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Papa Francisco

Visita expõe novo estilo do papa para lidar com desafios da Igreja

29 jul 2013 - 19h04
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Além da simplicidade e do bom humor, a passagem do papa Francisco pelo Rio de Janeiro expôs, mais do que o lado irreverente do novo pontífice, o estilo que deseja imprimir para lidar com os desafios enfrentados pela Igreja Católica.

Desde a última quarta-feira, quando mudou o tom protocolar do discurso inicial para falar contra a descriminalização das drogas durante a inauguração de uma ala para o tratamento de dependentes químicos em um hospital no Rio, o papa não se furtou a comentar temas polêmicos, como a corrupção no Vaticano ou a homossexualidade.

Francisco veio ao Brasil, sua primeira viagem internacional desde o início de seu papado, para participar da Jornada Mundial da Juventude, maior evento do mundo dedicado a jovens católicos, que começou na terça-feira (23) e terminou no domingo (28).

Para especialistas, as declarações não representam uma mudança nos princípios dogmáticos do catolicismo, mas são encaradas como uma pequena revolução diante do hermetismo que vinha caracterizando a Igreja nos últimos tempos.

Neste sentido, Francisco inova ao propor uma nova forma de comunicação com os fiéis, mais aberta, afinada com seu modo de ser e também com os dilemas atuais.

Seu público-alvo são principalmente os jovens, que o novo papa disse repetidas vezes considerar o "futuro da Igreja" e aos quais dirigiu a maior parte de seus discursos.

Em entrevista ao jornal O Globo, o vaticanista italiano Marco Politi afirmou que o argentino vai marcar o fim de uma era de papas "monárquico-imperialistas", durante a qual a Igreja foi guiada por "um imperador, um monarca absoluto", distante de seus fiéis. "(Jorge Mario) Bergoglio é o papa não-papa", afirmou Politi.

A escolha do novo pontífice pela simplicidade foi observada em suas primeiras atitudes, logo após ser escolhido o sucessor de Bento 16, que renunciou em fevereiro deste ano.

Francisco renunciou aos sapatos vermelhos de Ratzinger, aos carros de luxo e a outros privilégios que cercavam o chefe de Estado do Vaticano. Adotou a cruz de ferro e impôs, não só a si mesmo, como todos à sua volta, um estilo de vida mais humilde, que remonta, segundo analistas, aos princípios da fé cristã. Um gesto político, acreditam.

Confira as opiniões do papa Francisco sobre os principais temas abordados por ele durante a última semana:

Perda de fiéis

O papa Francisco creditou a perda de devotos ao distanciamento da Igreja Católica. Para ele, além da falta de sacerdotes, que dificulta a propagação da mensagem de fé, a Igreja esqueceu-se dos fiéis, governando para si mesma e para os demais por meio de atos administrativos.

"Quando a Igreja, ocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, se descuida disso e só se comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta", disse ele em uma entrevista à TV Globo no último domingo.

O pontífice também já demonstrou como pretende mudar tal cenário. Diferentemente de seus antecessores, dizem especialistas, Francisco é ferrenho defensor da atividade pastoral e missionária, traço comum a seus discursos. Ele destaca, sempre que pode, a importância do papel paroquial nas comunidades, ao passo que dá menor ênfase ao alto clero, composto por bispos e cardeais.

Para alcançar seu objetivo, o papa aposta nos jovens. Em praticamente todos os seus pronunciamentos, Francisco mostrou querer ampliar o diálogo com a juventude, falando de improviso e de maneira simples.

Descriminalização das drogas

Em visita a um hospital na zona norte do Rio de Janeiro, onde esteve para inaugurar uma ala para o tratamento de dependentes químicos, o papa fez um discurso veemente contra a liberalização das drogas, descrevendo traficantes como "mercadores da morte".

"A chaga do tráfico de drogas, que favorece a violência e que semeia a dor e a morte, exige da sociedade inteira um ato de coragem", afirmou ele.

No que foi considerada sua primeira declaração política na visita ao Brasil, o papa afirmou que "não é deixando livre o uso das drogas, como se discute em várias partes da América Latina, que se conseguirá reduzir a difusão e a influência da dependência química".

"É necessário enfrentar os problemas que estão na raiz do uso das drogas, promovendo maior justiça, educando os jovens para os valores que constroem a vida comum, acompanhando quem está em dificuldades e dando esperança no futuro", acrescentou.

Protestos

"Um jovem que não protesta, não me agrada", afirmou o pontífice durante a entrevista à TV Globo. Na avaliação de especialistas, o posicionamento, de alto teor político, faz parte da estratégia do pontífice em restabelecer o diálogo com os jovens.

Embora tenha dito não saber quais as motivações que levaram os brasileiros às ruas, o papa demonstrou estar afinado com os anseios da juventude, ao pedir a reabilitação da política.

"Somos responsáveis pela formação das novas gerações, de capacitá-las na economia e na política, e nos valores éticos. O futuro exige hoje a tarefa de reabilitar a política. Reabilitar a política, que é uma das formas mais altas da caridade", afirmou ele, em discurso no Theatro Municipal, no sábado, considerado até então um de seus mais fortes pronunciamentos durante a JMJ.

Na ocasião, o pontífice pediu um "diálogo construtivo" e lamentou que o "sentido ético" apareça hoje como "um desafio histórico sem precedentes".

Ele também reivindicou uma economia mais humana, "evitando elitismos e erradicando a pobreza".

"O futuro nos exige uma visão humanista da economia e da política, que realize cada vez mais e melhor a participação das pessoas."

Homossexualidade

Em um pronunciamento já considerado histórico, o papa Francisco disse que os gays "não devem ser marginalizados, mas integrados à sociedade" e que não se sente em condição de julgá-los.

"Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", afirmou ele a jornalistas durante o voo de retorno a Roma.

"O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados à sociedade."

As declarações do pontífice tiveram como pano de fundo as recentes revelações de que um assessor próximo a ele seria homossexual.

Na mesma ocasião, o papa respondeu a questionamento sobre a existência de um "lobby gay" no Vaticano. Segundo ele, o problema não é ser gay, mas o "lobby em geral".

"Vocês vêm muita coisa escrita sobre o lobby gay. Eu ainda não vi ninguém no Vaticano com um cartão de identidade dizendo que é gay. Dizem que há alguns. Acho que, quando alguém se encontra com uma pessoa assim, devemos distinguir entre o fato de que uma pessoa é gay de formar um lobby gay, porque os lobbies não são bons. Isso é o que é ruim."

Reforma da Igreja

Tema recorrente em seus pronunciamentos e entrevista, a reforma da Cúria Romana e da Igreja Católica é um dos principais objetivos mais caros a Francisco. Ele não poupou críticas ao Vaticano e ao modo de vida levado por alguns sacerdotes.

"Agora mesmo temos um escândalo de transferência de US$ 10 ou US$ 20 milhões de um monsenhor. Belo favor faz esse senhor à Igreja, não é?", disse ele em entrevista à TV Globo.

Sobre a simplicidade associada a seu pontificado, ele disse que "o povo sente o coração magoado quando nós, as pessoas consagradas, são apegadas a dinheiro. Não é um bom exemplo se um sacerdote tem um último modelo de marca. O nosso povo é simples".

Mais do que refletir um estilo próprio, a declaração parece sinalizar os rumos de seu papado. Por mais de duas vezes, Francisco criticou a "psicologia de príncipes" dos bispos. Em reunião com membros do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), na residência do Sumaré, onde ficou hospedado durante a jornada, ele considerou a Igreja "atrasada".

Em seu voo de retorno a Roma, Francisco também falou da ordenação das mulheres. Apesar de renovar seu apoio ao impedimento do sacerdócio feminino, citando, inclusive, uma formulação de João Paulo 2º, o pontífice pediu por uma maior participação das mulheres na vida da Igreja.

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