Com yoga e biblioteca, espanhóis tomam praça e viram exemplo
- Érica Chaves
- Direto de Madri
No dia 15 de maio, um pequeno protesto no centro de Madri acabou em violência policial. Era uma manifestação por mais emprego e melhores condições que antecedia as eleições, realizadas uma semana depois. Revoltados com a agressividade dos policiais, os manifestantes voltaram à praça do Sol no dia seguinte e, pelas redes sociais, chamaram outros usuários para dar início àquilo que se transformaria em um acampamento. A ocupação já dura cerca de duas semanas e surpreende pela organização, que vai da distribuição de comida e mantas a aulas de yoga e acesso a uma biblioteca.
Políticos da cidade chegaram a decidir, em uma reunião antes das eleições regionais, que os manifestantes deveriam deixar a praça à meia-noite do dia 20 de maio. Foi nesse dia que eles reuniram o maior número de pessoas desde o início da mobilização: 35 mil. Ninguém saiu das ruas naquela madrugada e muitos seguem na praça do Sol até hoje.
Ana - uma das estudantes acampadas na praça desde o primeiro dia e que pede para não ter o nome completo divulgado - explica que muitos ali têm emprego e, como ela, dormem no acampamento e acordam às 8h da manhã para trabalhar ou estudar. "Estamos aqui lutando por você, por mim, e até mesmo pelo policial que deseja tirar a gente daqui. Nós deixamos nossas vidas de lado para estar aqui a maior parte do tempo possível e lutar por algo melhor", afirma.
De maneira inesperada para muitos, o acampamento foi crescendo e se organizando a cada dia. Todas as tarefas são divididas desde o início. Do preparo e distribuição de comida e mantas à limpeza e o recebimento de propostas para o movimento. Há também biblioteca, ludoteca e aulas de yoga. "No começo, cada tarefa era responsabilidade de uma pessoa com uma cartolina. Depois, foi crescendo e as pessoas foram trazendo mantas, comida, barracas, panelas, computadores e agora somos tudo isso", diz Ana. Sobre as atividades de recreação, ela explica: "viver em uma barraca na praça provoca um grande desgaste mental e físico, sem as atividades de lazer muitos não aguentariam estar tanto tempo aqui".
Propostas
O que era um movimento apolítico contra a crise econômica - no que se refere à ausência de suporte dos partidos - foi crescendo, aceitando novas propostas de cunho político e social. Surgiram com isso novas tarefas, como a criação de uma agenda de assembleias e a organização de uma equipe para alimentar as redes sociais.
As propostas, que antes pediam mais emprego e melhores condições de vida foram ganhando corpo e subdivisões. Hoje, já existem comissões que discutem cada tema para que se chegue a um consenso. As assembleias se dividem em: saúde, meio ambiente, economia (sistema financeiro, relações econômicas globais e empresas), política a curto e longo prazo e educação (financiamento, cultura, escolas livres e educação formal). Cada uma delas acontece em uma praça diferente, próximas à do Sol, já que seria impossível reunir tantos grupos num mesmo local para discussão. As atas com o resultado de cada discussão vão para a página oficial do movimento.
Não há, no entanto, nenhuma conclusão. "Muitas das assembleias não decidem nada. Discutimos temas para logo serem estudados durante o dia e levados a uma nova assembleia até que se chegue a um consenso em Madri e na Espanha", explica Fernando Gimenéz, outro dos responsáveis pela comunicação do 15-M.
15-M se espalha pela Espanha
Na mesma semana em que os acampados se instalaram em Madri, outras manifestações surgiram em Barcelona, Valencia, Sevilha, Salamanca e em mais de 30 cidades em toda a Espanha. Nas principais praças de cada região havia um novo acampamento que crescia a cada dia e onde todos seguem na mesma linha da capital espanhola: com assembleias diárias e novas propostas em diversos campos.
Há cerca de uma semana, a polícia, afirmando que precisava limpar a praça, tentou retirar os manifestantes da praça Catalunya em Barcelona usando a violência. Cerca de 400 policiais feriram mais de 40 manifestantes. Boa parte do material do acampamento, incluindo computadores, geladeiras e barracas, foram retirados, segundo a polícia, por temor às reações da população após o jogo de futebol do time do Barcelona, que foi campeão da Liga dos Campeões da Europa. Em Lleida, com o mesmo argumento, muitos manifestantes foram retirados do acampamento à força e outros foram presos.
Europa em movimento
O movimento, através das redes sociais, ultrapassou as fronteiras espanholas e enveredou por diferentes cidades. Ainda que seja difícil quantificar em qual país a revolução tem maior êxito, há alguns exemplos claros de engajamento da população no que chamam de "uma luta por um mundo melhor".
Jean François Barrioulet é francês, tem 40 anos, uma casa, uma carro, dois filhos e um trabalho como autônomo do qual não se queixa. Ele saiu de Paris para visitar o acampamento da praça de Sol em Madri e seguiu para Barcelona, outro ponto de concentração dos acampados. "Eu saí da França e vim porque nós queremos aprender com o que está sendo feito aqui e lutar na França também. Eu estou muito bem e tenho uma vida privilegiada, mas estou lutando pelos meus filhos", explica Jean.
Em Paris, o movimento reuniu alguns manifestantes no dia 22 de maio, mas, a maioria era formada por espanhóis que apoiavam aqueles que estavam em Sol. "A França tem um histórico de manifestações, de sair às ruas para protestar, mas não queremos que desta vez todos protestem sob o comando de um sindicato de trabalhadores. O movimento tem que ser maior que isso e lutar por outras coisas além de emprego", diz Barrioulet.
Na Grécia, o país da União Europeia mais afetado pela crise econômica, a Revolução Espanhola, como tem sido chamada na Europa, se espalhou rapidamente. A grega Afrodite Georgantidou trabalha como professora de francês em escolas públicas e, apesar de ter emprego, diz não não estar feliz. Em seu país, a luta é principalmente pela desvinculação do FMI e pelo não aumento de impostos, declarado necessário para que a Grécia saia da crise.
"Estamos cansados de impunidade, corrupção e desemprego. Cansados do presidente do partido Internacional Socialista que está no poder desde 2006 e só fez com que o país decaísse. Toda a Europa deve muito à Grécia e à nossa cultura", cobra o engenheiro civil Kostis Vergopoulos, 39 anos.
Há manifestações desde segunda-feira nas cidades de Tessalônica, Patras e Atenas - onde se reuniram mais 10 mil pessoas em frente ao Congresso. Lá, eles não estão acampados, mas prometem uma grande passeata.
Na Itália, a história é diferente. A principal luta é contra a corrupção política. Mas o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, alvo dos protestos, é também dono de grande parte dos meios de comunicação. "Aqui na Itália não podemos acampar como na Espanha porque corremos o risco de sermos perseguidos. A polícia está preparada para identificar as pessoas. Não há uma verdadeira democracia e estamos cansados", afirma Fabio Soa, 25 anos, estudante de Milão.
No dia 20, um protesto reuniu em torno de mil pessoas em Milão e em várias cidades têm ocorrido assembleias nas praças, mas o grande protesto, organizado principalmente pelo Facebook, foi marcado para este domingo em Roma. Ainda assim, Soa se mostra descrente: "Não sei se algo mudará porque os italianos não são confiáveis. O Vaticano e os políticos têm muito poder aqui".
Na Alemanha, os protestos ficam por conta dos espanhóis que saíram de seu país em busca de melhores condições de vida. Este é o caso de David Dela Fuente Caínzos e Irene Santana. Os dois saíram da Espanha por terem perdido o emprego. Ele estava há oito meses desempregado e resolveu fazer as malas e sair do país; ela trabalhava há cinco anos na mesma empresa e, depois de ser demitida, foi para a Alemanha para aprender a língua e garantir um melhor emprego no futuro. Eles reuniram 250 pessoas em Munique no último sábado, e planejam assembleias semanais para discutir e apoiar a Espanha, mas nada de acampamentos.