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É preciso cultivar a amizade franco-alemã a cada dia, afirma Westerwelle

18 jan 2013 - 19h37
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Ministro alemão do Exterior, Guido Westerwelle, fala da importância do eixo Berlim-Paris na política europeia de união, por ocasião dos 50 anos do Tratado do Eliseu. E explica sua relação pessoal com a França.

No dia 22 de janeiro de 1963, o chanceler federal alemão Konrad Adenauer e o presidente francês Charles de Gaulle assinaram no Palácio do Eliseu, em Paris, o assim chamado Tratado da Amizade entre seus dois países.

Por ocasião do cinquentenário do evento, a Deutsche Welle entrevistou o ministro alemão do Exterior, Guido Westerwelle, no cargo desde 2009. O político de 51 anos, crescido na cidade renana de Bonn, é deputado do Bundestag desde 1996 e foi presidente do Partido Liberal Democrático (FDP) de 2001 a 2011.

Deutsche Welle: Senhor ministro do Exterior: 50 anos de Tratado do Eliseu, 50 anos de reconciliação entre a Alemanha e a França. O que isso significa para o nosso país?

Guido Westerwelle: Para começar, significa que, com a amizade franco-alemã, possuímos uma verdadeira joia em nosso tesouro europeu. Mas, naturalmente, também um verdadeiro pilar para nós, como nações. Basta considerar que existem cerca de duas mil parcerias entre cidades na Alemanha e na França, e logo fica clara quão ampla é a nossa relação. Além disso: um canal de TV franco-alemão, soldados que atuam juntos em brigadas comuns. Aquilo que se iniciou 50 anos atrás ganhou uma dinâmica realmente grandiosa.

Então a reconciliação assinada por De Gaulle e Adenauer foi a base dessa incrível história de sucesso neste continente?

Foi uma centelha inicial, que se transformou na base para a amizade entre os dois povos. Eu mesmo vivenciei o Centro Teuto-Francês da Juventude na Renânia, quando era jovem. Foram escritas histórias de sucesso realmente empolgantes – a forma como nós, jovens, fomos inspirados a iniciar amizades epistolares ou a visitar mutuamente os nossos países.

O senhor ainda vivenciou ressentimentos nessa época?

Sim, ainda vivenciei. Mas eu não falaria tanto de ressentimentos, e sim de luto ou consternação pelo que a Alemanha fez à França durante a Segunda Guerra Mundial. Presenciei isso quando acampei com amigos na Bretanha. Queríamos comprar algo numa pequena loja, e uma senhora de mais idade não quis nos servir. Ela foi para a dependência de trás e nós a ouvimos chorar. Então sua filha veio para a frente e disse: "Meninos, isso não tem nada a ver com vocês. É porque o marido da minha mãe, o meu pai, foi morto pelos alemães na Guerra Mundial".

Isso me aconteceu ainda na década de 70. Por sorte, não é mais o que marca as relações entre os nossos povos. Hoje, a Alemanha e a França, a França e a Alemanha olham acima de tudo para a frente, para o que podemos fazer juntos.

Vamos, porém, olhar mais uma vez para trás. Houve diversas duplas políticas, nestes 50 anos de cooperação franco-alemã. Charles De Gaulle-Konrad Adenauer, Helmut Schmidt-Valéry Giscard d'Estaing, Helmut Kohl-François Mitterrand, e também Gerhard Schröder-Jacques Chirac. O espantoso é que os políticos que se entenderam melhor foram os que atuaram para além das fronteiras partidárias. Isso também é parte do sucesso dessa parceria?

Acho que não há uma lei para isso, nem uma regularidade previsível. Depende sempre das personalidades. Eu mesmo noto isso, cooperando agora com outros ministros europeus do Exterior. Não se trata de partidos ou de política partidária. A questão é, antes de tudo, se as pessoas se entendem. Tivemos a sorte de que os responsáveis políticos na França e na Alemanha do pós-Guerra sempre encontraram – às vezes, após dificuldades iniciais – uma conexão pessoal muito estreita. E é assim que vai ser também agora.

Quer dizer, também com Angela Merkel e François Hollande. O senhor acredita que, depois dos primeiros atritos, eles também vão se tornar um par perfeito da política franco-alemã?

Acho bem possível. Vamos nos esforçar ao máximo para que dê certo. Com Alain Juppé – o antecessor do ministro do Exterior, Laurent Fabius, com outra filiação partidária – no início, eu tive as minhas discussões. Então surgiu uma relação de trabalho realmente excelente. Com Laurent Fabius temos uma cooperação muito estreita. Quando olho em torno, na Europa e no mundo, fico achando que poucas duplas políticas têm um intercâmbio tão estreito quanto a França e a Alemanha.

Isso quer dizer que atualmente o senhor também conferencia com seu colega de pasta Fabius – se não diariamente, pelo menos constantemente –, por exemplo a respeito do Mali?

Fazendo a média, eu diria que estamos em contato pessoal uma, duas vezes por semana, seja em conferências ou nas assim chamadas visitas bilaterais. Assim foi também nessa difícil decisão sobre o Mali. Antes, o ministro francês havia me descrito ao telefone a situação, do ponto de vista francês. No dia seguinte, começou a operação militar da França, a pedido do governo malinês. Depois trocamos novamente ideias, nos diferentes níveis e setores. Na segunda-feira, falamos novamente ao telefone. Isso deixa bem claro aos nossos espectadores que não se trata de conversas complicadas, estáticas, ritualizadas. Há também as cerimônias, há o tapete vermelho, às vezes há a parada e a recepção oficial protocolar. Mas, honestamente, não é isso que determina as nossas relações. Nossas relações são determinadas por muitas conversas e muito intercâmbio – amigável, mas por vezes também muito sério.

A Alemanha e a França sempre foram os motores dos avanços europeus. Foi o caso da Comunidade Econômica Europeia, de seis membros; da Comunidade Europeia, de 12; depois também da União Europeia, com seus 15 a 27 países-membros, em breve 28. O motor franco-alemão é essencial para os avanços europeus no sentido da união?

A França e a Alemanha são realmente uma condição sine qua non para cada passo de integração na Europa. Isso não significa que baste a Alemanha e a França estarem de acordo entre si – claro que não. Mas quando a Alemanha e a França não estão de acordo, então nada vai para a frente no processo europeu. Ainda assim é importante – uma vez que não vivemos mais na Europa Ocidental, e sim na Europa – incluirmos também, de forma estreita, os nossos outros parceiros e vizinhos.

Eu me empenho muito para que essa cooperação estreita entre Alemanha e França também inclua cada vez mais a Polônia, nossa grande vizinha do Leste. E já houve decisões muito importantes, por exemplo as aproximações entre a Polônia e a Rússia, a abertura das fronteiras em direção a Caliningrado. Essa não foi uma iniciativa nada óbvia quando se pensa na história de nossa região, especialmente diante do pano de fundo da culpa alemã. É visível que aqui a cooperação Paris-Berlim pode ser complementada de maneira muito inteligente através de uma parceria com Varsóvia. Também por isso eu ressuscitei o assim chamado Triângulo de Weimar e essa foi, acredito, uma boa decisão.

Essa é também a vontade dos poloneses?

A Polônia está muito interessada nessa cooperação estreita, o que se nota pelo fato de o ministro polonês do Exterior ter feito aqui em Berlim o que se considera o seu discurso sobre a Europa mais significativo.

Voltando ao que marca as nossas relações: só posso instar a todos a não encararem a amizade franco-alemã como algo óbvio. A não acreditar que terá de ser sempre assim pelo fato de ter se desenvolvido de forma tão positiva nas últimas décadas. Ela precisa ser cultivada a cada dia, assim é que é com as amizades. É preciso também se tratar mutuamente com respeito, sempre, a cada dia. Eu acho que a geração jovem, em especial, deveria se interessar muito pelo que acontece na Europa, sobretudo, é claro, na nossa vizinha e amiga, a França. E os jovens deveriam aproveitar a chance de viver, de aprender na Europa. Para a minha geração, ainda foi bem diferente, para nós isso não era algo natural.

Se eu pudesse viver minha vida mais uma vez, se fosse novamente jovem, se fosse à escola ou à universidade de novo, com certeza faria questão de viver um tempo em outras partes da Europa. Possivelmente na França. Faz diferença se a pessoa visita um país como turista, ou talvez por motivos de negócios ou profissionais – ou se realmente mergulha num país e, no sentido mais verdadeiro do termo, vivencia, cheira, sente o gosto e ouve a cultura. Esse encontro gera muito entendimento, e esse é o banco mais estável para a amizade franco-alemã. Políticos vão e vêm, governos vão e vêm, deputados só são deputados por prazo limitado. O que precisa permanecer é a amizade dos povos.

O senhor é renano – há quem diga até: renano convicto. Na sua juventude, a cultura francesa, por exemplo, o filme, a chanson, a literatura de Sartre a Camus, teve relevância, ou não teve qualquer influência sobre o senhor?

Teve grande relevância. Por diversos motivos, um autor chamado André Gide sempre me interessou. Acima de tudo, eu tinha amigos da mesma idade na França, na localidade de Étampes, ao sul de Paris. Lá também passei um Natal e tentei me virar com meu péssimo francês durante a festa. É uma lembrança que não se esquece, a vida inteira.

Também o fato de que na França se vive de forma muito mais tradicional e ciente das tradições do que na Alemanha?

Isso, por exemplo, foi uma coisa que me permaneceu na memória.

Que as pessoas tratam os avós de forma totalmente diferente do que estamos acostumados na Alemanha.

Na minha casa também era assim, e é de grande interesse, porque eu cresci no que se chama uma "família patchwork" [formada por casamentos diversos]. Assim, sempre houve o cuidado de que a coisa pelo menos não se esfacelasse em outros pontos. Mas eu vivi isso na França – pelo jeito como as pessoas se arrumavam – como a coisa era solene. Na França, começava-se a preparar uma festa como o Natal dias antes, também no aspecto culinário. Isso é inesquecível. E eram cidadãos bem normais, de classe média. É uma coisa que não se esquece: que carinho! E com que amor eles tratavam também a nós, rapazes alemães, era fascinante.

Seja como for, essa família sempre nos preservou de sermos logo confrontados com toda a brutalidade da história, numa idade tenra demais. Em vez disso, eles ficavam felizes que eu me desse bem com a filha e o filho, e nós fazíamos muitas coisas juntos. É uma coisa que não se esquece nunca. Isso me marcou muito, pessoalmente. Por isso, a amizade franco-alemã não é apenas um assunto como ministro do Exterior ou político, para mim é muito mais do que razão de Estado. Para mim é um capítulo de minha própria história de vida, e eu acredito que seríamos mais pobres sem ela.

Mesmo assim, o senhor não escapa de uma pergunta final: cozinha francesa ou italiana?

Ah, isso vai parecer muito careta, mas quando nós cozinhamos, gostamos de comida bem caseira, para dizer a verdade, bem alemã.

Muito obrigado pela conversa.

Entrevista: Alexander Kudascheff (av)

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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