Com participação de brasileiro, concerto homenageia vítima do 11/9
- Felipe Schroeder Franke
Herman Sandler se encontrava em seu escritório da Torre Sul do World Trade Center quando, às 8h46 do dia 11 de setembro de 2001, o voo 11 da American Airlines atingiu a Torre Norte. Sandler, ainda sem saber ao certo como reagir, disse aos seus empregados que podiam ir embora. Alguns ficaram; ele também. Pouco depois, o voo 175 da United Airlines atingiu a torre, abaixo do andar onde estavam. O empresário, alguns funcionários e mais centenas ficaram presos no prédio, que desabou às 9h59.
Hoje, 10 anos depois da tragédia, o seu nome voltará ao público de Nova York com o concerto Trio No. 2 - In memory of Herman Sandler, escrito pelo compositor americano Stanley Silverman. A peça será executada pelo trio Kalichstein-Laredo-Robinson e contará com a presença do cantor Sting. A première, marcada para os dias 14 e 15 de setembro no Kaufmann Concert Hall, será o resultado de uma década de trabalho Silverman ao lado de Rodrigo Bustamante, amigo e músico brasileiro.
A ideia da homenagem a Sandler partiu de Ben Silverman, filho do compositor. "Um amigo da família, meu mentor, e um grande incentivador das artes; um dos homens mais generosos, divertidos e gentis que eu e meu pai já conhecemos", resume o pupilo, produtor televisivo das séries The Office e Ugly Betty. No dia do atentado, Ben estava em Los Angeles, quando recebeu por telefone a notícia das Torres Gêmeas e da morte de Sandler. "Nós (eu e meu pai) ficamos ávidos por fazer algo em sua memória".
A gestação da obra não foi linear. "Por volta de 2001 e 2002, o primeiro rascunho (da composição) estava muito triste, um pouco descaracterizado, pois muito da minha música contém alegria. O trio recusou-se a tocar, disseram que a música estava torturante. Então voltei a trabalhar nela e por uns oito, dez anos procurei torná-la mais feliz, dando-lhe mais vida e menos tristeza", conta Stanley Silverman. "De um modo geral, era como se a vida retornasse à canção".
Stanley credita grande parte do processo da composição a Rodrigo Bustamante, violinista brasileiro natural de Minas Gerais e morador do Rio Grande do Sul. No período após o atentado, Rodrigo fazia mestrado em Nova York. Foi quando conheceu e se fascinou pela obra de Stanley, de quem acabou gravando In Celebration, peça escrita também em homenagem a figuras históricas dos Estados Unidos.
Vislumbrando o longo caminho que a composição lhe reservava, Silverman convidou Rodrigo para lhe ajudar na organização da obra. Trabalhando de seu apartamento em Porto Alegre, Rodrigo passou anos recebendo envelopes com as observações e avanços na peça. Em 2009, os pentagramas começaram a ser transpostos para o computador. E a peça, à medida que os 10 anos do atentado se aproximavam, começava a tomar forma definitiva.
"É uma peça que tem trechos de extrema vanguarda, complexos, e outros mais tonais, ou seja, com uma harmonia mais tradicional. É uma peça de audição complexa, que exige não somente sentar, ouvir e gostar; tem uma dramaticidade muito forte", analisa o violinista, que considera a composição "totalmente do século XXI".
Tal qual peça moderna, característico do Trio No. 2 é a mistura de estilos e influências, que abrangem desde o erudito moderno até o pop. Exemplo é o cantor Paul Simon, cuja canção You can call me Al é referência explícita para Les Folies d'Al, o sétimo e último movimento do Trio. Há também a inserção de ritmos espanhóis na Guajira y Fuga, terceiro movimento, em lembrança à música latina presente nas rádios de Nova York.
A participação de Sting ocorre no quarto movimento, Introduction & Lute Song, que evoca o poema Fear no more the heat o' the sun (Não temas mais o calor do sol), da comédia Cymbaline, de William Shakespeare. "É uma oração", diz Stanley, e "pertence à parte triste". Na peça, Shakespeare usa o poema na oração funeral de um herói morto.
Ouvinte privilegiado, Bustamante avalia que "é óbvio que o caráter (do Trio) é mais sombrio. Tu vais ter momentos de músicas que serão muito agradáveis, mas ela tem um caráter dramático muito forte". A avaliação não deixa de destoar do conceito que Silverman acredita ter concedido à obra, que, segundo ele próprio, passou por um importante processo para se tornar "mais feliz".
Esta passagem do pesar à alegria poderá espelhar o próprio semblante de Nova York e seus habitantes que se preparam para, dentro de poucos dias, celebrar o renascimento da vida após os atentados. Como o próprio prefeito Michael Bloomberg declarou na última semana sobre a superação dos traumas do terrorismo: "Nova York ressuscitou mais rápido do que ninguém acreditava ser possível".
Rápido ou não, para Stanley e Rodrigo o processo também levou 10 anos.