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Distúrbios no Mundo Árabe

Síria e Líbia: semelhanças e diferenças em dois casos de intervencionismo

Em dificuldade para chegar a um consenso sobre como agir diante da crise síria, comunidade internacional tem a Líbia como exemplo de comparação

4 set 2013 - 16h11
(atualizado às 16h13)
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Cenário de devastação é comum na maior parte da Síria
Cenário de devastação é comum na maior parte da Síria
Foto: Reuters

À medida que as lideranças mundiais caminham na direção de uma intervenção militar na Síria, vêm à tona os problemas da legalidade, dos caminhos e das consequências de uma ação externa para conter um conflito interno. A situação síria, tornada crítica pelo uso de armas químicas contra a população civil, representa um delicado xadrez para a comunidade internacional, mas esta dispõe de um exemplo recente de comparação: a Líbia.

Em 2011, mesmo ano do início dos conflitos na Síria, também os líbios viviam sua manifestação própria da chamada 'Primavera Árabe'. Mas os protestos, tal como na Síria, logo evoluíram para violentos confrontos entre forças do regime e da oposição. Diferentemente da Síria, no entanto, cedo a Líbia se tornou alvo de uma intervenção, que durou mais de meio ano e teve como resultado a mudança de rumo do conflito, vencido pelos rebeldes que desafiavam o regime do coronel Muammar Kadafi.

Guerra civil em fotos
AFP

O Terra compilou alguns dos principais materiais fotográficos disponibilizados ao longo destes mais de dois anos de guerra na Síria. Cada imagem leva a uma galeria que conta um episódio específico ou remete a uma situação importante do conflito.

Origens e desenvolvimentos das guerras civis

Os protestos na Líbia começaram em fevereiro de 2011, cerca de um mês antes das manifestações na Síria. Politicamente, a situação de ambos os países era relativamente similar: a Líbia vivia havia 40 anos em um regime altamente centralizado e não constitucional liderado por Kadafi, ao passo que a Síria vive o mesmo tempo sob a égide dos Assad.

Diferentemente do curso dos eventos no país do Oriente Médio, todavia, rapidamente os conflitos tomaram forma de violentos confrontos entre as forças de Kadafi e dos rebeldes. 

Mais que isso: cedo se observou uma forte disparidade entre os lados do conflito. Embora saibamos que o Exército é muito mais forte que os rebeldes sírios, o gradiente de poder era mais radical na Líbia, de modo que, em poucas semanas, os insurgentes estavam sendo esmagados.

Além de uma situação humana relativamente mais drástica que na Síria, na Líbia também havia a diferença dos interesses externos. Na Síria, o presidente Assad é aliado de Rússia e China, e sua oposição é próxima de aliados das potências ocidentais. Na Líbia, o coronel Kadafi e seu governo autocrático já não mais nutriam grandes laços com as grandes potências ocidentais ou orientais, e todos - em especial os europeus - tinham interesse nas reservas de petróleo do país africano.

O corpo de Kadafi passou dias em exibição em Sirte, onde se formaram longas filas de líbios ansiosos para vê-lo
O corpo de Kadafi passou dias em exibição em Sirte, onde se formaram longas filas de líbios ansiosos para vê-lo
Foto: AFP

Desafios e resultados do intervencionismo na Líbia

Essas diferenças - de disparidade de forças, interesses em jogo e laços de aliança - permitiram que a comunidade internacional chegasse cedo a uma ação na Líbia. Em 17 de março, poucas semanas depois do início dos conflitos, o Conselho de Segurança se reuniu e aprovou a resolução 1973 que autorizava uma intervenção internacional para conter as contínuas mortes na Líbia. A resolução estabelecia um embargo de armas a Kadafi, criava uma zona de exclusão aérea no país, mas impedia que as forças internacionais enviassem tropas para o solo africano.

A resolução foi encabeçada por França e Reino Unido, a dupla europeia que mantém a postura mais favorável a uma intervenção hoje na Síria. Os Estados Unidos esquivaram-se do protagonismo, mas votaram a favor da resolução, que acabou aprovada com 10 votos a favor e cinco abstenções (levando em conta membros permanentes e rotativos). Rússia e China, que hoje bloqueiam qualquer resolução mais incisiva sobre a Síria, abstiveram-se da decisão líbia, abrindo caminho - mas não participando - da intervenção. (O Brasil também se absteve.)

Em termos de objetivo, aquilo a que a resolução 1973 se propôs e aquilo a que a comunidade ocidental hoje propõe compõem objetivos similares: interromper a chacina de civis, e não contribuir para a “mudança de regime”, como têm afirmado os Estados Unidos. Foi assim que, no dia 19 de março, aviões e navios se aproximaram da costa líbia e começaram a intervenção, liderada pela Otan.

Mas a intervenção líbia, ainda que destinada à interromper as mortes, foi decisiva para enfraquecer as tropas de Kadafi e, ao mesmo tempo, possibilitar que os rebeldes, recebendo ajuda independente internacional, se fortalecessem e avançassem sobre o oeste líbio dominado pelo coronel. Este novo ordenamento de forças durou meses e teve como ápice o outubro de 2011, que no dia 20 viu Kadafi ser encurralado e morto na cidade natal de Sirte, dias depois da queda de Trípoli para os rebeldes. A intervenção simbolicamente terminou no dia 31, pouco depois da queda de Kadafi.

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Menino chora após o ataque que, segundo a oposição, deixou centenas de mortos em Damasco
Menino chora após o ataque que, segundo a oposição, deixou centenas de mortos em Damasco
Foto: Reuters

Desafios e resultados de um intervencionismo na Síria

Assim, olhando em retrospecto, a intervenção líbia apresenta muitas semelhanças, mas essenciais diferenças com a possível intervenção síria. A Síria dificilmente será um caso de acordo no Conselho de Segurança, o que retira o respaldo da ONU para qualquer ação, que recairia sobre os ombros de um movimento multilateral independente, mais caro e certamente mais polêmico.

A intervenção líbia também durou vários meses, e nisso parece diferir essencialmente das principais especulações americanas, que falaram na sexta, 30 de agosto, em uma “ação limitada e estreita”. O objetivo é o mesmo: interromper a chacina de civis, mas isso poderia também configurar uma especial dificuldade na Síria. Encravado no coração do Oriente Médio, o país tem acesso mais complexo que a Líbia e suas maiores cidades estão a poucos quilômetros de outros importantes atores regionais, como Líbano, Turquia e Turquia. Essa contiguidade aumenta o grau de complexidade da intervenção e da necessidade de precisão da mesma.

E quais seriam a consequências da intervenção? E se a intervenção para “proteger a população” resultasse, pouco a pouco, no enfraquecimento das tropas de Assad e, pouco depois, na vitória rebelde? Que impactos isso traria às relações do Conselho de Segurança? E qual seria o destino de Assad e sua elite política numa Síria dos rebeldes? E como estes seriam julgados pelos crimes de que são acusados por Assad?

Isso compõe um quadro que talvez configure a principais diferença entre Líbia e Síria. Na Líbia, a ação foi tomada rapidamente e não permitiu que inúmeros casos de acusações mútuas de atrocidades compusessem um quadro complexo para a justiça do pós-guerra. E esse é o caso da Síria: renegada e ignorada, e incapaz de resolver sua própria crise, sua intervenção tem, ao menos em teoria, o poder de gerar consequências igualmente delicadas e polêmicas.

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Fonte: Terra
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