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Estados Unidos

EUA: cães ajudam vítimas a depor e viram polêmica em tribunais

O cão Jeeter se tornou, em 2003, o primeiro a atuar em um tribunal quando ajudou as gêmeas Erin e Jordan Barker a depor em um caso de abuso contra o pai delas

20 mai 2013 - 14h39
(atualizado às 14h51)
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As gêmeas tinham 7 anos, eram tímidas e amedrontadas. Falar era difícil e descrever o que aconteceu quase impossível. Então o promotor que as preparava para depoir contra o pai, que elas diziam as ter molestado, pegou emprestado um cão chamado Jeeter. 

"Era uma última tentativa de manter uma comunicação com as minhas filhas, que eram incrivelmente tímidas", disse Kelly Dempsey, a mãe das gêmeas. O promotor não tinha ideia de como alcançá-las. Ele apenas acreditava do fundo do coração que as meninas tinham sido injustiçadas e desejava desesperadamente encontrar justiça para elas". 

Há 10 anos em Seattle, no Estado americano de Washington, Jeeter se tornou o primeiro cão profissionalmente treinado a ajudar uma criança a testemunhar, dizem peritos. Cães foram usados para auxiliar milhares de vitimas e testemunhas desde então. 

Atualmente, há 41 cães trabalhando em tribunais de 19 Estados americanos e outros mais sendo considerados. Mas há desafios no caminho. Advogados alegam que os cães são distrações ou imãs de simpatia. Até hoje, no entanto, todas as instâncias inferiores decidiram em favor de manter os cães.

Em 2003, Jeeter comparecia a um tribunal de narcóticos no condado de King uma vez por semana com a promotora Ellen O'Neill-Stephens. No resto da semana, o cão pertencia ao filho dela Sean, 21 anos, que sofria de paralisia cerebral. Quando um colega dela pediu Jeeter emprestado para o caso das gêmeas, a conexão foi instantânea. 

"Com a companhia de Jeeter, eu nunca pensei sobre como era assustador entrar lá e ver o nosso pai", disse Erin, uma das gêmeas e agora estudante secundarista. "Eu não lembro do ruim, eu apenas lembro de Jeeter. Eu acredito que escapamos muito mais normais do que deveríamos em uma situação como essa por causa de Jeeter". 

A AP normalmente não utiliza nomes e fotos de vítimas de abuso em matérias, mas as jovens permitiram que seus primeiros nomes e imagens fossem publicadas porque desejam que mais cães estejam disponíveis em tribunais. A mãe delas utiliza um sobrenome diferente. 

Jeeter protegeu as meninas. "Eu me lembro de estar sentada na cadeira. Entre as questões, ele colocava sua cabeça no meu colo e chamegava um pouco. Uma vez, ele veio vestido de zorro", disse Erin. 

Quando havia perguntas sobre anatomia, as meninas utilizavam Jeeter. "Um bom cão diminiu a ansiedade de qualquer vítima, seja criança, adulto ou idoso. Ele dá a oportunidade de focar e achar a própria voz, como isto é ruim?", questiona a mãe das jovens. 

Foto sem data mostra Jeeter, o cão que ajudou as gêmeas a depor contra o pai em julgamento de 2003
Foto sem data mostra Jeeter, o cão que ajudou as gêmeas a depor contra o pai em julgamento de 2003
Foto: AP

Não houve qualquer objeção a Jeeter no caso das gêmeas e a demanda por cães foi tão alta em 2004 que a promotoria providenciou um cão para atuar em tempo integral, Ellie. Jeeter e Ellie foram treinados pela organização Canine Companions for Independence (CCI), de Santa Rosa, na Califórnia. 

A CCI treinou cerca de 230 cães para trabalhar em instituições, incluindo tibunais, centro para queimados, hospícios e escolas. A maioria dos cachorros são labradores, golden retrievers ou mistos, diz Jeanine Konopelski, diretora de Marketing do CCI. 

Há cinco anos, O'Neill-Stephens estava tão certa de que vítimas e testemunhas se beneficiariam da presença de cães em tribunais que fundou a Courthouse Dogs Foundation em homenagem ao seu então já falecido filho. Ela se aposentou em 2011 para se dedicar à instituição em tempo integral. 

O'Neill-Stephens e a diretora-executiva da fundação, Celeste Walsen, estão ajudando a montar programas no Canadá, Chile e Finlândia, além de padronizar o treinamento para cães de tribunais. 

Batalha judicial

O próximo desafio para os cães está marcado para meados de maio na Suprema Corte do Estado de Washington. O caso envolve um homem acusado de roubar um apartamento de Seattle em 2008. A vítima tem habilidades mentais similares a de uma criança e recebeu permissão para usar Ellie quando testemunhar. 

Uma corte de apelações decidiu manter o uso do cão, então o advogado Jan Trasen levou o caso para uma corte superior. Ele alega que não há nenhum precedente para utilizar cães em tribunais. O Estado diz que isto é previsto na lei que permite que testemunhas vulneráveis segurem um urso de pelúcia ou uma boneca durante seus depoimentos. 

Trasen diz que não é possível comparar as duas situações, porque "aqueles itens são objetos inanimados. Eles não se movem. Eles não te olham nos olhos. Eles não respondem à voz humana...Eu tenho um cão, eu amo cães. É por esta razão que eu sei quão bem às pessoas vão reagir a eles", diz o advogado, alegando que a presença dos animais pode levar a distorções nas decisões dos jurados. 

Um caso similar está em avaliação em um tribunal de Nova York. 

Jurados no caso das gêmeas não conseguiram chegar a um veredicto e um novo julgamento foi convocado. No entanto, antes de que este fosse realizado, o pai das meninas declarou-se culpado. "Ele acabou não cumprindo pena. Ele foi responsabilizado de uma forma que outras pessoas consideraram apropriada. Mas ele foi retirado da vida das meninas, então, na verdade, eu não poderia pedir por nada melhor", disse a mãe das garotas. 

Em dezembro de 2004, com o fim o julgamento, as gêmeas se inscreveram para criar um cão com a CCI para agradecer O'Neill-Stephens e Jeeter. Elas receberam Alou e o levaram para aulas para filhotes, ajudaram-lhe a socializar e lhe ensinaram comandos.

Alou tinha quase 2 anos quando se despediu da família para receber treinamento avançado e ser deslocado para um tribunal. Mas ele acabaria por não seguir os comandos de múltiplos treinadores e retornou para a casa das gêmeas. "É como se ele nunca tivesse ido", disse Jordan, a outra gêmea. "Mamãe abriu a porta e ele veio correndo, pulou no carro e nos amou".  

"Eu acho que o destino dele era ser o cão de Erin e Jordan", diz Dempsey. Alou agora tem 9 anos e costuma dormir muito. "Mas até hoje ele se aproxima de quem está se sentindo mal e se aconchega em seus pés", acrescentou a mãe das gêmeas. 

Fonte: AP AP - The Associated Press. Todos os direitos reservados. Este material não pode ser copiado, transmitido, reformado o redistribuido.
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