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Europa

Paris x Mariana: como foi o "Fla x Flu" das redes sociais

17 nov 2015 - 16h18
(atualizado às 16h57)
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Facebook disponibilizou ferramente para acrescentar cores da bandeira da França ao perfil, mas não em outras tragédias como Beirute e Minas
Facebook disponibilizou ferramente para acrescentar cores da bandeira da França ao perfil, mas não em outras tragédias como Beirute e Minas
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Desde os ataques que deixaram 129 mortos em Paris na última sexta-feira, um novo "Fla-Flu" tomou conta das redes sociais brasileiras: Paris x Mariana. Diversos usuários reclamaram da exposição ostensiva dos atentados, dizendo que a mesma atenção não estava sendo dada ao rompimento da barragem da Samarco – empresa controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP.

O mar de lama deixou 11 pessoas mortas e 15 desaparecidas e está sendo considerada a maior tragédia deste tipo do país.

A reação ao destaque que os ataques na França ganharam foi semelhante em outras partes do mundo. Em sua maioria, usuários reclamaram que outros atentados não ganharam a mesma importância que os de Paris – por causa deste protesto, uma reportagem sobre um ataque no Quênia foi a mais lida de domingo no site da BBC em inglês.

A hashtag "Pray for Paris" ("Reze por Paris") foi usada mais de 10 milhões de vezes no Twitter. Já "Pray for the World" ("Reze pelo Mundo") foi usada mais de 400 mil vezes desde sexta para se referir a outras tragédias, com alguns tentando expandir o debate e lembrar também de episódios de violência em locais como México e Bagdá.

A hashtag "Pray for Lebanon" ("Reze pelo Líbano") foi usada mais de 800 mil vezes no Twitter. A grande maioria desses tuítes não foram escritos após as bombas que deixaram 41 mortos em Beirute na quinta-feira, mas depois dos ataques de Paris.

O "reze por" também foi usado para fatos sem relação com o extremismo. Mais de 1,6 milhão tuitaram "Reze pelo Japão" por causa do tsunami que atingiu o país – ao contrário do de 2011, ninguém morreu ou ficou ferido desta vez.

E, no Brasil, "Pray for Mariana" também foi uma das mais compartilhadas no Twitter.

Em post, usuária reclama que ataque no Quênia "não recebeu nenhuma atenção da mídia".
Em post, usuária reclama que ataque no Quênia "não recebeu nenhuma atenção da mídia".
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

'Expressão de dor'

A discussão também ocorreu no Facebook. Na página da BBC Brasil, as duas reportagens mais curtidas do fim de semana eram sobre Mariana – uma convocação para fazer uma "Arca de Noé" e salvar os peixes teve 25 mil curtidas, e uma sobre um protesto de índios prejudicados teve mais de 17 mil curtidas. Em quase todos os posts sobre os ataques de Paris, usuários comentaram sobre a tragédia em Mariana.

Para Fabio Goveia, professor de comunicação da UFES, o movimento nas redes foi uma forma de as pessoas se manifestarem por algo que as afeta mais diretamente. "Não é uma ação contra quem está em Paris, mas a expressão da dor do que está mais próximo de mim", diz.

Já a especialista em mídias digitais da USP Beth Saad diz que há uma falta de compreensão da diferença entre os dois eventos. "As duas histórias precisam ser contadas, mas não são comparáveis", diz ela.

Os dois especialistas lembram que a impressão de polarização também vem da forma como o Facebook funciona, já que o site exibe o conteúdo ao qual a pessoa está mais relacionada. Isso não significa, porém, que a maioria das pessoas esteja falando daquele assunto.

Além disso, para Beth, há o fator reação em cadeia. "Se alguém reclama as outras pessoas vão reclamar, mesmo se não acham aquilo ou se acham um pouco menos. Toda reação em rede sempre tem uma ‘maria vai com a outras’, não importa se é no Facebook, numa passeata ou numa sala de aula", afirma, acrescentando que brasileiros gostam de uma polarização.

A polêmica também chegou às fotos de perfil do Facebook. Após muitas pessoas aplicarem um filtro com a bandeira da França, foram criados aplicativos que permitem que usuários coloquem a bandeira de Minas Gerais em sua foto de perfil.

Este movimento também aconteceu pelo mundo. Um comentarista nigeriano denunciou inúmeros massacres cometidos no país pelo grupo extremista Boko Haram e usou um filtro com a bandeira da Nigéria em sua foto de perfil. Outros estão usando bandeira do Líbano ou de outros países.

O Facebook foi acusado de agir com dois pesos e duas medidas quando disponibilizou o filtro com a bandeira francesa. A rede também ofereceu o recurso de colorir a foto com as cores do arco-íris quando a Suprema Corte dos EUA permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os usuários também podiam usar as cores da bandeira da Índia quando o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, visitou o Vale do Silício.

A BBC procurou o Facebook, mas eles não quiseram comentar as críticas de usuários sobre a impossibilidade de usar a bandeira de outros países em eventos semelhantes.

Mídia

No site em inglês da BBC, uma reportagem de sete meses atrás sobre o ataque à universidade queniana de Garissa pelo grupo militante al-Shabhab foi lida mais de 7 milhões de vezes. "Ataque à universidade no Quênia mata 147" foi publicada em abril, mas foi a mais lida do site neste domingo.

Cerca de três quartos dos cliques na matéria vieram das redes sociais, e não da homepage da BBC. Quando reportagens antigas ficam entre as mais lidas, elas aparecem com a data, para ficar claro que não são atuais.

Nas redes sociais, muita gente que clicou no link compartilhado por amigos não percebeu que a reportagem era de abril e se confundiu, achando que o Quênia estava sob ataque naquele momento. Mas outros compartilharam sabendo que era uma reportagem antiga, com o objetivo de criticar a mídia ocidental por supostamente não ter feito uma cobertura dos ataques ao Quênia com a mesma importância da feita em Paris.

Outros comentavam sobre a ironia de usar uma matéria da própria BBC para provar isso.

E quem se interessou pelo Quênia após os ataques de Paris? A atenção não veio prioritariamente do país africano. Cerca de metade dos cliques na matéria veio da América do Norte e um quarto, do Reino Unido.

No total, a matéria teve mais de 100 milhões de visualizações em dois dias – ou quatro vezes mais do que quando o ataque aconteceu.

Alguns textos em resposta a essa crítica também se tornaram virais. Em sua maioria, eles argumentam que ataques que ocorrem fora da Europa são noticiados sim – as próprias reportagens compartilhadas vieram da chamada grande mídia – e que as pessoas simplesmente não leem (por isso a cobertura não é tão intensa).

"Sim, assuntos internacionais não são tão cobertos como fatos que acontecem perto de casa. (...) Mas isso não é porque uma pessoa inocente morta em Beirute ou no Irã é menos importante que um europeu branco morto. É porque menos gente lê sobre isso", escreveu em um post que se popularizou a jornalista Emma Kelly, do britânico Daily Star.

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