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América Latina

Vala com 200 corpos revela tragédia da travessia México-EUA

19 ago 2015 - 15h50
(atualizado às 16h17)
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Todo ano, centenas de imigrantes ilegais se lançam à travessia da fronteira entre México e Estados Unidos, e muitos acabam sendo abandonados no deserto pelos chamados "coiotes". Dezenas deles, exaustos e desidratados, acabam morrendo na vastidão inóspita do condado de Brooks, no Texas, onde as temperaturas ultrapassam os 40ºC no verão.

Especialistas em medicina legal trabalham em Falfurrias desde 2013
Especialistas em medicina legal trabalham em Falfurrias desde 2013
Foto: Esqueleto encontrado no Texas

Com sorte, os corpos – ou o que resta deles – são encontrados semanas ou meses depois por fazendeiros da região ou agentes da Guarda de Fronteira. De qualquer maneira, a maioria deles jamais será identificado, e os parentes dos mortos nunca vão saber que fim levaram.

Para grupos de defesa dos direitos humanos, o caso do condado de Brooks, um dos mais pobres dos Estados Unidos, serve como exemplo de uma situação que se repete ao longo da fronteira.

Em 2013, um grupo de antropólogos das universidades de Baylor e de Indianápolis encontraram dezenas de corpos não-identificados em um cemitério perto de Falfurrias.

Supostas irregularidades

Até o momento, já foram recuperados mais de 200 corpos das tumbas, descritas como valas comuns. Acredita-se que outras dezenas de corpos tenham sido enterrados no local.

Não existem registros nem identificação dos imigrantes enterrados no Sagrado Coração
Não existem registros nem identificação dos imigrantes enterrados no Sagrado Coração
Foto: Sepultamento nos EUA

O jornalista americano John Carlos Frey vem investigando as valas comuns e supostas irregularidades cometidas ao enterrar os imigrantes no cemitério do Sagrado Coração.

Segundo Frey, a empresa funerária a cargo dos corpos não reclamados teria descumprido a lei em diversos casos ao não realizar análises do DNA dos cadáveres. "As pessoas que foram enterradas nas valas não são consideradas seres humanos. São imigrantes latino-americanos que não falam inglês e não têm documentos para morar legalmente no país, ou seja, para muitos nos EUA não importa o que vai acontecer com eles", disse Frey à BBC Mundo.

"Creio que se nestas valas tivessem sido encontrados 200 cães ou 200 gatos, o caso teria recebido muito mais atenção da imprensa. É uma vergonha."

Frey disse ainda que não havia sinalização nas tumbas e que nelas foram encontradas bolsas com restos mortais de diversas pessoas, o que tornava impossível saber que partes pertenciam a que indivíduos.

Ele diz que, em alguns casos, os corpos teria sido simplesmente lançados em covas rasas, o que é proibido pela lei do Texas.

Em meados de 2014, um ano depois da exumação dos primeiros corpos, as autoridades concluíram uma investigação preliminar sobre o caso e afirmaram não ter encontrado qualquer irregularidade.

Análise de DNA

O contrato com a agência funerária foi anulado e nenhum outro imigrante foi sepultado naquele cemitério. Atualmente, corpos encontrados no deserto são levados ao Instituto Médico Legal do condado vizinho, Webb, onde são realizadas autópsias e colhidas amostras de DNA.

As análises são feitas pela Universidade do Texas, onde os resultados são armazenados à espera de identificação. John Carlos Frey refuta as conclusões da investigação do governo americano.

Lori Baker, professora de Antropologia da Universidade Baylor, coordena o grupo de antropólogos que trabalha nas exumações em Falfurrias e diz que ofereceu a parceria ao condado de Brooks porque as autoridades locais não têm um IML nem condições de identificar os imigrantes mortos.

"No momento, recuperamos uns 170 corpos, mas não há como saber quantos ainda se encontram nas valas comuns, porque não há identificação nem registros dos sepultamentos." Ela diz ainda que o processo de identificação é muito lento, porque depende da colaboração de consulados e autoridades de outros países.

Para ela, a situação encontrada em Falfurrias se repete ao longo de toda a fronteira. "Centenas de pessoas foram enterradas sem qualquer tipo de respeito."

Dignidade

Até o momento, já foram recuperadas ossadas de mais de 200 imigrantes no Sagrado Coração
Até o momento, já foram recuperadas ossadas de mais de 200 imigrantes no Sagrado Coração
Foto: Esqueleto no Texas

As autoridades de Brooks se defendem sobre o caso do cemitério do Sagrado Coração alegando falta de recursos.

"Acho que, diante das circunstâncias e da grande quantidade de corpos que se encontra todos os anos, os sepultamentos foram feitos com a maior dignidade possível", afirmou um porta-voz do condado.

As autoridades estaduais do Texas dizem que as tumbas de imigrantes não podem ser consideradas valas comuns. "Durante anos não foram realizados os examos necessários, mas a situação já foi corrigida."

O argumento não convence Eduardo Canales, diretor do Centro de Direitos Humanos do Sul do Texas, uma das organizações encarregadas de dar assistência às famílias dos imigrantes mortos. Ele aguarda ansiosamente a aprovação de uma lei do Texas que estabelece a criação de uma comissão para estudar formas de enterrar os ilegais. "Não importa que não tenham documentos. É um direito humano ter um enterro digno", diz Canales.

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