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EUA-Cuba: por que agora?

18 dez 2014 - 18h26
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Carlos Chirinos

Reuters
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Foto: BBC Mundo / Copyright

BBC Mundo

Obama e Castro anunciaram reaproximação histórica entre EUA e Cuba

Com sua ousada aproximação a Cuba, Barack Obama pode entrar para a história como o presidente que começou a desmontar a última relíquia da Guerra Fria no Ocidente, e como o primeiro que se atreveu a ser pragmático nas relações geralmente hostis com a ilha.

O raciocínio apresentado por Obama na Casa Branca é que não faz sentido seguir uma política que por mais de cinco décadas não atingiu o objetivo de impôr mudanças em Cuba, argumento usado havia muito tempo dentro e fora dos Estados Unidos.

Mas, enquanto políticos tradicionalmente ligados a exilados cubanos - o antigo senador Bob Menéndez, de Nova Jersey, e os mais novos colegas Marco Rubio, da Flórida, e Ted Cruz, do Texas - seguem se opondo a qualquer "recompensa" ao governo Castro, outros setores da sociedade americana parecem ter mudado de ideia.

Desde empresários e agricultores às novas gerações de cubano-americanos na Flórida, a meca do exílio, a ideia de uma estratégia diferente na relação com Havana vinha ganhando espaço e defensores.

Vários fatores moldam o momento político que levou Obama a introduzir mudanças que podem ser históricas, não só para a relação bilateral entre Washington e Havana, mas com o resto do hemisfério.

O fator Gross

A deterioração da saúde de Alan Gross, o americano preso em Cuba e condenado a 15 anos de prisão por "crimes contra o Estado", colocou urgência na antiga ideia de Obama de alterar a política em relação à ilha.

Libertação de Gross esteve no centro das negociações entre Washington e Havana

A possibilidade de Gross morrer em uma prisão cubana teria se transformado num obstáculo difícil de ser superado para a Casa Branca, que há mais de um ano autorizou contatos secretos através do Canadá e do Vaticano, duas chancelarias com alguma influência sobre Havana.

Washington tomou cuidado para não mostrar que a liberação de Gross ocorreu em troca dos três espiões condenados nos EUA e que Havana propunha como moeda de troca. Mesmo assim, os espiões foram libertados.

No final, Gross foi o rosto de um movimento diplomático histórico.

As novas gerações

Apesar das vozes divergentes, que criticam Obama por "recompensar" os Castro, na comunidade cubana radicada na Flórida e em Nova Jersey, os dois principais centros do exílio, muitos receberam o anúncio com alívio e até mesmo alegria.

Pesquisas de opinião demonstraram que, nos últimos anos, a maioria dos cubanos-americanos vinha se opondo à política de embargo a Cuba e esperavam uma mudança na diplomacia.

É uma mudança geracional, à medida que os antigos exilados estão morrendo, e seus filhos e netos perdem a paixão pelos eventos dos anos 1960 que definiram suas famílias e que cada vez menos influenciam suas realidades de cidadãos americanos.

O fator negócio

Mais discretamente, grupos econômicos têm feito lobby em Washington para afrouxar o embargo, que impede a realização de negócios em Cuba, fato que é aproveitado por outros países e empresas.

Economia cubana tem sido fortemente afetada pelo embargo americano, em vigor há mais de 50 anos

A Câmara de Comércio dos EUA estima ter perdido pelo menos US$ 1,2 bilhão em negócios devido às leis de embargo - apesar de não ser uma cifra grande para a economia dos Estados Unidos, representa um grande valor para Cuba.

Entre os que estão perdendo a oportunidade de negócio são os agricultores do Centro-Oeste americano.

Eis uma ideia de como o fator econômico pode ter influenciado a decisão de Obama: as ações das empresas de cruzeiros baseadas na Flórida subiram em média 3% apenas com o anúncio.

E não é só a indústria turística que oferece grande potencial de desenvolvimento, já que diversos setores da economia se atrofiaram com mais de meio século de economia centralizada e planificada.

O fator Venezuela

Do lado cubano, alguns acreditam que a deterioração econômica da Venezuela, que nos últimos 15 anos tem sido o pilar mais importante da economia cubana, também deu senso de urgência à questão.

A queda do preço do petróleo coloca o governo do presidente Nicolás Maduro e a chamada Revolução Bolivariana em apuros internos e, especialmente, sem excedentes no curto prazo a serem destinados aos parceiros cubanos.

As medidas anunciadas por Obama, especialmente no aumento do limite das remessas - de US$ 500 a US$ 2 mil - que podem ser enviadas a parentes na ilha, certamente beneficiará muitas famílias e aliviará a pressão na economia, incapaz de gerar riqueza suficiente.

O contraste aqui vem do fato de que, enquanto as coisas são suavizadas em relação a Cuba, Washington impôs há apenas duas semanas sanções a um grupo de autoridades venezuelanas envolvidas em supostas violações de direitos humanos durante a repressão dos protestos de estudantes no início do ano.

A medida aguarda, agora, sanção presidencial.

Embargo segue

No entanto, as boas intenções de ambos os governos também devem enfrentar a realidade política, particularmente em Washington.

Fim de embargo americano a Cuba depende de aprovação do Congresso; republicanos prometem bloquear

Em primeiro lugar, Obama não poderá eliminar o ponto central de toda a estratégia americana em relação a Cuba: o embargo - ou bloqueio, como é chamado em Havana - é regido por uma lei aprovada pelo Congresso.

E, no Congresso, qualquer iniciativa para revogar ou suavizar as leis do embargo promete ser uma batalha dura e desgastante, onde Rubio, Menéndez e Cruz irão formar uma dura barreira.

Mas, nesse sentido, Obama parece estar tomando o pulso da realidade política com pragmatismo ao reconhecer que não espera uma mudança na sociedade cubana da noite para o dia. Em parte, porque ele sabe que a sociedade política americana também não mudará.

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