Quando assumiu o trono de São Pedro, muitos acreditavam que Bento XVI fosse exercer um papado que refletisse sua fama de conservador e ferrenho defensor da doutrina tradicional católica. Mas ele acabou surpreendendo, na forma como tentou se aproximar de líderes de outras religiões e ao lidar com os escândalos de abusos sexuais cometidos por padres, na opinião do pesquisador e documentarista especializado em religião Mark Dowd.
Abaixo, Dowd analisa o estilo de liderança de Bento XVI como bem diferente de seu antecessor, o carismático João Paulo II, e indica o proveito que seu sucessor pode tirar de seu legado:
Em 2005, quando o papa Bento XVI sucedeu João Paulo II, havia duas visões distintas sobre o início de seu Papado. Uma era de que tratava-se do passo final para uma figura eclesiástica ambiciosa que tinha cobiçado a cadeira de São Pedro por muitos anos. A outra era de que o pontificado à sua frente seria seu julgamento pessoal - seu próprio Calvário.
Entre os papáveis europeus, o cardeal italiano Angelo Scola, 71 anos, é visto como o preferido do papa Bento XVI. O sinal teria sido dado em 2011, quando Joseph Ratzinger promoveu Scola para o comando da diocese de Milão, uma das mais influentes da igreja católica o cargo já alçou a papa dois arcebispos no século XX, Paulo VI e Pio XI.
Foto: Reuters
Odilo Pedro Scherer, 63 anos, indicou que, para a imprensa estrangeira, ele está entre os mais cotados para suceder o papa Bento XVI. Dom Odilo nasceu em uma família de 13 filhos, de pais descendentes de alemães radicados no interior do Rio Grande do Sul.
Foto: AFP
O cardeal nigeriano Francis Arinze, 80 anos, é prefeito regional emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Também visto como um conservador em assuntos como a homossexualidade, Arinze já entrou nas apostas dos "papáveis" no Conclave de 2005, quando Bento XVI foi escolhido como papa. O clérigo nigeriano, que se converteu ao catolicismo aos nove anos, se formou doutor em Teologia em Roma, foi ordenado sacerdote em 1958 e bispo em 1965, sendo que, em 1985, João Paulo II lhe designou como cardeal.
Foto: AFP
Jorge Bergoglio, cardeal da Argentina, tem 77 anos. Sua idade, um pouco mais velho que seus adversários, pesa contra no momento em que a Igreja busca por um papa mais jovem. Bergoglio tem origem jesuíta e ficou conhecido por haver sido responsável na América Latina pela redação do documento sobre o segredo de Aparecida.
Foto: AFP
O cardeal Tarcisio Pietro Bertone, secretário de Estado do Vaticano, é o atual camerlengo, como se denomina o administrador de bens e direitos temporários da Santa Sé até a escolha do sucessor de Bento XVI. Bertone nasceu na cidade turinesa de Romano Canavese, em 2 de dezembro de 1934. Membro da Sociedade de São Francisco de Sales São João Bosco (salesianos), estudou no Oratório di Valdocco e no noviciado salesiano de Monte Oliveto, em Pinerolo (Itália).
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João Braz de Aviz, atual prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, mora em Roma, e será um dos cinco cardeais brasileiros que vão participar do Conclave que elegerá o sucessor do papa Bento XVI.
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O cardeal Timothy Dolan, 63 anos, arcebispo de Nova York, está na lista dos mais cotados. Entre os 117 cardeais que votam no Conclave, Dolan se destaca pelo bom humor: está sempre sorrindo e não perde a oportunidade de fazer piadas. Caso seja eleito, sua personalidade pode ajudar a Igreja Católica a reconstruir uma imagem danificada por escândalos sexuais e divisões internas.
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Aos 61 anos, o arcebispo de Budapeste, Peter Ergö, 60 anos, é um dos mais jovens cardeais do Vaticano, mas isso não o impede de defender um catolicismo mais conservador. Como presidente da Conferência Episcopal da Europa, Erdö prega que, apesar das pressões, a Igreja revitalize e dissemine os seus dogmas tradicionais.
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O cardeal dom Cláudio Hummes, de 78 anos, é um dos brasileiros com maior trânsito na burocracia vaticana. Ex-arcebispo de São Paulo, foi prefeito para a Congregação para o Clero (espécie de ministro papal) até 2011. Desde então, é membro da Pontifícia Comissão para a América Latina.
Foto: AFP
John Onaiyekan, cardeal da Nigéria, foi ordenado em 3 de agosto de 1969. Professor de Sagrada Escritura e francês no Colégio São Kizito, Isanlu em 1969, reitor do Seminário Menor São Clemente de Lokoja, em 1971, e estudou em Roma a partir desse ano.
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O cardeal canadense Marc Ouellet já chegou a afirmar que virar Papa "seria um pesadelo", mas este defensor ferrenho da ortodoxia, que viveu muitos anos na Colômbia e comanda a Pontifícia Comissão para a América Latina, é considerado um dos favoritos para suceder Bento XVI. Ouellet, um teólogo de prestígio, de 68 anos, provocou fortes polêmicas em Quebec, a província francófona do Canadá, ao defender nos anos 2000 as posições do Vaticano contra o casamento gay e contra o aborto, inclusive nos casos de estupro, e criticar a "decadência" de uma sociedade na qual duas em cada três crianças nascem fora do matrimônio.
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Oscar Andres Rodriguez, cardeal-arcebispo de Tegucigalpa desde 8 de janeiro de 1993, recebeu a ordenação presbiteral no dia 28 de junho de 1970, pelas mãos de Dom Girolamo Prigione. Foi ordenado bispo no dia 8 de dezembro de 1978 e se tornou cardeal no consistório de 21 de fevereiro de 2001, presidido por João Paulo II, recebendo o título de Cardeal-presbítero de Santa Maria da Esperança. Apoiou o Golpe de Estado em Honduras em 28 de junho de 2009. Desde 2007 é Presidente da Cáritas Internacional, sendo reeleito em maio de 2011 para o período que se concluirá em 2015.
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O cardeal-arcebispo austríaco Christoph Schönborn, ao contrário, tem uma idade considerada ideal: 67 anos, que lhe conferem ao mesmo tempo experiência e longos anos de pontificado pela frente. A dedicação profunda aos estudos também o aproxima do atual papa, chamado de "pai intelectual" do austríaco.
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O cardeal filipino Luis Antonio Tagle, de 55 anos, o mais jovem dos cardeais cotados para suceder Bento XVI, é considerado um progressista por sua pregação por uma Igreja humilde, em um país de grande fervor religioso e de muita pobreza. Especialista do Concílio Vaticano II e teólogo brilhante formado nas Filipinas e nos Estados Unidos, Luis Antonio "Chito" Tagle tem trinta anos a menos que Bento XVI, o Papa que renunciou aos 85 anos por falta de forças.
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Peter Kodwao Appiah Turkson, cardeal de Gana, talvez o mais preparado dos papáveis africanos, foi designado arcebispo de Cape Coast em 1992 pelo papa João Paulo II, quem lhe ordenou cardeal em 2003. Turkson é um especialista na Bíblia, já que estudou as Sagradas Escrituras no Instituto Pontifício Bíblico de Roma, onde se formou em 1980 e se tornou doutor nessa mesma matéria em 1992.
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O cardeal americano Sean O'Malley, com muita fama na internet, cumpriu uma importante tarefa há dez anos ao limpar a diocese de Boston, atingida por um escândalo de padres pedófilos. Conhecido por sua simplicidade, de acordo com a pregada por sua ordem - do padre Pierre da França -, este erudito de 68 anos e língua hispânica, de óculos e barba branca, retomou em 2003 a diocese onde eclodiu o primeiro escândalo com impacto internacional sobre abusos sexuais na Igreja Católica.
Foto: AFP
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Ratzinger era, antes de tudo, um teólogo acadêmico - tímido e introvertido, e mais à vontade em seminários de universidade do que no comando de uma instituição que dita grande parte das crenças e práticas dos mais de um bilhão de católicos romanos ao redor do mundo.
Sempre me mantive com a segunda interpretação e as notícias de sua renúncia me levam de volta a 2010, quando tive um encontro inesquecível com o irmão do Papa, o monsenhor Georg Ratzinger, e uma amiga íntima da família, Margarete Ricardi.
Eu preparava um documentário para a BBC, para ser transmitido na véspera da visita do Papa à Grã-Bretanha, e tinha viajado para a cidade alemã de Regensburg para isso. Margarete falou da solidão do papa em Roma, de como ele sentia a necessidade de ligar com frequência para casa e ser visitado regularmente por seus amigos alemães. Havia uma mensagem implícita de que ele se sentia próximo e confiava em apenas um grupo muito seleto de pessoas que estavam ao seu redor - uma espécie de Rei Lear católico.
E o que será o seu legado?
Ele será lembrado, eu suspeito, como um homem que acabou não cumprindo as expectativas de que representaria um atraso para a Igreja. No fim das contas ele não se mostrou o reacionário que muitos temiam.
Em contraste com João Paulo II, ele se encontrou várias vezes com vítimas de abuso sexual e tomou providências contra aqueles que a máquina burocrática da Igreja havia protegido por décadas.
Mas faltou-lhe a energia e o foco para grandes reformas de muitos ministérios do Vaticano que teriam tornado as ações de bispos e padres mais transparentes e possíveis de punição - uma tarefa enorme para qualquer pessoa, muito mais para um idoso acadêmico.
Apesar de tudo isso, não se deve esquecer que, sob sua vigilância, ocorreu uma série de modernizações, especialmente no seu trato com a mídia. Foi durante seu papado que a Santa Sé passou a se comunicar com o mundo através da internet e do Twitter. Ele também escreveu três encíclicas sobre a fé, a esperança e o amor.
Membros de outras religiões talvez sempre pensem nele em termos contraditórios - enormemente gentil e encantador na sua forma pessoal de tratar líderes muçulmanos e judaicos e mesmo assim capaz de cometer gafes sem tamanho, como o agora infame discurso de Regensburg, de 2006, em que foi acusado de ofender o profeta Maomé.
Apesar dos seus objetivos de promover a harmonia entre as diferentes religiões, Bento 16, manteve-se firme em sua crença de que a Igreja Católica Romana foi fundada por Jesus Cristo e que apesar de todas as suas imperfeições humanas, ela tinha autoridade para definir a doutrina e fazer comunicados decisivos sobre a verdade e a falsidade.
Ele estava a par da existência de um tipo de relativismo, que diz que tudo é apenas uma questão de opinião e preferência e que a verdade não existe.
Suas posições sobre o casamento gay pareciam muito duras e desconexas com a mudança dos tempos.
Seus críticos apontariam para a redução do número de novos padres na Europa e nas Américas, mas seus defensores chamariam a atenção para os seminários em franca expansão na África e o avanço do catolicismo na China e no Oriente Distante.
O anúncio do papa Bento XVI que irá renunciar pegou o mundo de surpresa, e o assunto dominou a capa dos principais jornais do planeta. Confira a seguir a capa de alguns deles:
Foto: Reprodução
New York Times - Estados Unidos
Foto: Reprodução
The Washington Post - Estados Unidos
Foto: Reprodução
El País - Espanha
Foto: Reprodução
La Vanguardia - Espanha
Foto: Reprodução
The Guardian - Inglaterra
Foto: Reprodução
The Daily Telegraph - Inglaterra
Foto: Reprodução
Clarín - Argentina
Foto: Reprodução
O popular jornal alemão trouxe a capa inteira dedicada à renúncia de Bento XVI, que nasceu no país
Foto: Newseum / Reprodução
O Globo, do Rio de Janeiro, destacou a renúncia do Papa em meio a notícias sobre o Carnaval carioca
Foto: Newseum / Reprodução
A renúncia do Papa ganhou roubou o espaço do noticiário financeiro na capa do The Wall Street Journal
Foto: Newseum / Reprodução
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E agora?
Como cardeal Ratzinger, Bento XVI foi o número 2 de João Paulo II por muitos anos, mas sua renúncia traz essa incrível dupla ao seu fim.
A Igreja dará entrada em uma nova era, e já há especulações sobre seus sucessores, mas quando a disputa começar, o consistório de cardeais procurará por um homem que seja capaz de comunicar os dogmas centrais do catolicismo via todas as formas tecnológicas possíveis, e um papa que tenha a capacidade de inspirar respeito em diversas partes do mundo.