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Distúrbios no Mundo Árabe

Presidente do Egito promete deixar o poder neste ano

1 fev 2011 - 21h01
(atualizado às 21h19)
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O presidente egípcio, Hosni Mubarak, disse na terça-feira que planeja deixar o cargo nos próximos meses, depois que um sucessor for eleito, o que não necessariamente irá aplacar a ira dos manifestantes que exigem sua renúncia imediata.

info infográfico distúrbios egito
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Foto: Reuters

Pelo menos 1 milhão de pessoas participaram de passeatas durante o dia em todo o país, aumentando a pressão pela renúncia do ex-brigadeiro de 82 anos, sendo 30 deles no poder. Na praça Tahrir (Libertação), no centro do Cairo, a multidão fez festa após o pronunciamento de Mubarak pela TV, mas também questionou se a oposição aceitará uma transição de vários meses. "Saia, saia", gritavam muitos, mostrando que a insistência de Mubarak em concluir seu quinto mandato não será bem recebida.

Com aspecto calmo, vestindo paletó e gravata, ele afirmou: "Digo com toda a honestidade e a despeito da atual situação que não pretendo me indicar para um novo mandato presidencial. Já passei anos suficientes da minha vida a serviço do Egito e do seu povo." "Estou agora absolutamente determinado a concluir meu trabalho pela nação de forma a assegurar a transferência da sua guarda e bandeira ... de preservar sua legitimidade e de respeitar a Constituição. Vou trabalhar nos meses restantes do meu mandato para tomar medidas que assegurem uma transferência pacífica de poder."

Mubarak já perdeu o apoio do seu principal aliado, os Estados Unidos, que o pressionaram a fazer uma transição para a democracia, nem que seja na eleição previamente agendada para setembro. Ele também pareceu ter perdido o aval incondicional do Exército, que declarou serem "legítimas" as exigências dos manifestantes. Mas seu apelo aos 80 milhões de egípcios pareceu ter sido programado para alcançar um público maior do que os jovens dissidentes urbanos que participam das passeatas, chegando a uma população que teme o caos e as mudanças. Ele acusou adversários de serem responsáveis por saques e distúrbios ocorridos na semana passada, e lembrou seu passado como militar na defesa do Egito durante guerras. Disse também que não irá deixar o país.

Efeito dominó

Sua eventual renúncia poderá reconfigurar o mapa político do Oriente Médio, com implicações em lugares como Israel e Arábia Saudita. Os distúrbios, que começaram no mês passado na Tunísia, antes de se alastrarem neste mês para o Egito, já começaram a ocorrer também na Jordânia e no Iêmen. A perspectiva de que afetem a produção de petróleo na Arábia Saudita e a operação dos portos no Egito fez com que o petróleo superasse a cotação de 100 dólares por barril. Na Jordânia, o rei Abdullah substituiu seu primeiro-ministro na terça-feira, reagindo a protestos populares.

A oposição egípcia, que abarca desde o proscrito grupo islâmico Irmandade Muçulmana até cristãos e intelectuais, começou a se aglomerar em torno da figura de Mohamed El Baradei, ganhador do Nobel da Paz por seu trabalho à frente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, um órgão da ONU), e que já se ofereceu como líder em uma eventual transição. ElBaradei disse na terça-feira que Mubarak deveria deixar o Egito antes que a oposição reformista inicie negociações com o governo a respeito do futuro do país, o mais populoso do mundo árabe. Seus seguidores propuseram a formação de um amplo conselho que seria encarregado de promover reformas constitucionais e supervisionar a realização de eleições livres.

"Pode haver diálogo, mas ele precisa vir depois de as exigências populares serem atendidas, e a primeira delas é que o presidente Mubarak saia", disse El Baradei à TV Al Arabiya. Avaliar a quantidade de manifestantes foi difícil. A Reuters estimou que a concentração na praça Tahrir tenha alcançado a marca de 1 milhão de pessoas, número que os organizadores pretendiam levar às ruas. "Mubarak, acorde! Hoje é o último dia!", gritavam alguns. Fotos do presidente foram "enforcadas" em semáforos. Na multidão havia homens, mulheres e crianças de todas as classes sociais, num sinal da amplitude da oposição a Mubarak. A manifestação foi também uma enfática rejeição à recente nomeação de Omar Suleiman, chefe dos serviços de segurança, para o cargo de vice-presidente, com a missão de abrir um diálogo com a oposição

Recado dos EUA

Analistas dizem que a transição já começou, mas que a cúpula militar deseja propiciar uma saída "elegante" a Mubarak. Os EUA e outros aliados ocidentais têm buscado um equilíbrio entre o apoio à democratização e o temor de que grupos islâmicos ocupem o vazio de poder. Tal perspectiva assusta também o governo de Israel, que tem no Egito um dos poucos governos árabes com os quais mantém relações diplomáticas. Mas a pressão sobre Mubarak vem também de outros países islâmicos. O primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, disse que o presidente egípcio deveria ouvir os anseios populares.

O clamor por democracia pode varrer toda a região, do Iêmen à Jordânia, do Marrocos à Arábia Saudita. "O que está acontecendo no Egito está realmente acendendo uma fogueira em toda a região", disse o analista Maha Azzam em Londres. "O problema é que o Ocidente dependeu por tempo demais desses regimes autoritários. Há muita raiva e agora ela está transbordando." Os manifestantes se inspiraram em parte pela rebelião popular que derrubou em janeiro o presidente da Tunísia, Zine al Abidine Ben Ali, após 23 anos no poder. Mas as várias décadas de repressão no Egito deixaram poucos líderes civis em condições óbvias de preencher o espaço eventualmente deixado por Mubarak.

A Irmandade Muçulmana inicialmente adotou uma posição discreta nos protestos, mas agora está ganhando destaque. Analistas dizem que ela pode ter bons resultados numa eventual eleição democrática. Pelo menos 140 pessoas já morreram desde o início dos protestos, na terça-feira passada, a maioria em confrontos entre policiais e manifestantes. O preço do petróleo, mais sensível indicador da inquietação do mercado a respeito do Oriente Médio, subiu. O barril do tipo Brent chegou a US$ 102, refletindo rumores de problemas nos portos egípcios.

Protestos convulsionam o Egito

A onda de protestos contra o presidente Hosni Mubarak, iniciados em 25 de janeiro, tomou nova dimensão no dia 29. O governo havia tentado impedir a mobilização cortando a internet, mas a medida não surtiu efeito. O líder então enviou tanques às ruas e anunciou um toque de recolher - ignorado pela população - e disse que não renunciaria. Além disso, defendeu a repressão e anunciou um novo governo, que buscaria "reformas democráticas". A declaração foi seguida de um pronunciamento de Barack Obama, que pediu a Mubarak que fizesse valer sua promessa de democracia.

O governo encabeçado pelo premiê Ahmed Nazif confirmou sua renúncia na manhã de sábado. Passaram a fazer parte do novo governo o premiê Ahmed Shafiq, general que até então ocupava o cargo de Ministro de Aviação Civil, e o também general Omar Suleiman, que inaugura o cargo de vice-presidente do Egito - posto inexistente no país desde o início do governo de Mubarak, em 1981. No domingo, o presidente egípcio se reuniu com militares e anunciou o retorno da política antimotins. A emissora Al Jazeera, que vinha cobrindo de perto os tumultos, foi impedida de funcionar.

Enquanto isso, a oposição segue se articulando em direção a um possível novo governo para o país. Em um dos momentos mais marcantes desde o início dos protestos, ElBaradei discursou na praça Tahrir e garantiu que "a mudança chegará" para o Egito. Na segunda-feira, o principal grupo opositor, os Irmãos Muçulmanos, disse que não vão dialogar com o novo governo. Depois de um domingo sem enfrentamentos, os organizadores dos protestos convocaram uma enorme mobilização para a terça, dia 1º de fevereiro. Uma semana após o início dos protestos, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, disse que informações não confirmadas sugerem que até 300 pessoas podem ter morrido e que há mais de 3 mil feridos do país.



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