Com Putin, Rússia vive e defende legado da era soviética
Vinte anos após o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a Rússia defende com unhas e dentes o legado soviético com o objetivo de manter a todo custo sua imagem de potência mundial diante do impulso do Ocidente e da China. "O que é a União Soviética? É a Rússia, com a diferença de que antes se chamava de outra maneira", afirmou Vladimir Putin, o líder que tenta devolver aos russos o orgulho perdido após o traumático fim do Estado totalitário comunista.
A Federação da Rússia - como é conhecido agora o antigo império czarista e soviético - não teve uma vida fácil durante estes 20 anos, nos quais precisou se livrar de guerras (Chechênia, 1994-96) e de uma crise econômica (1998) para evitar sua própria desintegração. O primeiro presidente da história da Rússia eleito democraticamente, Boris Yeltsin, conseguiu salvar o país, embora à custa do empobrecimento da população, do advento de uma nova aristocracia de milionários e da rendição estratégica diante do Ocidente.
Para isso, não titubeou em bombardear o Parlamento, que queria limitar seus poderes, e em ordenar a invasão da separatista Chechênia, utilizando uma violência que se propagou por toda a região do Cáucaso e que marcou a sangue e fogo a política russa durante os últimos 20 anos. No final dos anos 1990, a Rússia era um país em plena crise de identidade, já que carecia de meios econômicos para superar seu atraso e de peso político para manter sua influência no mundo.
Assim, Yeltsin cedeu o poder a um desconhecido funcionário público procedente dos serviços secretos, Vladimir Putin, no que muitos interpretaram como um retorno da temida KGB e dos órfãos do antigo regime comunista ao Kremlin. Putin, que prometeu mão firme desde o primeiro dia, reverteu muitas das medidas adotadas durante a década anterior e conseguiu pôr ordem no país, ignorando as crescentes críticas do Ocidente às suas tendências autoritárias.
Os analistas apontam que os preços do petróleo, que atingiram picos históricos durante quase toda a década anterior, facilitaram o trabalho de Putin, que conseguiu fazer o que o seu antecessor não pôde: pagar em dia salários e aposentadorias. No entanto, a recente crise financeira demonstrou que nem tudo o que reluzia era ouro e, como reconheceu seu sucessor no Kremlin, Dmitri Medvedev, a economia russa é "primitiva" e sofre uma "humilhante" dependência do petróleo e do gás, assim como a URSS.
No plano político, Putin aproveitou a desculpa terrorista para implantar uma verticalização do poder na qual todas as decisões dependem de Moscou, a despeito do federalismo. O retrocesso nas liberdades democráticas foi denunciado pelo último dirigente soviético, Mikhail Gorbachev, que acusou o presidente de se transformar em "um novo czar", comparando o partido do Kremlin com o Partido Comunista da União Soviética (PCUS) por seu monopólio do poder.
No plano internacional, a Rússia conseguiu recuperar posições, graças a uma política receosa do Ocidente na qual Moscou tentou se fazer respeitar em seu quintal e recuperou os laços com os velhos parceiros da URSS, incluindo a América Latina. A Rússia estabeleceu relações puramente pragmáticas com quase todos os regimes hostilizados pelos Estados Unidos, do Irã à Síria e Mianmar, e se opôs, embora sem muita sorte, à ingerência ocidental nos assuntos de outros países, como Iraque e Líbia.
Nesse afã de enfrentar o avanço ocidental rumo às suas fronteiras e, em particular, à expansão da Otan, a Rússia chegou a lançar uma intervenção militar na Geórgia pelo controle da separatista Ossétia do Sul (8 a 12 agosto de 2008). Além disso, lançou diferentes processos de integração com repúblicas como o Cazaquistão e Belarus, com os quais tenta recriar no plano econômico e de segurança o antigo sistema soviético.
Putin, um reconhecido nostálgico da URSS, afirma que sua iniciativa de criar uma União Eurasiática não é uma reencarnação do colosso soviético, mas o Ocidente segue sem confiar no primeiro- ministro russo, que pode se perpetuar no poder até 2024.