PUBLICIDADE

América Latina

Papa se transforma em assunto de política interna na Argentina

Enquanto aliados de Cristina Kirchner chamam o novo Papa de "peronista", oposição tira o pó de velhas fotografias com Bergoglio

16 mar 2013 - 18h04
(atualizado às 18h57)
Compartilhar
Exibir comentários
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi escolhido o novo papa Francisco. Em 2008, a foto mostra o então cardeal com a presidente argentina, Cristina Kirchner
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi escolhido o novo papa Francisco. Em 2008, a foto mostra o então cardeal com a presidente argentina, Cristina Kirchner
Foto: AP

Os políticos argentinos transformaram em um assunto interno a designação como papa de Jorge Bergoglio, que deixou de lado suas diferenças com o governo e anunciou neste sábado que Cristina Kirchner será a primeira governante que receberá no Vaticano, na próxima segunda-feira.

O encontro, considerado pela Santa Sé como um "gesto de cortesia e afeto" para a chefe de Estado argentina, será um almoço "simples, sem protocolo".

O anúncio do papa surpreendeu a presidente preparando as malas para viajar a Roma à frente de uma grande delegação oficial que inclui ministros, parlamentares, magistrados, hierarcas da Igreja Católica e sindicalistas.

Também surpreendeu dirigentes opositores que tinham visto a escolha de Francisco como um autêntico presente dos céus por conta do enfrentamento de Bergoglio, ex-arcebispo de Buenos Aires e cabeça da Igreja argentina durante dois mandatos consecutivos, com os governos do falecido ex-presidente Néstor Kirchner e de sua esposa e sucessora.

O papa se alinhou com os produtores rurais em sua "guerra" contra os Kirchner em 2008 e acentuou seu distanciamento pela lei do casamento gay e pela descriminalização parcial do aborto, em 2010.

O papel da Igreja Católica durante a última ditadura militar (1976-1983) e o fato de Bergoglio ter sido citado como testemunha em dois julgamentos por delitos de lesa-humanidade levantaram outra barreira com o Executivo.

Néstor Kirchner chegou a qualificá-lo como "verdadeiro representante da oposição" e o então cardeal convocou os fiéis para travarem uma "batalha de Deus" para frear o governo na aprovação do casamento gay. No último ano, tanto o Executivo como o arcebispo acalmaram os ânimos, mas não conseguiram criar um clima de entendimento.

Neste contexto, os kirchneristas não se surpreenderam pela frieza com a qual a presidente felicitou Bergoglio na quarta-feira, através de uma breve carta, em contraste com a felicidade das mensagens de líderes da esquerda latino-americana aliados de Cristina.

'Peronista'

As críticas não demoraram e as repercussões também não. Em menos de 24 horas se multiplicaram as vozes governistas que deram rédea solta a sua "alegria" por ter um papa argentino que, segundo alguns, é inclusive "peronista".

"Bergoglio tem uma visão do terceiro mundo; é um papa peronista", assegurou o vice-governador da província de Buenos Aires, Gabriel Mariotto, enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Julián Domínguez, completou: "Peronistas somos todos, só que alguns não o sabem".

Aliados da presidente começaram a chamar o papa de "peronista" enquanto a oposição tira poeira das velhas fotografias com Bergoglio

Para evitar mal-entendidos, o chefe da bancada governista no Congresso, Agustín Rossi, foi taxativo hoje: "Não acho que a designação de Francisco vá mudar o rumo da política interna".

Enquanto isso, a oposição tira poeira de velhas fotografias de seus encontros com Bergoglio para demonstrar, com provas, que "sempre" estiveram ao lado do Espírito Santo.

O convite do papa a Cristina, comentou hoje o presidente da patronal industrial, Horacio de Mendiguren, confirma que Bergoglio "nunca quis ser e nem se pôs como chefe da oposição".

Para o conservador prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, "isto começa a marcar um futuro promissor para todos os argentinos", e o socialista Hermes Binner não hesitou em declarar que a nomeação de Francisco terá um "efeito político". "Temos que aproveitá-la para construir uma Argentina melhor", comentou.

Outros, como o peronista dissidente Francisco de Narvaez, esperam aproveitar a "papamania" com uma estratégia contundente: "Bergoglio é a contraface de Cristina".

Um dos dirigentes que tirou maior proveito da experiência do jesuíta Bergoglio foi o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, o único que pode fazer sombra a Cristina Kirchner nas pesquisas eleitorais.

"Tem uma personalidade deslumbrante", disse o governador peronista. "Eu recebi duras críticas por continuar encontrando-o (durante seu enfrentamento com o governo). Mas ele me transmitiu sempre a fórmula das três P: paciência, perseverança e prudência". Um bom conselho para um político que deseja ser presidente.

EFE   
Compartilhar
Publicidade
Publicidade