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Brasileiras falam de onda de violência contra mulheres no Egito

A onda de assédios sexuais a mulheres no Egito vem aumentando nos últimos anos, ganhando mais destaque na mídia após a revolução que derrubou o antigo regime, em 2011

19 fev 2013 - 14h28
(atualizado em 9/9/2013 às 13h53)
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Um vídeo filmado por uma pessoa na praça Tahrir, no centro do Cairo, há uma semana, se espalhou rapidamente pela internet - a cena chocante mostrava o que parecia ser um estupro coletivo de uma jovem egípcia por pelo menos 10 homens e a tentativa de outro grupo de rapazes para salvá-la. Em seguida, uma batalha generalizada entre os dois lados e alguns homens tirando as próprias roupas para cobrir a vítima.

A onda de assédios sexuais a mulheres no Egito vem aumentando nos últimos anos, ganhando mais destaque na mídia após a revolução que derrubou o antigo regime, em 2011. Organizações de direitos da mulher vêm denunciando casos de ataques e estupros em meio a protestos contra o governo, algumas vezes violentos. Três brasileiras no Egito contaram ao Terra sobre o ambiente para as mulheres no país.

<p>Susy Sobrinho, 45 anos, em foto na praça Tahrir, em 2011; brasileira natural de Recife não pensa em deixar o Egito</p>
Susy Sobrinho, 45 anos, em foto na praça Tahrir, em 2011; brasileira natural de Recife não pensa em deixar o Egito
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Segundo a Anistia Internacional, a maioria de meninas e mulheres – independente de idade, classe social ou estado civil – já passou por algum tipo de assédio verbal ou físico nas ruas ou em transportes coletivos no Cairo.

“Tenho receio até de sair de dia sozinha, mas a maioria dos casos de ataques sexuais parecem ocorrer à noite. Eu pessoalmente não costumo sair à noite”, disse Susy Sobrinho, 45 anos, natural de Recife. No Egito há seis anos, Susy falou que grandes grupos de pessoas costumam passar em frente à sua casa a caminho dos locais de proterstos contra o governo do presidente Mohamed Mursi. Em alguns casos, mulheres são atacadas no trajeto, em outros, na praça Tahrir e outros locais de manifestações.

Susy disse que assistiu ao vídeo do estupro coletivo e que causou uma grande revolta na sociedade egípcia e entre estrangeiros que moram no país. “Tive uma sensação de impotência e revolta pelo ato animalesco daqueles homens. Foi uma atitude primitiva”, desabafou ela.

Ela contou que o clima nas ruas com a violência dos protestos antigoverno e ataques sexuais a mulheres deixou uma sentimento de insegurança. Embora se sinta desconfortável com a situação, ela não pensa em deixar o país por enquanto.

“Estava aqui durante a revolução de 2011, e vivi dias de extrema intranquilidade e instabilidade. Por enquanto fico por aqui, tomando medidas preventivas em relação à segurança pessoal”.

Democracia e caos

Susy contou que já sofreu assédio quando veio morar no Egito, mas depois aprendeu a prevenir, evitando certos locais. “Como estrangeira fica mais fácil, mas egípcias, infelizmente estão naturalmente mais expostas”.

A mídia no Egito vêm relatando testemunhos variados, incluindo a alegação de uma mulher que teria tido cortes de lâmina em seus genitais durante um ataque. Na internet, há centenas de imagens de celulares que mostram mulheres sendo cercadas por um grande número de homens, levadas e atacadas sexualmente. 

"Eu sinto as pessoas mais violentas, não respeitam a polícia e acham que podem fazer o que bem entendem, já que não há mais a repressão como havia com o antigo regime", enfatizou a brasileira.

<p>Elaine Magossi com o marido e a filha: "A cultura aqui é diferente"</p>
Elaine Magossi com o marido e a filha: "A cultura aqui é diferente"
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Para a paulistana Elaine Magossi, 38 anos, moradora de Borg al Arab, a 80 km de Alexandria, a segunda maior cidade do Egito, o aumento de tantos ataques a mulheres está no caos em que o país mergulhou por seguiur um modelo de democracia ocidental.

"A cultura aqui é diferente, e democracia como temos no Ocidente só trouxe um pensamento de que cada um pode fazer o que bem entende. Não há limites, não há uma imposição do governo. Ironicamente, a democracia trouxe caos", disse Elaine ao Terra.

Também há seis anos no país, e casada como egípcio, Elaine explicou que mora em uma região de forte influência salafista (islâmicos conservadores), o que inibiria “arruaceiros e criminosos”. “Aqui não houve relatos de ataques sexuais a mulheres, mas há insatisfação e violência por conta dos protestos”.

Mas apesar da relativa tranqulidade a mulheres, ela também toma precauções e evita andar sozinha em público, especialmente à noite.

Vigilantes

Estudante de Relações Internacionais, Fernanda Georg, 23 anos, natural do Rio de Janeiro, revelou que, apesar da violência no Egito, leva praticamente a mesma vida do que aquela antes da revolução, embora a "sensação de segurança de antes fosse maior".

"À noite, procuro sempre pegar alguma carona com amigos para voltar para casa e não frequento mais a Tahrir com a regularidade de antes. Tenho medo dos extremos, como lugares ou ruas vazias ou áreas muito cheias, com multidões", falou Fernanda.

De acordo com ONGs locais e a Anistia Internacional, 83% das mulheres egípcias já passaram por algum tipo de assédio sexual – de comentários obscenos a contatos físicos forçados. Os locais dos ataques variam, de estações de metrô a áreas próximas a mesquitas e igrejas. 

Testemunhas relataram casos de mulheres que tiveram suas roupas e véus islâmicos rasgados, locais íntimos tocados e, em casos mais extremos, foram despidas e tocadas por “dezenas de mãos” ou estupradas por penetração de objetos ou dedos.

O crescimento no número de ataques sexuais levou partidos políticos de oposição e grupos de direitos humanos a lançar duras críticas ao governo, acusando-o de não fazer o bastante para garantir a segurança de mulheres. Nem mesmo apelos feitos por clérigos muçulmanos e cristãos inibiram os ataques. Protestos na praça Tahrir já ocorreram recentemente exigindo um fim a abusos contra mulheres.

Segundo ONGs, há também o conservadorismo na sociedade civil, em que a culpa recai sobre a mulher pelo comportamento hostil de homens. A mídia egípcia já mostrou diversas entrevistas com grupos de rapazes no centro do Cairo em que justificavam os comportamentos em relação às mulheres. Em geral, culpavam o desemprego, a falta de dinheiro e a maneira “indecente” como muitas mulheres se vestiam.  

Sem esperar por ações mais concretas do governo egípcio, ONGs locais criaram um movimento para combater o assédio a mulheres. Uma delas, a ONG Imprint criou o grupo de vigilantes antiassédio – homens e mulheres que caminham em locais públicos em diversos bairros para ajudar vítimas e coibir criminosos.  

Essas intervenções terminam, geralmente, em atos de violência e caos entre os dois grupos, que usam facas, barras de metal e pedaços de paus como armas.

Spray na bolsa

Ativistas enumeram diversas explicações para a onda de assédios: a cultura de impunidade de violência contra a mulher, elementos criminosos usando de oportunismo com a instabilidade política, tentativas sistemáticas de exclusão de mulheres de espaços públicos e participação nos eventos que regem o futuro do país e a falta de interesse de movimentos políticos, autoridades e até a mídia.

Em outubro do ano passado, o governo anunciou uma nova lei antiassédio, mas jamais a implementou, o que fez ativistas acusarem as autoridades de não priorizarem o tema. De acordo com grupos de direitos humanos, a nova Constituição egípcia, aprovada no último dezembro, não proibi claramente a discriminação contra as mulheres.

Apesar desse clima desfavorável às mulheres no Egito, Fernanda revelou que ainda sente mais medo nas ruas do Rio de Janeiro do que na capital egípcia. “Aqui no Cairo não tive nenhuma de minhas amigas sendo vítimas de violência ou assédio e continuamos frequentando os mesmos lugares”.

No entanto, a carioca também explicou que ela e seu grupo de amigas tomam suas precauções para não entrarem para as tristes estatísticas de mulheres que sofreram assédios e abusos sexuais. “Evitamos os locais de protestos ou andamos sempre com algum tipo de spray na bolsa. Apenas por via das dúvidas”.

Fonte: Terra
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