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China "troca" pandas por recursos e tecnologia de outros países

26 set 2013 - 11h25
(atualizado às 12h51)
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A política chinesa de empréstimo ou aluguel de pandas como forma de incrementar ou manipular relações com outros países entrou em uma nova fase. A afirmação é de estudiosos da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e consta em um estudo divulgado na publicação científica Environmental Practice.

Segundo eles, diferentemente do passado, o empréstimo de pandas está hoje muito mais condicionado a contrapartidas comerciais, e essa tendência deve aumentar daqui para frente. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram os empréstimos de pandas que ocorreram nos últimos 50 anos bem como as trocas comerciais externas da China desde 2008.

Naquele ano, um terremoto devastou o principal centro de preservação desses animais da província de Sichuan (centro do país), e muitos ursos tiveram de ser transferidos de volta à região para impedir a extinção da espécie.

A equipe de estudiosos descobriu que, depois de 2008, os empréstimos de pandas coincidiram com a homologação de acordos comerciais por recursos valiosos e por tecnologia.

Para os especialistas, essa mudança na "diplomacia de pandas" é baseada no conceito de "guanxi", um termo chinês usado para descrever as redes personalizadas de influência, confiança, reciprocidade e lealdade.

Desde a fundação do Partido Comunista da China por Mao Tsé-tung, que usava pandas para facilitar discussões políticas com outros países, o animal se tornou um tesouro nacional no gigante asiático.

Além de símbolos da preservação ambiental, os pandas são considerados excelentes ferramentas de marketing, capazes de turbinar a marca de qualquer zoológico.

Foi o que aconteceu recentemente no zoológico de Edimburgo, na Escócia. A panda gigante Tian Tian, importada da China, tornou-se uma celebridade, e o mundo vem acompanhando com atenção sua gestação.

Laços fortalecidos

Segundo a responsável pela pesquisa, Kathleen Buckingham, dividir os cuidados com um animal tão precioso fortalece os laços que a China tem com um círculo seleto de países.

"De muitas maneiras, a China está testando a capacidade tecnológica global por meio de empréstimos de pandas. Os Estados Unidos provaram sua capacidade tecnológica para a China com o nascimento de um filho de panda em solo americano. Será que Edimburgo pode fazer o mesmo?"

O zoológico de Edimburgo recebeu os pandas em 2011. Um montante anual pré-acordado, pago ao governo chinês, é destinado a projetos de conservação de pandas gigantes na natureza.

Pouco depois de a transferência dos pandas ocorrer, alegam os pesquisadores, acordos comerciais com um valor aproximado de 2,6 bilhões de libras (cerca de R$ 9,2 bilhões) foram fechados entre a Escócia e a China envolvendo a venda de salmão, tecnologias de energia renovável e veículos da marca Land Rover.

Um porta-voz do governo da Escócia afirmou à BBC News que "fortalecer nossa relação trará benefícios substanciais aos dois países. Nós estamos comprometidos a trabalhar duro para aprofundar os laços existentes e estabelecer novas áreas de cooperação - uma abordagem que até agora está rendendo frutos".

Acordos de urânio

Com o acordo multimilionário para a venda de salmão à China, a Escócia desbancou a Noruega, que abastecia o país asiático com o peixe havia duas décadas.

Os estudiosos atribuem a preferência do governo chinês pelos escoceses à concessão do Nobel da Paz (o vencedor do prêmio é escolhido por um comissão norueguesa) ao dissidente chinês Liu Xiaobo, que está preso. Após o ocorrido, a relação entre os dois países ficou tensa.

Os pesquisadores também afirmaram no levantamento que os empréstimos de pandas ao Canadá, à França e à Austrália coincidiram com acordos de comércio de urânio, material que a China precisa para elevar sua capacidade nuclear nas próximas quatro décadas.

Em 2011, o Japão recebeu da China dois pandas, e os dois países afirmaram que esperam que o empréstimo possa melhorar as relações azedadas por uma disputa envolvendo duas ilhas no Pacífico.

"Além de facilitar a negociação de um acordo, o panda representa o início da construção de uma relação próspera e longa. Se um panda é dado a um país, pode não significar o fechamento de um negócio, mas o começo de uma relação, dado que se trata de um animal precioso e ameaçado de extinção", disse Buckingham.

Ela defende que os empréstimos de pandas são um expediente usado pela China para ganhar influência via soft power por meio de um selo visual global de aprovação.

"Desde 2008, a China precisou trazer de volta para casa alguns dos pandas que havia emprestado a outros países. O episódio tornou evidente os ganhos não tangíveis para a China dos empréstimos desses animais", disse Buckingham à BBC News.

Para Dean Cheng, da Heritage Foundation, um centro de estudos conservador em Washington, nos Estados Unidos, "não surpreende que a China use esse tipo de recurso a seu favor. Se isso levar à preservação dos pandas, é uma boa coisa. Ao mesmo tempo, os chineses podem se aproveitar do manto de responsabilidade ambiental".

Transparência

O empréstimo para o zoológico de Edimburgo foi o primeiro do gênero em 17 anos. Os pandas chegaram em um voo fretado, e a chegada teve até cobertura da imprensa.

A atmosfera positiva criou a configuração perfeita para acordos comerciais subsequentes, diz Henry Nicholls, autor do livro "The Way of the Panda: The Curious History of China's Political Animal" ("O Caminho do Panda: A História Curiosa do Animal Político da China", em tradução livre).

Mas Nicholls argumenta que o capital ambiental de tais empréstimos é "dúbio", dada a falta de transparência sobre a destinação dos recursos financeiros relativos a transferência desses animais.

"Nós sabemos mais ou menos para onde vai o dinheiro, mas será que o zoológico tem conhecimento sobre como esse montante é discriminado e se ele é aplicado da maneira mais benéfica possível? Não temos a menor ideia disso."

Ele acrescenta que a influência da China sobre outros países continuará a se fortalecer à medida que o país levar a diplomacia dos pandas a um novo nível.

"A expansão da China ao redor do mundo - e seu uso de pandas - se tornou óbvia ainda que a motivação para os empréstimos permaneça nebulosa. Não se trata mais de um expediente com fins de preservação, mas com ambições políticas e econômicas."

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