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"Everest virou um monte banal", afirma 1º alpinista a alcançá-lo

Qualquer pessoa que já tenha escalado uma montanha nos Alpes pode escalar o Monte Everest, diz o italiano. Há 60 anos, quando o pico do monte mais alto do mundo foi alcançado pela primeira vez, o desafio era bem maior

29 mai 2013 - 11h41
(atualizado às 11h44)
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Reinhold Messner é frequentemente apontado como um dos melhores de todos os tempos
Reinhold Messner é frequentemente apontado como um dos melhores de todos os tempos
Foto: AP

O alpinista italiano Reinhold Messner é frequentemente apontado como um dos melhores de todos os tempos. Ele foi o primeiro a chegar ao alto do Monte Everest sem a ajuda de garrafas de oxigênio, em 1978, e o primeiro alpinista a escalar todas as montanhas com mais de 8 mil metros de altura que existem no mundo, entre 1970 e 1986. Sempre sem oxigênio extra.

Hoje Messner vive no Tirol do Sul, norte da Itália, onde escreve livros e se dedica aos seus cinco museus de montanhismo. Ele falou à Deutsche Welle sobre os 60 anos da conquista do Monte Everest e a banalização do local, que virou uma meca para turistas interessados em alpinismo.

Deutsche Welle: Em 29 de maio de 1953, o neozelandês Edmund Hillary e o nepalês Tenzing Norgay alcançaram o pico do Monte Everest. Esse foi um desempenho excepcional de dois alpinistas ou a ação coletiva de um time?

Reinhold Messner: Em primeira linha foi mesmo um desempenho coletivo de um time britânico, pois eles tinham o know how e fizeram uma enorme preparação. Entre 1921 e 1953, muitas expedições fracassaram no Everest.

Entretanto precisamos atribuir uma parte do sucesso aos suíços, já que, em 1952, Raymond Lambert tentou duas vezes e chegou bem perto do cume. Tenzing Norgay também esteve nessas expedições. Sem isso, creio, os britânicos não teriam conseguido em 1953.

Mas temos também que dizer que o sucesso da escalada se deve à ousadia de Hillary, a ele ter tentado. Os britânicos já haviam tentado e não conseguiram. Então veio esse jovem neozelandês e mostrou que tinha a vontade e a coragem para ousar, apesar de outros terem fracassado.

E foi assim que deu certo, e esse se tornou um grande momento do alpinismo. Hillary nem era um alpinista radical, mas um montanhista clássico, que trazia consigo muita autoconfiança. Um típico neozelandês.

DW: Logo após a primeira escalada veio a fase esportiva, nos anos 60 e principalmente nos anos 70 e 80. Você conseguiu chegar ao pico sem a ajuda de máscaras de oxigênio em 1978, ao lado de Peter Habeler, e repetiu o feito em 1980, desta vez sozinho e novamente sem as garrafas de oxigênio e em meio à monção. O Everest era o maior desafio da época?

Messner: Depois da escalada da parte sudoeste por Doug Scott e Dougal Haston [dois alpinistas britânicos], em 1975, ficou claro para mim que agora tratava-se de escalar o Everest com cada vez menos equipamentos. Para mim, escalar sozinho o Everest tornou-se a cereja no topo do bolo: o mais alto monte do mundo, numa época do ano ruim, a monção, e, se possível, numa nova rota, claro que sem oxigênio.

DW: Nos anos 90 começou o alpinismo comercial no Everest, que predomina até hoje. Como você vê o Everest hoje, passados 60 anos da primeira conquista?

Messner: Ainda é o mesmo monte. A pressão parcial de oxigênio ainda é a mesma. Ele também continua sendo relativamente perigoso.

Eu chamo a fase atual de alpinismo de pista. Essa é a grande diferença: antes de os clientes dessas agências de viagens começarem a escalada, os xerpas são enviados não só às dezenas, mas às centenas ao monte e deixam todo o caminho preparado. Essas rotas são melhor preparadas que qualquer rota nos Alpes. E então as pessoas só precisam seguir essas pistas, o que elimina as dificuldades e minimiza os riscos – claro que não totalmente, isso é impossível.

Agora surgiu a discussão sobre se o Hillary Step, o único pedaço de alta dificuldade na parte superior da montanha, deve receber uma escada, como já existe desde 1975 no Second Step [no lado norte do monte].

Eu sugeri que se colocasse um semáforo, como nas cidades, para que se saiba quando estes e quando aqueles devem subir. Aí os alpinistas terão de respeitar as leis de trânsito, e haverá menos acidentes. Esses acidentes acontecem por causa do caos, por causa da espera no frio. As pessoas sofrem de hipotermia, e algumas morreram lá em cima.

DW: Com essas mudanças, o perfil do alpinista do Everest também mudou radicalmente.

Messner: Sim, porque hoje em dia há lá muitas pessoas que não são alpinistas ou, digamos, não são alpinistas experientes. Elas sabem que, se tanta gente já conseguiu, então é possível chegar lá em cima. Na prática, escalar o Everest é possível para qualquer um que tenha conseguido escalar um pico de quatro mil metros de nível fácil nos Alpes, isso se o caminho estiver preparado.

Eu posso garantir que, das mil pessoas que estão lá agora, nem ao menos três conseguiriam partir se não houvesse as rotas previamente preparadas. A montanha está toda preparada com cordas, escadas e correntes, e por isso ela é acessível a todos.

Se isso é certo ou errado, é pra mim relativamente indiferente. Isso não tem nada a ver com o alpinismo clássico. As pessoas não escalam o Everest de Hillary nem o meu, mas um outro monte, apesar de ele ser geologicamente o mesmo.

DW: Qual seria o seu desejo para o jubileu de 60 anos do Monte Everest?

Messner: Creio que seja tarde demais. O Everest já se tornou um monte banal. Não creio que seja possível devolver a ele o charme que um dia teve. Os melhores alpinistas já não buscam mais os picos de oito mil metros, mas sim as montanhas mais difíceis do mundo, entre seis e sete mil metros de altura. Eles têm muitas outras opções. Mas é claro que é pena que muitos bons montanhistas não consigam recursos financeiros para financiar expedições ao Everest por causa dos turistas.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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