Manifestações na Líbia deixam 300 mortos, entre eles 111 militares
Os atos de violência na Líbia deixaram 300 mortos, incluindo 111 militares, segundo os primeiros dados oficiais apresentados na noite desta terça-feira em uma coletiva de imprensa por um porta-voz do ministério do Interior.
Cerca de metade das mortes (104 civis e 10 militares) ocorreram na segunda maior cidade do país, Benghazi, situada mil km a leste de Trípoli e foco da insurreição, em Al Baida (18 civis e 63 militares) e em Derna (29 civis e 36 militares).
Estes são os primeiros dados oficiais relativos às vítimas da rebelião popular iniciada há uma semana. "A calma foi restabelecida na maioria das grandes cidades e as forças de segurança e do exército recuperaram suas posições", disse Mohammed Zwei, presidente do Congresso Geral do Povo (Parlamento), na mesma coletiva de imprensa.
Zwei confirmou ainda a criação de uma comissão para investigar a violência envolvendo as manifestações contra o regime do coronel Muamar Kadhafi a partir de 15 de fevereiro, como informou na véspera Seif al Islam, filho do líder líbio.
Mas segundo Zwei, "as atuais condições não permitem a realização de uma sessão do Parlamento para discutir as reformas" anunciadas por Seif al Islam e envolvendo o código da imprensa, o código penal, a organização da sociedade civil e a Constituição.
Na mesma coletiva, Jebril El Kadiki, número dois do Estado-Maior das Forças Armadas, anunciou que depósitos de armas e munições foram bombardeados nas proximidades das cidades de Rajma, Ajdabia, Al Gueriet, Zenten e Mezda.
El Kadiki garantiu que tais depósitos estavam em "zonas desertas, onde não havia casas". O ataque aos depósitos foi comunicado na véspera por Seif al Islam, ao desmentir o bombardeio contra as cidades de Trípoli e Benghazi.
A entrevista ocorre horas após Kadafi jurar, em um discurso transmitido pela televisão, que irá restabelecer a ordem, mesmo que isto exija uma repressão sangrenta.
Segundo testemunhas contactadas pela AFP, a violência concentrada primeiro em Benghazi alcançou a capital no domingo à noite, enquanto em Benghazi a paz voltou a reinar na segunda-feira.
De acordo com a organização Human Rights Watch (HRW), que citava nesta terça-feira à tarde dois hospitais da capital, a repressão deixou "pelo menos 62" mortos em Trípoli desde domingo.
O ministro do Interior, Abdel Fatah Yunes, anunciou sua demissão na noite desta terça-feira e sua adesão "à revolução", segundo imagens divulgadas pela rede de televisão Al Jazeera, mas o porta-voz do ministério não citou esta questão.
Mundo árabe em convulsão
A onda de protestos que desbancou em poucas semanas os longevos governos da Tunísia e do Egito segue se irradiando por diversos Estados do mundo árabe. Depois da queda do tunisiano Ben Alie do egípcio Hosni Mubarak, os protestos mantêm-se quase que diariamente e começam a delinear um momento histórico para a região. Há elementos comuns em todos os conflitos: em maior ou menor medida, a insatisfação com a situação político-econômica e o clamor por liberdade e democracia; no entanto, a onda contestatória vai, aos poucos, ganhando contornos próprios em cada país e ressaltando suas diferenças políticas, culturais e sociais.
No norte da África, a Argélia vive - desde o começo do ano - protestos contra o presidente Abdelaziz Bouteflika, que ocupa o cargo desde que venceu as eleições, pela primeira vez, em 1999; mais recentemente, a população do Marrocos também aderiu aos protestos, questionando o reinado de Mohammed VI. A onda também chegou à península arábica: na Jordânia, foi rápida a erupção de protestos contra o rei Abdullah, no posto desde 1999; já ao sul da península, massas têm saído às ruas para pedir mudanças no Iêmen, presidido por Ali Abdullah Saleh desde 1978, bem como em Omã, no qual o sultão Al Said reina desde 1970.
Além destes, os protestos vêm sendo particularmente intensos em dois países. Na Líbia, país fortemente controlado pelo revolucionário líder Muamar Kadafi, a população entra em sangrento confronto com as forças de segurança; em meio à onda de violência, um filho de Kadafifoi à TV estatal do país para tirar a legitimidade dos protestos, acusando um "complô" para dividir o país e suas riquezas. Na península arábica, o pequeno reino do Bahrein - estratégico aliado dos Estados Unidos - vem sendo contestado pela população, que quer mudanças no governo do rei Hamad Bin Isa Al Khalifa, no poder desde 1999.
Além destes países árabes, um foco latente de tensão é a república islâmica do Irã. O país persa (não árabe, embora falante desta língua) é o protagonista contemporâneo da tensão entre Islã/Ocidente e também tem registrado protestos populares que contestam a presidência de Mahmoud Ahmadinejad, no cargo desde 2005. Enquanto isso, a Tunísia e o Egito vivem os lento e trabalhoso processo pós-revolucionário, no qual novos governos vão sendo formados para tentar dar resposta aos anseios da população.