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Ásia

Japão: especialistas veem uso político de acidente nuclear

21 mar 2011 - 11h48
(atualizado em 22/3/2011 às 11h12)
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Daniel Favero

info infográfico temor usina nuclear
info infográfico temor usina nuclear
Foto: Divulgação

Após o terremoto seguido de tsunami que atingiu o Japão no dia 11 de março e afetou o funcionamento e a segurança das usinas nucleares daquele país, a discussão em torno do uso de instalações nucleares ganhou força sob o assombro de uma improvável - conforme asseguram físicos - explosão nuclear. A Suíça anunciou que vai rever a segurança das usinas que seriam produzidas com a mesma tecnologia das japonesas. A Alemanha adotou uma posição mais forte e decidiu pelo fechamento temporário de sete usinas. Para especialistas da área nuclear, correntes contrárias ao uso desse tipo de tecnologia aproveitam o sensacionalismo da mídia para discursar contra energia atômica, enquanto ambientalistas alertam para o perigo silencioso da radiação.

De acordo com o especialista em análise de acidentes em usinas nucleares e presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Edson Kuramoto, atualmente existem 57 usinas nucleares em construção no mundo, além de outras 438 em funcionamento. Na região afetada pelo terremoto, 11 usinas, distribuídas em quatro instalações, estavam em funcionamento. Após o tsunami, uma dessas instalações foi afetada, a Fukushima Daiichi, que registrou explosões em ao menos dois reatores após a produção de hidrogênio, além do vazamento de vapor carregado com radioatividade, que fez o governo japonês evacuar a população em um raio de 20 km.

O chefe de gabinete da presidência da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, diz que existe um componente emocional muito forte na avaliação sobre a segurança de usinas nucleares. "Querer transpor esse problema para o Brasil não é razoável. Porque não foi um acidente nuclear que aconteceu no Japão, foi uma tragédia, um fenômeno natural, que não tem registro histórico de ter acontecido... agora, na mídia, parece que a única coisa que aconteceu é o acidente nuclear, e dá a entender que foi o incidente nuclear que causou aquela destruição". Kuramoto concorda e diz que existem poucas informações técnicas. "As pessoas podem fazer uma avaliação desfavorável do que está acontecendo, mas ainda temos muito pouca informação técnica sobre o que está ocorrendo".

Entre os grupos contrários ao uso de energia nuclear está o Greenpeace, que já possui uma campanha histórica contra o uso de energia nuclear, segundo explica o coordenador da campanha de energia da entidade, Ricardo Baitelo. "Essa campanha nunca parou de alertar sobre os riscos da energia nuclear. Por mais que se construam reatores mais modernos, sempre existe um risco. Mesmo com um acidente pequeno, você tem um impacto enorme sobre o local e sobre as pessoas afetadas. Um impacto que não é pontual, que se estende por um longo período, até por outras gerações". Para ele, a energia nuclear não é apenas "perigosa", mas também "vil", pelo "silêncio e invisibilidade".

O ambientalista fala ainda sobre outras etapas da cadeia nuclear que também geram danos ao meio ambiente, como a questão do "grande uso da água, a questão do rejeito (lixo) radioativo, que não tem uma solução permanente, e a mineração que é feita na Bahia". "Mesmo se aumentarem a segurança das usinas, nenhum desses problemas vai se resolver, porque ainda existem questões bastante complexas da cadeia nuclear", diz.

O diretor de radioproteção e segurança nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Laercio Vinhas, que possui 46 anos de experiência na comissão responsável por regulamentar o uso de energia nuclear no Brasil, diz que os estudos para a construção de usinas trabalham com a probabilidade de acidentes entre uma em um milhão, e uma em um bilhão. De acordo com ele, no caso da usina de Angra dos Reis, as encostas, consideradas os maiores problemas, foram estabilizadas e os prédios foram construídos para resistir a um possível desmoronamento.

"Nossa exigência, como órgão regulador, é que o edifício e os reatores devem resistir a vários tipos de tensão e pressão, como um terremoto entre 6 e 7 pontos na escala Richter, apesar de nunca ter havido um tremor assim desde o descobrimento do Brasil". Ainda de acordo com Vinhas, no cálculo foi considerada a incidência de tornados e a possibilidade da explosão de um caminhão transportando TNT na Rio-Santos.

Motivação política
Os ambientalistas e os especialistas do ramo nuclear também discordam no que diz respeito à postura dos países europeus que anunciaram o fechamento de usinas e a revisão da segurança nos projetos de instalações que seriam construídas com o mesmo tipo de tecnologia adotado pelos japoneses em Fukushima.

Para o integrante do Greenpeace, a Alemanha adotou a postura correta após os impactos no Japão e reviu a extensão da vida útil dos reatores nucleares mais antigos, além de agilizar a desativação de outros reatores. No entanto para Baitelo, o Brasil não teria adotado a mesma postura. "Alguns países estão adotando uma postura mais progressiva, mas, infelizmente, o Brasil não está adotando esse modelo", diz ele, ao falar sobre plano de construir mais quatro usinas nos próximos 20 anos. "Esses planos continuam apenas com uma revisão dos parâmetros de segurança, mas não há disposição ou intenção de interrompê-los".

Já o chefe de gabinete da Eletronuclear considera a postura alemã como uma clara manobra política, que usa o sofrimento das pessoas para atingir seus objetivos. "Não tem nenhuma racionalidade técnica você parar o funcionamento das oito usinas alemãs, por suspeitar da segurança delas. É um problema político. Há uma pressão muito forte do Partido Verde alemão, que faz parte da coalizão do governo".

Já a Suíça, segundo Guimarães, tomou uma decisão mais pautada pela racionalidade. "A Suíça tomou uma decisão fundamentada. Eles já tinham autorizado a construção de duas usinas que são do mesmo tipo das que se acidentaram no Japão, então é racional fazer uma moratória nessa decisão para saber quais são as lições que podem ser aprendidas com esse acidente de Fukushima".

A questão sobre como a Alemanha vai compensar a energia que deixará de ser produzida pelas suas usinas também é coloca em discussão. "O governo alemão interrompeu a produção de 8 mil megawatts de eletricidade no país. Essa eletricidade vai ter que vir de algum lugar, porque ninguém pensa em fazer racionamento na Alemanha. De onde virá essa eletricidade? Provavelmente do gás russo, ou até das próprias usinas nucleares francesas", diz o chefe de gabinete da Eletronuclear.

O ambientalista do Greenpeace diz existem outras fontes alternativas de energia que não acarretam em perigo nuclear ou emissão de carbono como as energias eólica e solar. "No Brasil ainda temos bastante biomassa e, complementando essa geração, é possível atender, com folga, a energia que é necessária para o País, mas em longo prazo."

Medo nuclear
O medo de explosões atômicas surgiu após o uso da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, durante a Segunda Guerra, que deixou aproximadamente 200 mil mortos, além do catastrófico acidente em Chernobyl, em abril de 1986, cuja radiação espalhada foi 400 vezes maior que a despejada no Japão no passado. "As pessoas associam a usina à bomba. Então quando acontece um problema em uma usina as pessoas associam a tragédia com a explosão de uma bomba, coisa que é impossível fisicamente de acontecer", diz Guimarães.

Edson Kuramoto diz que hoje já existe uma experiência de mais de 50 anos com energia nuclear, e incidentes como o que ocorre no Japão só fazem países aumentarem a segurança em relação ao uso dessa fonte energética. Ainda de acordo com ele, acidentes semelhantes com a exploração de petróleo, como o ocorrido no Golfo do México em 2010, não mudam a posição dos países quanto à exploração energética.

"O ocidente não vai mudar as razões que levaram os países optar pela energia nuclear, assim como não foi revista a opção pelo petróleo quando aconteceu o vazamento no Golfo do México. Nenhum país abriu mão de explorar o petróleo, o Brasil não pensou em abandonar o pré-sal. A avaliação do acidente no Japão serve para melhorar a segurança das usinas", diz o presidente da Aben.

Terremoto e tsunami devastam Japão

Na sexta-feira, 11, o Japão foi devastado por um terremoto que, segundo o USGS, atingiu os 8,9 graus da escala Richter, gerando um tsunami que arrasou a costa nordeste nipônica. Fora os danos imediatos, o perigo atômico permanece o maior desafio. Diversos reatores foram afetados, e a situação é crítica em Fukushima, onde existe o temor de um desastre nuclear.

Juntos, o terremoto e o tsunami já deixaram mais de 6,9 mil mortos e dezenas de milhares de desaparecidos. Além disso, os prejuízos já passam dos US$ 200 bilhões. Em meio a constantes réplicas do terremoto, o Japão trabalha para garantir a segurança dos sobreviventes e, aos poucos, iniciar a reconstrução das áreas devastadas.

Fonte: Terra
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