cá'; os colombianos foram colocados em um carro", conta.

Então, segundo ele, os documentos dos colombianos foram entregues ao departamento de Migrações.

Ele não tem documentos venezuelanos. Disse que tentou tirar, mas que o trâmite era muito complexo e ele não conseguiu a documentação.

Quando foi deportado Montagú estava sozinho, porque sua mulher havia ido a Maturí, no noroeste da Venezuela, com uma de suas filhas. "Ela está voltando. Pode chegar a San Antonio (lado venezuelano da fronteira) e ser deportada imediatamente", diz.

Quando estiverem juntos de novo, o plano de Montagú é ir para Bucaramanga, a cidade colombiana de onde saiu há oito anos.

Ele diz que, na Venezuela, as condições de vida eram melhores. "Tenho as contas de luz; pagava 30 bolívares e tinha ar condicionado, congelador", conta.

Havia até comprado uma casa e aberto uma sorveteria.

E quem vai cuidar do negócio? A resposta indica que ele ainda tem esperanças de voltar.

"Pedi a uns vizinhos venezuelanos que deem uma olhadinha", conta.

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