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África

Kadafi lança feroz repressão para salvar regime que afunda

21 fev 2011 - 17h47
(atualizado às 19h03)
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O regime líbio do coronel Muamar Kadafi, no poder há 42 anos, lançou nesta segunda-feira uma feroz repressão para tentar sufocar uma rebelião que tomou o controle de várias cidades e provocou deserção no seio do governo.

Imagem obtida pelo Facebook mostra um homem segurando um cartucho vazio provavelmente na cidade de Benghazi
Imagem obtida pelo Facebook mostra um homem segurando um cartucho vazio provavelmente na cidade de Benghazi
Foto: Reuters

A televisão estatal anunciou uma operação das forças de segurança "contra os sabotadores e os que semeiam o terror", durante a qual "várias pessoas morreram", sem informar o local dos confrontos ou o número de falecidos.

Moradores de Trípoli, onde no último domingo foram registrados ataques contra meios de comunicação e prédios oficiais, denunciaram um "massacre" nos bairros de Tayura e Fashlum, da capital.

O filho de Kadafi, Saif al Islam, havia intimado poucas horas antes os líbios a acabar com a rebelião. "Dirijo-me a vocês pela última vez antes de recorrer às armas", disse Al Islam, antes de advertir que a Líbia não é "Tunísia nem Egito", em referência às revoluções que provocaram nestes países nas últimas semanas a queda de outros regimes autoritários.

A estimativa de mortos desde o início da revolta, do dia 15 de fevereiro até as primeiras horas desta segunda-feira, ia de 230 (segundo a Human Rights Watch) a cerca de 300 a 400 (segundo a Federação Internacional de Direitos Humanos).

Em Tobruk, perto da fronteira com o Egito, dez egípcios morreram baleados por "grupos armados de mercenários líbios", indicou à AFP um médico egípcio, citando compatriotas que fugiram do país em conflito.

No outro extremo do país, tunisianos que deixaram a Líbia informaram à AFP que os policiais de Zauia haviam desertado e que esta região, a 60 km a oeste de Tripoli, estava mergulhada no caos.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, instou Kadafi em uma conversa por telefone a "cessar imediatamente" a violência, informou o porta-voz de Ban, Martin Nesirky.

O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, urgiu as autoridades líbias a pôr fim à repressão contra civis desarmados e a responder às "aspirações" legítimas da população a uma mudança democrática.

O filho de Kadafi reconheceu nesta segunda-feira que em Benghazi (leste) "os tanques se deslocam conduzidos por civis" e que em Al-Baida (leste) "as pessoas estão armadas de fuzis e diversos depósitos de munições foram saqueados".

Os confrontos chegaram no domingo à capital, onde a multidão saqueou as instalações de uma rede de televisão e de uma rádio públicas e incendiou delegacias e prédios do governo.

A rebelião provocou discórdia na cúpula do regime: o ministro da Justiça, Mustafá Abdel Yalil, renunciou ao cargo para protestar contra "o uso excessivo da força" na repressão aos protestos, e pelo menos três diplomatas líbios no exterior fizeram o mesmo desde domingo.

Kadafi não fez nenhuma declaração pública desde o início dos protestos, e nesta segunda-feira o ministro britânico das Relações Exteriores, William Hague, disse em Bruxelas que o coronel líbio poderia ter fugido de seu país e ido para a Venezuela, embora as autoridades venezuelanas tenham desmentido esta versão.

O vice-ministro líbio das Relações Exteriores, Khaled Kaim, afirmou durante à noite a uma rede de televisão que Kadafi segue na Líbia.

As embaixadas europeias na Líbia "estão coordenando" desde domingo à noite "a saída dos cidadãos europeus que assim o desejarem", explicou a ministra espanhola de Relações Exteriores, Trinidad Jiménez, ao término de uma reunião com representantes da União Europeia (UE) em Bruxelas.

Os Estados Unidos ordenaram a todo o seu pessoal não essencial a abandonar a Líbia e advertiram aos cidadãos americanos que evitem viajar a este país.

A situação na Líbia, um país produtor de petróleo, aumentou os temores sobre o abastecimento, fazendo o barril ser negociado nesta segunda-feira acima dos US$ 105 em Londres, pela primeira vez desde setembro de 2008.

As bolsas europeias registraram baixas importantes, que chegaram a 3,59% em Milão, como consequência da revolta de um dos maiores sócios comerciais da Itália no setor do petróleo e bancário.

A agência de classificação de riscos Fitch rebaixou, por sua vez, em um grau a nota da dívida soberana da Líbia, de BBB+ a BBB, devido à "crescente revolta popular" contra o regime de Kadafi.

Mundo árabe em convulsão

A onda de protestos que desbancou em poucas semanas os longevos governos da Tunísia e do Egito segue se irradiando por diversos Estados do mundo árabe. Depois da queda do tunisiano Ben Alie do egípcio Hosni Mubarak, os protestos mantêm-se quase que diariamente e começam a delinear um momento histórico para a região. Há elementos comuns em todos os conflitos: em maior ou menor medida, a insatisfação com a situação político-econômica e o clamor por liberdade e democracia; no entanto, a onda contestatória vai, aos poucos, ganhando contornos próprios em cada país e ressaltando suas diferenças políticas, culturais e sociais.

No norte da África, a Argélia vive - desde o começo do ano - protestos contra o presidente Abdelaziz Bouteflika, que ocupa o cargo desde que venceu as eleições, pela primeira vez, em 1999; mais recentemente, a população do Marrocos também aderiu aos protestos, questionando o reinado de Mohammed VI. A onda também chegou à península arábica: na Jordânia, foi rápida a erupção de protestos contra o rei Abdullah, no posto desde 1999; já ao sul da península, massas têm saído às ruas para pedir mudanças no Iêmen, presidido por Ali Abdullah Saleh desde 1978, bem como em Omã, no qual o sultão Al Said reina desde 1970.

Além destes, os protestos vêm sendo particularmente intensos em dois países. Na Líbia, país fortemente controlado pelo revolucionário líder Muamar Kadafi, a população entra em sangrento confronto com as forças de segurança; em meio à onda de violência, um filho de Kadafifoi à TV estatal do país para tirar a legitimidade dos protestos, acusando um "complô" para dividir o país e suas riquezas. Na península arábica, o pequeno reino do Bahrein - estratégico aliado dos Estados Unidos - vem sendo contestado pela população, que quer mudanças no governo do rei Hamad Bin Isa Al Khalifa, no poder desde 1999.

Além destes países árabes, um foco latente de tensão é a república islâmica do Irã. O país persa (não árabe, embora falante desta língua) é o protagonista contemporâneo da tensão entre Islã/Ocidente e também tem registrado protestos populares que contestam a presidência de Mahmoud Ahmadinejad, no cargo desde 2005. Enquanto isso, a Tunísia e o Egito vivem os lento e trabalhoso processo pós-revolucionário, no qual novos governos vão sendo formados para tentar dar resposta aos anseios da população.

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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