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Oriente Médio

Refugiados contam experiências de tortura e morte na Síria

7 jul 2011 - 18h28
(atualizado em 9/5/2013 às 17h26)
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Nizar A. tem 22 anos, é natural de Jisr al-Shoghour, no norte da Síria, e se tornou refugiado devido à violência no país, tomado por um levante popular que já dura quatro meses. Nas conversas com jornalistas e amigos, ele cita o irmão mais velho Bashir a todo instante. "Ele sempre foi minha inspiração, alguém ao qual sempre tentei seguir os passos. Queria ser como ele, ter a força e sabedoria que ele tinha", contou Nizar ao Terra, sem poder revelar seu nome completo por medo de represálias.

Nizar agora leva a foto de Bashir em seu bolso para "sempre lembrar de seguir seus passos". Há mais de três semanas, Bashir filmava os protestos pró-democracia em Jisr al-Shoghour quando foi preso e levado pelo Mukhabarat, palavra árabe para polícia secreta.

Bashir tinha 29 anos, era contábil e adorava praticar esportes, especialmente basquete. "Era um tipo de pessoa que gostava de todos, e todos gostavam dele. O maior sonho dele era casar, queria se apaixonar por alguém e ter filhos".

Nizar explicou que o irmão não gostava de injustiças, e quando o governo reprimiu com violência os protestos em Deraa, no sul do país, e outras cidades, Bashir resolveu tomar parte nas manifestações que exigem a saída do presidente Bashar al-Assad e reformas democráticas na Síria.

Sem informações dele por dias, a família ficou apreensiva. "Minha mãe passava mal, sentia angústia e eu tentava confortá-la". Sete dias após ter sido supostamente preso por policiais, a família estava toda reunida para assistir aos noticiários na TV estatal. Os corpos de um grupo de homens foram mostrados como sendo "terroristas" infiltrados e que supostamente tinha morrido em luta armada contra as forças de segurança.

"Foram citando os nomes deles um a um e de repente mostraram um deles, o rosto inchado e com marcas, nitidamente foi espancado. Não reconhecemos ele, mas quando disseram que o nome era Bashir, minha mãe começou a gritar, eu não entendi nada".

"Meu pai, que estava sentado em sua cadeira, começou a chorar em silêncio. Eu perguntava a ele o que houve, ele só me olhou e disse que aquele era meu irmão. Senti um calafrio, olhava aquela imagem na TV e ainda não acreditava, mas realmente era Bashir. Eles haviam matado meu irmão".

No dia seguinte, o líder local visitou a família e lhes informou que o corpo do jovem estava disponível para que o enterrassem. "Eu chorei a noite toda, e no dia seguinte fiz uma promessa a mim mesmo, de que o regime iria ter um outro Bashir protestante contra eles. Que eu continuaria a seguir seus passos", salientou.

Mas quando tanques e tropas do Exército sírio cercaram Jisr al-Shoghour, a família resolveu fugir para a o sul da Turquia. Os pais e irmãos mais novos foram para um campo de refugiados perto da fronteira. Nizar se juntou a outros ativistas fora dos campos para continuar a luta por democracia na Síria.

"Antes dos protestos, eu só tinha o sonho de me formar e ir trabalhar no exterior, buscar um futuro melhor. Mas agora quero ficar no país e fazer a diferença, mas não com esse regime", salientou Nizar , que estudava Educação Física em uma universidade em Latakia, na costa do país. "A Síria é maior que uma pessoa. E esse que se diz presidente dos sírios, não é mais importante que o bem da Síria", declarou Nizar.

Gritos de tortura

Há quatro meses, o presidente sírio Bashar al-Assad enfrenta protestos populares que exigem sua saída do poder, reformas democráticas e o fim do regime. Ele chegou ao poder no ano 2000 após a morte de seu pai, Hafez al-Assad, que liderou a Síria com mão de ferro por 30 anos.

O governo vem acusando os líderes dos protestos de serem apoiados por governos estrangeiros e que "gangues armadas e sabotadores" estão infiltrados entre os manifestantes. Segundo as autoridades sírias, mais de 300 integrantes das forças de segurança já morreram.

Mas ativistas e organizações de direitos humanos acusam a Síria de propagar mentiras e manipular a mídia do país, ignorando que as manifestações são pacíficas. De acordo com eles, mais de 2 mil pessoas já morreram desde o início das manifestações, em março. E que centenas de pessoas estão detidas em prisões sírias, sujeitas a torturas e abusos de seus direitos.

O comerciante Touram Abdel Hamid Wahud, 32 anos, mostra seu celular com uma feição de raiva. "Essa é nossa arma, é disso que o governo sírio está com medo. Não há gangues armadas, nem terroristas".

Ele é natural da pequena cidade de Kherbet al-Jouz, não longe de Jisr al-Shoghour, e contou que já foi preso arbitrariamente quatro vezes, sem qualquer acusação formal. "Eu nem sequer participei dos protestos. Na última vez eu estava passando em Jisr al-shoghour perto das manifestações quando fui abordado pela polícia. Sem dizer nada, me jogaram num carro, me vendaram e me levaram a uma prisão", disse.

Wahud revelou que de sua cela, junto com outros presos, ouvia gritos de pessoas e que um policial ria e dizia que eles seriam os próximos. "Eram pessoas sendo torturadas e o grito delas de horror era constante. Nossa tortura era psicológica, jamais esquecerei aqueles gritos de súplica".

Quando as tropas sírias chegaram ao norte do país, moradores de vilarejos próximos a Jisr al-Shoghour tiveram que deixar suas casas. "Eu fui solto uns dias antes, e quando voltei para casa, vi plantações em chamas perto da minha cidade. Uma das formas de punirem as famílias de uma região onde há protestos é queimar seu sustento".

Ele explicou que não teve dúvidas em fugir com sua mulher e filhos para a cidade turca de Guvaçi, na fronteira turca, onde tem alguns parentes. "Às vezes atravesso a fronteira clandestina para ver minha cidade, mas ainda é perigoso voltar com tantas tropas na região. Só volto com o fim do regime".

Solto por ser alawita

O jornalista Homam Haddad, 28 anos, também esteve por duas vezes em uma prisão síria, mas sua experiência foi menos traumática porque ele era alawita, o mesmo grupo sectário do presidente al-Assad.

Em 2007, Haddad foi preso e teve o primeiro contato com os curdos, grupo minoritário na Síria e que enfrenta repressão no país. "Na cela eu conversava com eles, que me contavam da vida difícil que levavam por não serem árabes, e como o governo, que se dizia secular, os discriminava".

Na prisão, Haddad também escutava os gritos de outros presos sendo torturados. "Aquilo me revoltou, mudou minha forma de pensar. Aquela não era a Síria que eu queria". "Uns dias depois, fui levado para ver um dos oficiais da prisão, que me interrogou. No fim, ele revelou que éramos parentes e deu um jeito para que eu fosse solto".

Quando os protestos pró-democracia começaram em março, haddad já trabalhava como jornalista em um pequeno jornal em Latakia, na costa síria. Ele foi às ruas registrar os protestos quando foi preso pela polícia secreta. "Levei chutes e socos, e constantemente diziam que eu era um traidor. Após sete dias, quando perceberam que eu era alawita, me soltaram".

O jornalista resolveu deixar o país e fugir para a Turquia, de onde tenta divulgar informações para a mídia internacional sobre o que está acontecendo na Síria. A mídia estrangeira está proibida de entrar no país, dificultando a verificação independente dos fatos. "Agora quero ajeitar meu status legal aqui na Turquia, ficar mais tranquilo e lutar pelo movimento democrático. Para a Síria não volto enquanto esse regime não cair".

Nizar estudava Educação Física em uma universidade em Latakia quando precisou deixar o país
Nizar estudava Educação Física em uma universidade em Latakia quando precisou deixar o país
Foto: Tariq Saleh / Especial para Terra

Fonte: Especial para Terra
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