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Estados Unidos

EUA orientam agentes a acobertar espionagem da Justiça

5 ago 2013 - 09h19
(atualizado às 09h23)
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Uma unidade secreta da agência antidrogas dos EUA, a DEA, está reunindo informações obtidas de interceptações de inteligência, grampos telefônicos, informantes e de um enorme volume de registros de ligações telefônicas, e entregando esse material a autoridades de todo o país para ajudá-las na abertura de investigações criminais contra cidadãos norte-americanos.

Embora esses casos raramente envolvam questões de segurança nacional, documentos vistos pela Reuters mostram que as autoridades policiais foram orientadas a esconder o verdadeiro início dessas investigações - não só dos advogados de defesa, mas às vezes também de promotores e juízes.

Os documentos, sem data, mostram que agentes federais são treinados para "recriarem" a trilha investigativa, acobertando assim a origem da informação. Alguns juristas dizem que essa prática viola o direito constitucional do réu a um julgamento justo. Se os réus não sabem como a investigação começou, não têm como pedir uma revisão das provas.

"Nunca ouvi falar de nada disso", disse Nancy Gertner, professora de direito de Harvard e ex-juíza federal. Gertner e outros juristas disseram que o programa parece mais perturbador do que as recentes revelações sobre o monitoramento de registros telefônicos feito pela Agência Nacional de Segurança (NSA). O esforço da NSA está voltado para conter terroristas, ao passo que o programa da DEA tem como alvo criminosos comuns, principalmente traficantes de drogas.

"Uma coisa é criar regras especiais para a segurança nacional", disse Gertner. "O crime comum é completamente diferente. Parece que eles estão manipulando as investigações."

Divisão de Operações Especiais

A unidade da DEA que distribui as informações se chama Divisão de Operações Especiais, ou SOD na sigla em inglês. Duas dúzias de agências parceiras integram essa unidade, o que inclui FBI, CIA, NSA, IRS (Receita Federal) e Departamento de Segurança Doméstica. Ela foi criada em 1994 para combater cartéis de drogas da América Latina. Começou com algumas dezenas de funcionários, e hoje tem várias centenas.

Hoje, grande parte do trabalho da SOD é sigiloso, e as autoridades pediram que sua localização precisa, na Virgínia, não fosse revelada. Os documentos vistos pela Reuters foram categorizados como confidenciais.

"Lembre-se que a utilização do SOD não pode ser revelada nem discutida em nenhuma função investigativa", diz um documento apresentado aos agentes, ao instruí-los para que usem "técnicas investigativas normais para recriar a informação fornecida pela SOD".

Um porta-voz do Departamento de Justiça, órgão responsável pela DEA, não quis comentar. Dois funcionários graduados da DEA defenderam o programa, dizendo que a "recriação" de pistas é uma técnica legal e usada quase diariamente.

Um ex-agente do nordeste dos EUA que costumava receber dicas da SOD descreveu assim o processo: "Só diziam a você: ‘Esteja numa determinada parada de caminhões num determinado momento e procure determinado veículo'. Então alertávamos a polícia estadual para encontrar um pretexto para parar esse veículo e colocar um cão para procurar drogas nele", disse o agente.

Quando uma prisão era feita, os agentes fingiam que a investigação havia começado com a abordagem no trânsito, não com a dica da SOD, segundo o ex-agente. O documento de treinamento obtido pela Reuters se refere a esse processo como "construção paralela".

Dois altos funcionários que falaram em nome da DEA, mas sob anonimato, disseram que o processo é mantido secreto para proteger fontes e métodos investigativos. "A construção paralela é uma técnica policial que usamos todos os dias", disse uma fonte. "Tem décadas de idade, é um conceito pétreo."

Uma dúzia de agentes federais ouvidos pela Reuters, aposentados e da ativa, confirmaram ter usado a construção paralela durante suas carreiras. A maioria defendeu a prática; alguns disseram entender por que pessoas de fora das instituições policiais estão preocupadas.

"É como a lavagem de dinheiro - você trabalha de trás para frente para limpar a coisa", disse Finn Selander, agente da DEA de 1991 a 2008 e hoje membro de uma entidade que defende a legalização e regulamentação das drogas.

Alguns advogados e ex-promotores disseram que o uso da "construção paralela" pode ser legal para estabelecer a causa provável de uma prisão, mas que o emprego da prática para disfarçar o verdadeiro início de uma investigação provavelmente viola as regras do processo penal, já que oculta provas que poderiam ser úteis para os réus.

"Não se pode burlar o sistema", disse o ex-procurador federal Henry E. Hockeimer Jr.. "Não se pode criar esse subterfúgio. São crimes de drogas, não casos de segurança nacional. Se você não traçar um imite aqui, onde irá traçar?"

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