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Mundo

Soldados desertam e moradores tomam cidade líbia de Tobruk

22 fev 2011 - 11h55
(atualizado às 12h16)
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O lado líbio da fronteira egípcia estava nesta terça-feira sob controle de rebeldes armados com cassetetes e fuzis Kalashnikov, que saudaram visitantes vindos do Egito, relatou um correspondente da Reuters que atravessou a fronteira, entrando na Líbia.

Homens carregam caixão no hospital Al-Jalaa, em Benghazi, em mais um dia de protestos na Líbia
Homens carregam caixão no hospital Al-Jalaa, em Benghazi, em mais um dia de protestos na Líbia
Foto: AP

Soldados líbios na cidade de Tobruk disseram que eles não apoiam mais o líder líbio, Muammar Kadafi, e confirmaram que o leste do país está fora do controle do governo. Moradores afirmaram que a cidade está agora em mãos do povo e vem sendo assim há três dias.

"Todas as regiões do leste estão agora fora do controle de Kadafi... O povo e o Exército estão lado a lado aqui", disse o agora ex-major do Exército Hany Saad Marjaa.

O correspondente relatou que, quando passava pela cidade de Musaid, no lado líbio da fronteira, um dos rebeldes ergueu de ponta-cabeça uma foto de Kadafi sobre a qual estava rabiscado "tirano açougueiro, assassino de líbios". Os rebeldes davam as boas-vindas aos carros e permitiam sua passagem pela fronteira.

O Exército do Egito disse que os guardas líbios da fronteira partiram e que o lado líbio da fronteira estava sob o controle de "comitês populares", sem dar detalhes sobre a fidelidade dos comitês.

Testemunhas disseram na terça-feira que Kadafi usou tanques, helicópteros e aviões de guerra para combater a revolta crescente. O líder veterano zombou de relatos segundo os quais estaria fugindo, depois de quatro décadas no poder.

As manifestações se espalharam para Trípoli, partindo de Benghazi, a segunda maior cidade do país e berço da revolta, que já chegou a várias cidades. Moradores de Benghazi dizem que a cidade agora está sob controle dos manifestantes.

Um líbio que não pôde ser identificado disse ao correspondente da Reuters em território líbio que Benghazi foi "libertada" no sábado de um batalhão pertencente a um dos filhos de Gaddafi.

Enquanto o correspondente passava de carro por um trecho de estrada no deserto, com ocasionais rebanhos de cabras e casinhas de tijolos, grupos de rebeldes com fuzis de assalto e espingardas nas mãos acenavam alegremente para os carros que passavam.

"Foto! Foto!", eles diziam, fazendo o sinal de V de vitória com os dedos e posando com suas armas. Um dos líbios, zombando do culto à personalidade cultivado por Gaddafi, apontou para uma pichação que dizia "nenhum Deus senão Alá".

As forças de segurança vêm reprimindo manifestantes com ferocidade em todo o país. Os combates explodiram no leste produtor de petróleo da Líbia na semana passada, em uma reação a décadas de repressão e após levantes que derrubaram líderes na Tunísia e no Egito, e depois chegaram a Trípoli.

"Isto é genocídio"
Falando à Reuters pelo telefone desde a cidade líbia de Al Bayda, um líbio descreveu nesta terça-feira como forças usando aviões e tanques mataram 26 pessoas durante a noite, incluindo seu próprio irmão.

Neste momento os líbios "estão com medo das próprias sombras," disse Marai Al Mahry, da tribo Ashraf, que identificou seu irmão morto como Ahmed Al Mahry.

"Isto é pior do que qualquer pessoa pode imaginar, é algo que nenhum humano pode compreender. Estão nos bombardeando com aviões, estão nos matando com tanques", disse Mahry, chorando incontrolavelmente enquanto apelava por ajuda.

Mahry acusou forças leais a Gaddafi de cometer matança indiscriminada nas ruas da cidade costeira situada a leste de Benghazi. "Eles atiram contra pessoas simplesmente por estarem andando na rua." Não foi possível obter confirmação independente de seu relato.

"A única coisa que nos resta fazer agora é não desistir, não nos rendermos, não voltar atrás. Vamos morrer de qualquer maneira, querendo ou não. Está claro que eles não se importam se vivemos ou não. Isto é genocídio", disse Mahry, 42 anos.

Descrevendo o clima de medo criado pela repressão, ele disse: "Os líbios estão com medo das próprias sombras. As crianças não conseguem dormir. É como se estivéssemos em outro planeta."

Ansioso por transmitir sua mensagem para o vizinho Egito e mais além, ele disse: "Peço às pessoas do mundo - peço aos egípcios - que rezem por nós, que se manifestem por nós."

Os novos governantes militares do Egito - que assumiram o poder após a derrubada do presidente Hosni Mubarak, em 11 de fevereiro - disseram que o principal ponto de travessia da fronteira ficará aberto 24 horas por dia para permitir a entrada de feridos e doentes.

Mundo árabe em convulsão

A onda de protestos que desbancou em poucas semanas os longevos governos da Tunísia e do Egito segue se irradiando por diversos Estados do mundo árabe. Depois da queda do tunisiano Ben Alie do egípcio Hosni Mubarak, os protestos mantêm-se quase que diariamente e começam a delinear um momento histórico para a região. Há elementos comuns em todos os conflitos: em maior ou menor medida, a insatisfação com a situação político-econômica e o clamor por liberdade e democracia; no entanto, a onda contestatória vai, aos poucos, ganhando contornos próprios em cada país e ressaltando suas diferenças políticas, culturais e sociais.

No norte da África, a Argélia vive - desde o começo do ano - protestos contra o presidente Abdelaziz Bouteflika, que ocupa o cargo desde que venceu as eleições, pela primeira vez, em 1999; mais recentemente, a população do Marrocos também aderiu aos protestos, questionando o reinado de Mohammed VI. A onda também chegou à península arábica: na Jordânia, foi rápida a erupção de protestos contra o rei Abdullah, no posto desde 1999; já ao sul da península, massas têm saído às ruas para pedir mudanças no Iêmen, presidido por Ali Abdullah Saleh desde 1978, bem como em Omã, no qual o sultão Al Said reina desde 1970.

Além destes, os protestos vêm sendo particularmente intensos em dois países. Na Líbia, país fortemente controlado pelo revolucionário líder Muamar Kadafi, a população entra em sangrento confronto com as forças de segurança; em meio à onda de violência, um filho de Kadafifoi à TV estatal do país para tirar a legitimidade dos protestos, acusando um "complô" para dividir o país e suas riquezas. Na península arábica, o pequeno reino do Bahrein - estratégico aliado dos Estados Unidos - vem sendo contestado pela população, que quer mudanças no governo do rei Hamad Bin Isa Al Khalifa, no poder desde 1999.

Além destes países árabes, um foco latente de tensão é a república islâmica do Irã. O país persa (não árabe, embora falante desta língua) é o protagonista contemporâneo da tensão entre Islã/Ocidente e também tem registrado protestos populares que contestam a presidência de Mahmoud Ahmadinejad, no cargo desde 2005. Enquanto isso, a Tunísia e o Egito vivem os lento e trabalhoso processo pós-revolucionário, no qual novos governos vão sendo formados para tentar dar resposta aos anseios da população.

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