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Europa

Manifestantes turcos usam humor em protestos contra o governo

Jornalista turca relata ambiente de insatisfação popular e destaca "explosão de criatividade" dos protestos contra o governo de Erdogan

7 jun 2013 - 18h27
(atualizado às 18h27)
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A jornalista turca Ece Vitrinel conta que, apesar do ambiente hostil, o bom humor é uma das armas dos manifestantes
A jornalista turca Ece Vitrinel conta que, apesar do ambiente hostil, o bom humor é uma das armas dos manifestantes
Foto: Arquivo pessoal/Facebook / Reprodução

O senso de humor é uma das principais armas dos turcos insatisfeitos com o governo conservador do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan que protestam há mais de uma semana em Istambul e em outras cidades da Turquia. A manifestação popular, já chamada de “Primavera Turca” pro alguns meios, começou após a polícia reagir com violência contra os protestos que tentavam evitar a derrubada de um parque para a construção de um shopping.

Cartaz mostra o primeiro-ministro Erdogan como Hitler
Cartaz mostra o primeiro-ministro Erdogan como Hitler
Foto: AP

A jornalista turca Ece Vitrinel conta em entrevista ao Terra desde Istambul que, apesar do ambiente hostil, o bom humor é uma das armas dos manifestantes. Após a emissora CNN Turquia deixar de transmitir os protestos para passar um documentário sobre pinguins, por exemplo, os manifestantes lançaram a campanha “Occupy Antártica”. “Isso se tornou o lema dos protestos contra os canais de TV e jornais”, conta Ece.

O silêncio inicial da CNN turca sobre as manifestações gerou, inclusive, uma petição online que pede que a rede americana proíba a emissora local de usar o seu nome. “A CNN Turquia não pode continuar a operar com CNN. O nome de uma instituição venerável não deve ser utilizado dessa maneira”, diz o documento disponível para assinaturas online.

Após Erdogan chamar os manifestantes de "capulcu" (saqueadores), integrantes dos protestos transformaram a palavra em um verbo
Após Erdogan chamar os manifestantes de "capulcu" (saqueadores), integrantes dos protestos transformaram a palavra em um verbo
Foto: AP

Os protestos na Turquia reúnem gente de todas as classes, idades, sexo ou ideologia, segundo Ece Vitrinel. “No dia 1º de junho, às 2h30 da manhã, eu quase não podia acreditar nos meus olhos quando vi pessoas saindo do bairro burguês de Istambul e atravessando a ponte para se juntar à multidão na Praça Taksim”, afirma. Pesquisadora da Universidade Galatasaray, ela diz que não tem “mais deveres do que qualquer outro que está envolvido” nos protestos. “Estou apenas tentando contribuir para divulgar o movimento e para acompanhar as investigações”, diz.

Confira os principais trechos da entrevista:

Terra – O que você está vendo nas ruas de Istambul nos últimos dias?

Ece Vitrinel – O que eu estou vendo nas ruas é um encontro incrivelmente grande de cidadãos, independente da idade, sexo ou ideologia, se comportando de forma pacífica, apesar da revolta contra a violência praticada pela política e das declarações provocativas do primeiro-ministro.

Terra – O que está acontecendo na Turquia que não está sendo mostrado pela mídia internacional?

Ece Vitrinel – Temos que admitir que o movimento acontece em uma velocidade tão alta que a mídia tradicional não tem chance de cobrir todos os aspectos na corrida contra as mídias sociais. No dia 1º de junho, às 2h30 da manhã, eu quase não podia acreditar nos meus olhos quando vi pessoas saindo do bairro burguês de Istambul e atravessar a ponte para se juntar à multidão na Praça Taksim. Durante os protestos, 90 milhões de tweets são escritos, o que representa duas vezes o tráfego normal. Mas, no final, a mídia internacional foi mais ética que a mídia nacional. Só acho que às vezes as manifestações são divulgadas como protestos de modernos contra muçulmanos conservadores, mas não é bem assim. Por exemplo, um grupo chamado “muçulmanos anticapitalistas” faz parte do movimento.

Para mim, há um último ponto que a mídia internacional ainda não divulgou: é o senso de humor, a explosão de criatividade que vemos nos slogans, nas pichações, nos videoclipes, nas músicas e nas manifestações performáticas – por causa das quais alguns humoristas turcos importantes dizem que estão desempregados a partir de agora...

Mesquita de Istambul abriu suas portas para receber os feridos nos confrontos com a polícia
Mesquita de Istambul abriu suas portas para receber os feridos nos confrontos com a polícia
Foto: Naz1m Serhat F1rat / Divulgação
Terra – Como você vê a escalada dos protestos?

Ece Vitrinel – Todos sabem que tudo começou com uma tentativa de demolir as árvores do Parque Gezi para construir um shopping (que será uma reencarnação de um antigo quartel militar que existiu no local no passado), isso em uma das últimas áreas verdes no coração de Istambul, a Praça Taksim. No entanto, também devemos observar que os protestos se estenderam porque se esgotou a última gota de paciência das pessoas de Istambul com o governo por causa das medidas de reconstrução da cidade sem consultar os cidadãos. Um grupo de jovens começou a manter guarda no parque em 27 de maio, e em 31 de maio, às 5h da manhã, a polícia promoveu um súbito ataque com gás lacrimogêneo e também destruiu as tendas dos manifestantes. O comportamento violento (da polícia) foi a razão pela qual o movimento tomou todo o país em um curto espaço de tempo. À medida que o uso excessivo de gás lacrimogêneo e violência policial continuaram causando muitos ferimentos (até duas mortes) e, como o primeiro-ministro insistiu em não atender as demandas dos manifestantes que ele mesmo chama de "saqueadores", os protestos se transformaram em um movimento contra essa forma autoritária de governar o país.

Terra – Visto de fora, Erdogan é considerado um bom político, especialmente para o crescimento econômico e maior papel internacional da Turquia na última década. Qual é o sentimento das ruas a respeito de seu governo?

Ece Vitrinel – Na verdade, neste momento, as pessoas que estão na rua não se preocupam com a economia ou com os sucessos políticos do governo (que também são controversos). Nas ruas, as pessoas criticam os excessos de poder de um líder cujas palavras se tornam lei, sem dúvida.

Terra - Qual a sua opinião sobre as políticas Erdogan?

Ece Vitrinel – Mesmo que minha opinião pessoal não seja muito importante, acho que suas ações conservadoras estão se tornando cada vez mais antidemocráticas.

Dezenas de feridos são atendidos na mesquista perto de Dolmabahce por médicos voluntários ou estudantes de medicina
Dezenas de feridos são atendidos na mesquista perto de Dolmabahce por médicos voluntários ou estudantes de medicina
Foto: Naz1m Serhat F1rat / Divulgação
Terra – Você está participando dos protestos? Qual é o seu envolvimento pessoal?

Ece Vitrinel – Por causa de um problema de alergia, tentei ficar em casa nos primeiros dias dos protestos para evitar contato com o gás lacrimogêneo. Desde última segunda-feira, me juntei ao grupo que carrega sempre equipamentos de proteção contra o gás, como máscaras, já que um ataque pode ocorrer a qualquer momento. Não estou falando de marginais, como o primeiro-ministro gosta de dizer, mas de estudantes, trabalhadores e artistas que possivelmente podem se ver em uma batalha campal depois de um dia normal de trabalho ou estudo. Agora, com a greve geral, estou tentando passar mais tempo no parque como muitas pessoas. Lá, ainda é possível sentir o cheiro do gás lacrimogêneo, que vem de Besiktas, um bairro próximo onde a violência ainda não parou. Por outro lado, tento participar dos protestos contra a grande mídia que não estava cobrindo os fatos. Também vou seguir ativamente as investigações que já estão sendo realizadas contra os responsáveis pela violência policial nos protestos.

Terra - No começo, muita gente reclamou nas redes sociais que as emissoras de TV não estavam mostrando os protestos. Essa situação mudou?

Ece Vitrinel – Sim, nos primeiros dias dos protestos todos os canais de televisão (incluindo os de notícias) continuaram mostrando a programação normal. Enquanto uma forte resistência estava acontecendo na Praça Taksim contra a chuva de latas de gás lacrimogêneo, a CNN Turquia mostrava um documentário sobre pinguins! Assim, as relações sujas entre os meios de comunicação e o governo tornaram-se outra evidência da autoridade do primeiro-ministro. “Occupy Antártica”, em referência aos pinguins da CNN, se tornou o lema dos protestos contra os canais de TV e jornais. Assim, eles tiveram que recuar. Ironicamente, isso aconteceu após Erdogan deixar o país para visitar o Marrocos. Agora eles estão cobrindo os protestos, mas ainda são muito incompetentes para denunciar o que está acontecendo nas demais cidades, com exceção de Istambul.

Fonte: Terra
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