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Analistas: ação contra ciganos não indica xenofobia dos franceses

28 ago 2010 - 14h10
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Lúcia Müzell
Direto de Paris

O reforço das políticas anti-imigração pelo presidente francês Nicolas Sarkozy não significa que a população do país esteja se tornando mais xenofóba. Três especialistas em racismo, xenofobia e extrema-direita ouvidos pelo Terra foram unânimes na conclusão de que as duas novas medidas do governo - visando à expulsão de ciganos da França e à retirada da nacionalidade francesa de estrangeiros que atentem contra a vida de policiais - não refletem um sentimento de rejeição aos imigrantes por parte da população.

Escoltados pela polícia, ciganos chegam ao aeroporto Roissy Charles de Gaulle, nos arredores de Paris
Escoltados pela polícia, ciganos chegam ao aeroporto Roissy Charles de Gaulle, nos arredores de Paris
Foto: AFP

Para os analistas consultados, essas medidas são um estratégia política de Sarkozy para abafar o "affaire Woerth-Bettancourt", como ficou conhecido o caso em que um dos principais ministros do seu governo é acusado de financiamento ilegal de campanha. O caso estourou em julho e vem sendo abafado pelo governo Sarkozy, que agora teria provocado voluntariamente outra polêmica para desviar as atenções.

"O maior problema", alega o cientista político Jean-Yves Camus, um dos maiores especialistas em extrema-direita da França, "é que ele está brincando com fogo. Ele sabia que este assunto deixaria a França profundamente dividida, mas não esperava que as críticas aos seus projetos viriam até de gente do próprio partido, de tão exacerbadas que foram as medidas anunciadas."

Nem mesmo a péssima repercussão internacional da cruzada contra os ciganos provocou qualquer recuo por parte do governo. A ONU e a Comissão Europeia demonstraram preocupação particular com o que acontece na França, e até o papa Bento XVI se exprimiu sobre o assunto no último domingo. Em francês, o líder católico afirmou que "os textos litúrgicos nos dizem que todos os homens são chamados à salvação" e fez um convite para se "saber acolher as legítimas diversidades humanas".

Desde o início da ofensiva sarkozista, 681 ciganos já foram expulsos, mesmo se todos são romenos ou búlgaros, ou seja, membros da União Europeia e que teoricamente têm o direito de livre trânsito nos países membros do grupo. O argumento utilizado pelos serviços de imigração é o de que cidadãos europeus não podem permanecer em outro país se não têm condições de se sustentar.

Sarkozy ignora imagem internacional

"A verdade é que Sarkozy não está nem aí para a sua imagem no exterior. É preciso dizer que ele próprio é uma pessoa que pouco conhece do mundo, mal fala inglês, e só se interessa pelo plano interno", explica Camus. "Sendo assim, ele aproveita o momento para reconquistar os eleitores da extrema-direita francesa, que andavam descontentes com o seu governo, não tão firme contra a imigração quanto ele prometia durante a campanha."

No entanto, a reconquista deste eleitorado está de longe de estar garantida, já que o principal partido de extrema-direita, o Frente Nacional, tem demonstrado a cada eleição que vem adquirindo força própria.

Desta forma, Sarkozy correria o risco de não ganhar estes eleitores e ainda desapontar o eleitorado de centro-esquerda, que pode se chocar com a rigidez das medidas e optar por um candidato mais moderado.

O sociólogo especialista em racismo e identidades nacional e cultural Michel Wieviorka, diretor da Fundação Casa dos Direitos do Homem, alerta que essa estratégica poderá não apenas favorecer a volta da esquerda ao poder nas próximas eleições presidenciais, em 2012, como fortalecer outro nome dentro do próprio partido de Sarkozy nas prévias para a disputa. "O fato é que o povo francês não se reconhece nessas medidas extremas, que são até inconstitucionais. A nossa República está sendo ferida com essas políticas, que a meu ver são catastróficas para a imagem da França", diz Wierviorka. "É muito cedo para dizer que pode ser o início do seu fim de Sarkozy, mas a verdade é que faz tempo que nada do que ele faz agrada à população."

Aceitação do estrangeiro nunca foi tão alta

Nonna Mayer, diretora de pesquisas do Centro de Estudos Europeus do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po), destaca que uma análise rápida das pesquisas sobre xenofobia nos últimos anos prova que, apesar das evidências em contrário, o povo francês jamais foi tão receptivo ao imigrante e às minorias quanto hoje. Ela é co-autora de um estudo feito anualmente sobre o assunto. Conforme a pesquisa, o número de pessoas que concordam com a frase "existem imigrantes demais na França" caiu de 73%, em 1995, para 46%, em 2009. Em relação ao direito de voto para os estrangeiros, a evolução dessa proporção também chama atenção: em 2000, apenas 36% da população estava de acordo com esse direito, enquanto agora a taxa é de 61%.

"É preciso se ter muito cuidado quando se generaliza um povo, especialmente quando se fala de xenofobia. A xenofobia está em todos os lugares do mundo, a diferença é que, na maioria deles, ela sequer é estudada", alega Mayer. "Se avaliamos os dados a longo prazo, o preconceito na França está diminuindo, sim, embora esteja se focando contra os muçulmanos e originários da África magrebina ex-colônias francesas."

A pesquisadora explica que quanto mais o indivíduo frequentou os bancos escolares, mais aberto se tornou ao outro e às diferenças. E destaca que, embora as pesquisas atuais possam mostrar uma tendência à xenofobia, essas sondagens exprimem um momento do cotidiano, ligado a fortes emoções provocadas pelas últimas notícias. A tendência, analisa Mayer, é de que as pessoas passem a rever suas opiniões na medida em que o tempo vai passando e os acontecimentos vão sendo melhor esclarecidos.

Ontem, o instituto CSA publicou uma sondagem segundo a qual 48% dos franceses estariam de acordo com as expulsões, e 42% seriam contrários. No mesmo dia, outra pesquisa realizada pelo instituto OpinionWay revelou que os franceses estariam em 69% de acordo com a medida.

"Tudo depende de como a pergunta é formulada, para quem ela é formulada e em que momento. Outro ponto importante é que o povo cigano é a minoria mais rejeitada de todas, e não somente na França, como em toda a Europa", afirma Mayer.

Fonte: Especial para Terra
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