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Estados Unidos

Polícia identifica alunos com potencial para violência

Grupo com terapeutas checa estudantes que causam preocupação nas escolas; segundo associação, 80% dos professores no país sofrem algum tipo de violência ou ameaça

27 ago 2014 - 10h39
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Um programa criado pela polícia de Los Angeles que tenta identificar e tratar estudantes com potencial de cometer agressões contra professores e alunos tem obtido sucesso na prevenção de episódios de violência nas escolas do condado americano.

O projeto é centrado no trabalho de um grupo formado por especialistas e funcionários treinados, o School Threat Assessment Response Team (Equipe de Avaliação de Ameaças em Escolas, em tradução livre, ou START, na sigla em inglês), que, como o nome já diz, avalia riscos de ameaça de violência em escolas e ajuda em casos de emergências.

A equipe recebe entre 40 e 60 casos por dia. São contatos feitos por diretores e funcionários de escolas, policiais e os próprios pais de estudantes cujo comportamento desperta preocupação. Em alguns casos, o jovem em questão faz ameaças contra outros ou fala em suicídio.

Cabe ao START avaliar se há um risco real - e identificar problemas emocionais que possam culminar em atos de violência - ou se o estudante está simplesmente enfrentando problemas, como bullying, e tentando chamar a atenção.

Essa avaliação inclui visitas às escolas e aos lares e conversas com as famílias, para compreender o histórico do jovem e a dinâmica familiar. Em alguns casos, com a permissão dos pais, inclui também inspeção em computadores e mochilas, em busca de armas ou algum indício de ameaça maior.

Dependendo da gravidade da situação, o estudante pode ser colocado em observação por profissionais de saúde mental ou até ser detido, caso algum crime tenha sido cometido. Mas mesmo nos casos em que o risco não é considerado grave, o estudante recebe aconselhamento e tem acesso a acompanhamento psicológico e de serviços sociais.

O START conta com dez profissionais em dedicação exclusiva, entre psicólogos, assistentes sociais, terapeutas de família e enfermeiras com especialização psiquiátrica.

Além disso, tem uma rede de 250 funcionários do "Emergency Outreach Bureau" do Departamento de Saúde Mental, que não são funcionários específicos do programa, mas recebem treinamento de avaliação de risco de ameaça de violência e ajudam em casos de emergência. Muitas vezes são esses os primeiros a chegar ao local e ter o primeiro contato com o jovem.

Longo prazo

Um dos trunfos do programa é o fato de compartilhar informações entre policiais, equipes de saúde e escolas. As instituições de ensino recebem treinamento anual do START para identificar ameaças e avaliar riscos.

Outro diferencial é o fato de os estudantes serem monitorados em longo prazo, às vezes durante vários anos.

"Nós acompanhamos o aluno, monitoramos seu sucesso na escola, como sua família está, conversamos com os terapeutas, com os professores", diz Boyd.

"A frequência e a intensidade desse acompanhamento vai depender do nível de risco. Também pedimos a todos os envolvidos que nos avisem imediatamente caso algo mude, o comportamento, o nível de stress, a situação familiar", explica.

Alguns estudantes continuam sendo monitorados mesmo depois de terminarem o ensino médio e a faculdade e entrarem no mercado de trabalho.

"Nos últimos cinco anos (desde que o programa foi ampliado para todo o condado) não tivemos nenhum caso de violência extrema na nossa área de atuação. Vários estudantes que apresentavam risco acabaram se formando e ingressando na universidade, sem nenhum incidente. Consideramos isso um sucesso", disse à BBC Brasil a assistente social especializada em psiquiatria Maria Martinez, uma das especialistas do programa.

Martinez relata o caso de um estudante de 18 anos que vinha recebendo notas baixas e começou a enviar e-mails ameaçando matar um professor.

"Nossa experiência mostra que muitas vezes estudantes que não têm desempenho muito bom acabam culpando os professores", observa.

No caso, a equipe descobriu que o aluno em questão sofria forte pressão da família, que tinha expectativas muito altas em relação ao seu desempenho escolar. Além disso, ele enfrentava problemas de identidade de gênero. Com a intermediação do START, foi encaminhado a serviços de saúde mental e aconselhamento.

"Ele acabou recebendo ajuda, suas notas melhoraram, e as ameaças pararam. Ainda estamos monitorando, e ele está estável", relata.

Boyd ressalta a importância de manter esses estudantes na escola, em vez de ceder ao impulso de expulsar alunos que fazem ameaças ou exibem comportamento instável.

"Se estiverem fora de sala de aula, ficarão o dia inteiro em frente a um computador, com tempo livre para aumentar sua frustração e ressentimento", diz.

"Mas, obviamente, dependemos da cooperação das escolas. Se decidem expulsar um estudante, não temos como impedir."

Ameaça a professores

O programa foi criado pelo Departamento de Polícia de Los Angeles em 2007, logo após o massacre da Universidade Virginia Tech, no Estado da Virgínia, no qual o estudante Seung-Hui Cho matou 32 pessoas e se suicidou. Mas sua área de abrangência vai além da prevenção de casos de tiroteios.

"Nosso foco é qualquer tipo de violência que possa ocorrer nas escolas", disse à BBC Brasil a gerente do programa, Linda Boyd, do Departamento de Saúde Mental do Condado de Los Angeles.

"Lidamos com muitos casos de estudantes que ameaçam matar os professores", diz Boyd.

Uma pesquisa recente conduzida pela Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês) concluiu que 80% dos professores nos EUA sofrem algum tipo de violência ou ameaça nas escolas.

Desde 2009, o programa foi ampliado para atender a todo o condado de Los Angeles, o mais populoso do país, com quase 10 milhões de habitantes e mais de 1 milhão de estudantes. Para os responsáveis pelo programa, ele poderia ser facilmente replicado em outros lugares, até mesmo no Brasil, desde que haja colaboração entre os setores policial, de educação e de saúde mental.

O orçamento anual do programa é de US$ 1,9 milhão. Os recursos vêm principalmente da Lei de Serviços de Saúde Mental da Califórnia, aprovada em 2004, que destina um imposto de 1% sobre a renda de milionários para financiar novos programas de saúde mental.

Apesar do sucesso, o START é uma iniciativa isolada, e o problema da violência nas escolas nos Estados Unidos, especialmente contra professores, continua recebendo menos atenção do que os especialistas gostariam.

Casos como o de Virginia Tech ou o do massacre na escola Sandy Hook, no Estado de Connecticut, em 2012, no qual o jovem Adam Lanza, de 20 anos, matou 20 crianças e seis adultos e se suicidou, ganham as manchetes, mas são considerados exceção.

No entanto, o drama da violência contra professores nas escolas americanas muitas vezes acaba sendo ignorado.

A força-tarefa da APA sobre violência contra professores, coordenada pela professora de psicologia da educação Dorothy Espelage, da Universidade de Illinois, ouviu 3 mil educadores no país.

Entre os 80% que relatam terem sido vítimas de violência na escola, 94% disseram que a agressão partiu de um estudante. Mais de 50% relataram roubo ou danos, e 44% disseram ter sido fisicamente atacados.

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