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‘Estupraram minha mãe e nos venderam’: norte-coreana relata dramática fuga pelo deserto aos 13 anos

21 mar 2016 - 15h07
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Yeonmi Park foi separada da mãe e vendida por traficantes de pessoas após fugir para a China.
Yeonmi Park foi separada da mãe e vendida por traficantes de pessoas após fugir para a China.
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Yeonmi Park fugiu da Coreia do Norte quando tinha apenas 13 anos.

Ela teve que atravessar desertos e rios gelados, e chegou a ser vendida por traficantes de pessoas na China.

Park, que hoje vive e estuda nos EUA, contou à BBC sobre a experiência, há quase uma década, e os motivos da fuga de um dos países mais fechados do mundo.

"Escapei em 2007 com minha mãe, atravessando um rio gelado e sob risco de sermos baleadas.

Quando estava na Coreia do Norte, a única coisa que queria era ter algo para comer. Não havia como sobreviver lá. Por sorte eu vivia na fronteira, via as luzes no lado chinês e pensava que poderia encontrar comida se chegasse à China.

Quando estava na Coreia do Norte, a única coisa que queria era ter algo para comer

Não tínhamos internet na Coreia do Norte. Há apenas um canal de TV e não há revistas.

Minha mãe e eu não sabíamos o que encontraríamos ao fugir. Cruzamos o rio gelado e caímos nas mãos de traficantes de pessoas na China.

Após a travessia estupraram minha mãe na minha frente. Fomos separadas e vendidas a dois fazendeiros chineses.

Yeonmi cresceu no norte da Coreia do Norte; ela via as luzes do lado chinês da fronteira e sonhava com comida.
Yeonmi cresceu no norte da Coreia do Norte; ela via as luzes do lado chinês da fronteira e sonhava com comida.
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Venderam minha mãe por US$ 55 (cerca de R$ 200), e pagaram US$ 200 (R$ 722) por mim.

Isso é muito comum. Quando norte-coreanos fogem para a China, o governo chinês não nos considera refugiados e não nos ajuda a chegar à Coreia do Sul.

Em vez disso, costumam nos capturar e devolver ao regime norte-coreano, apesar de saber que seremos castigadas ou executadas.

Por isso, quem escapa da Coreia do Norte fica muito vulnerável - os chineses sabem disso e se aproveitam.

Quando fui vendida ao fazendeiro e me separaram da minha mãe, tentei o suicídio. Mas o fazendeiro disse que se virasse sua amante ele faria com que me reeencontrasse com minha mãe e traria meu pai da Coreia do Norte.

E ele cumpriu a promessa.

Tinha a imagem dos americanos com narizes muitos grandes e olhos azuis, verdadeiros monstros.

Após um tempo fui da China à Mongólia, atravessando o deserto de Gobi, e finalmente cheguei à Coreia do Sul.

Depois de cinco anos lá, vim há pouco tempo para os Estados Unidos, onde estou estudando na Universidade de Columbia, em Nova York.

A norte-coreana hoje vive e estuda nos EUA.
A norte-coreana hoje vive e estuda nos EUA.
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Gostaria de voltar a meu país algum dia, mas isso não quer dizer que sinta falta do regime ou do sistema.

"Lavagem cerebral"

Cresci no norte da Coreia do Norte. Meu pai foi preso por trabalhar no mercado negro, por isso tive que me mudar para a região central do país e conheci Pyongyang.

Fui à escola por vários anos e só sabia da existência de poucos países no mundo. Nunca havia ouvido falar da internet.

Tudo o que sabia era sobre os "malditos americanos". Assim eram chamados.

Tentam lavar seu cérebro a todo momento. Tinha a imagem dos "malditos americanos" com narizes muitos grandes e olhos azuis, verdadeiros monstros.

Nunca soube que a Coreia do Sul era um país livre. Pensava que havia sido colonizado pelos EUA e que os soldados americanos estupravam mulheres e crianças, matavam pessoas.

Pensava que era o pior lugar do mundo.

Amor proibido

O ponto de virada na minha vida foi quando vi o filmeTitanic . Jamais tinha visto nada parecido, porque histórias de amor não são vistas na Coreia do Norte.

O amor é considerado algo vergonhoso lá, nunca falamos sobre isso.

Yeonmi publicou recentemente um livro sobre sua experiência chamado "In Order to Live".
Yeonmi publicou recentemente um livro sobre sua experiência chamado "In Order to Live".
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

Não há músicas, filmes ou novelas sobre o amor. Por isso, quando viTitanic , não acreditei que alguém pudesse ter feito um filme sobre algo tão vergonhoso como o amor, e como alguém poderia morrer por amor, e não pelo regime.

Isso foi uma revolução na minha vida, deu-me uma primeira ideia sobre a liberdade.

O amor é considerado algo vergonhoso na Coreia do Norte, nunca falamos sobre isso.

Na Coreia do Norte sabemos que os americanos são mais ricos do que nós, mas como no livro1984 de George Orwell, as pessoas nas ruas continuam achando que vivem no melhor país do mundo.

Esse livro explica tudo o que aconteceu comigo sob o ponto de vista psicológico.

Quando (o líder norte-coreano) Kim Jong-il morreu (em 2011), eu morava na Coreia do Sul com minha mãe e não conseguíamos acreditar.

Minha mãe disse: 'como pode ser que Deus morreu?' E vivíamos na Coreia do Sul!

Na Coreia do Norte não acreditam que ele tenha morrido. Estão certos que seu espírito vive entre nós, como Jesus, e que ele lê mentes e sabe tudo o que fazemos, como no filmeO Show de Truman ."

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