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Ásia

Reação de chineses a tragédia no Japão mostra rancor histórico

16 mar 2011 - 13h53
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Fernanda Morena
Direto de Pequim

Nem a magnitude do tremor, nem o número de vítimas fez do Japão merecedor de compaixão plena pelos chineses. As reações ao terremoto de 8,9 graus na escala Richter, segundo os Estados Unidos (o Japão considera que o terremoto foi de 9 graus), o maior a atingir o complexo de ilhas do Pacífico, na China são variadas, e muitas das opiniões expressas em fóruns da internet e salas de bate-papo mostram que o dragão também não esquece o passado, que tem nele as marcas de um Japão atroz e bárbaro da Segunda Guerra Mundial.

Pai e filho andam em frente ao museu de Nanking, cidade chinesa que foi vítima de um ataque japonês em 1937
Pai e filho andam em frente ao museu de Nanking, cidade chinesa que foi vítima de um ataque japonês em 1937
Foto: Fernanda Morena / Especial para Terra

Em dezembro de 1937, a então capital chinesa Nanking foi tomada pelo exército nipônico, um episódio que ficou conhecido como "o estupro de Nanking", durante a segunda guerra Sino-Japonesa. Conforme o governo mandarim, mais de 300 mil chineses foram vítimas do ataque que durou seis semanas - dentre elas, calcula-se que algo entre 20 e 80 mil mulheres tenham sido violentadas sexualmente pelas tropas do Sol Nascente.

Passadas sete décadas, a capital do Império do Meio já foi mudada para Pequim. E a China tornou-se a segunda maior economia mundial - ultrapassando o Japão no final do ano passado. Sichuan, no sul do país, foi abalada por um sismo de 7,6 graus em 12 de maio de 2008 e perdeu 88 mil de suas vidas. Ainda assim, pela rede chinesa é possível encontrar o terremoto do Japão ao lado da palavra "karma".

No site Tudou (a versão chinesa do YouTube, bloqueado no país), um vídeo tirado do canal de televisão CCTV traz um comentário "porque é no Japão, eu estou feliz", postado por um internauta. Outros lembram do seu passado nacional com uma tragédia semelhante e mandam "condolências de Sichuan". Alguns ainda ameaçam os próprios compatriotas, atestando "odiar o sentimento de compaixão forçada" e questionando a verdadeira nacionalidade de um internauta que respondeu à tragédia mostrada no vídeo com pena.

"Acho que as reações dos chineses eram esperadas. Acho normal ter compaixão por aquele que sofre uma tragédia. Mas também é de se esperar que haja discriminação da parte de alguns por motivos históricos", avalia Fauna (que escolheu não divulgar seu nome chinês), editora do site chinasmack.com, que publica em inglês o universo dos Fóruns de internet mandarins e tem mais de 2 milhões de acessos por mês. Ela acrescenta que tais cyberespaços são amplamente difundidos como plataforma de debate de temas como este - as relações sino-japonesas.

Os esforços diplomáticos para melhorar a imagem do Japão na China parecem ter surtido algum resultado, e há usuários da rede que dizem estar comovidos pela tragédia, "afinal, japoneses também são gente". Outros até admiram o nível de civilidade atingido pelos nipônicos desde os anos 30. "Eles são muito educados. Aparecem saindo de dentro do metrô, mas ainda andando em fila".

Muitos dos chineses estão hoje conscientes de que o passado não poderá ser apagado, nem mesmo por um sismo, mas que as relações internacionais dependem do que a nova geração de chineses se propor a mudar - ou aceitar. Um internauta chamado "Luz Interior" replica um dos comentários mais raivosos lembrando que o mundo verá a reação chinesa. "Você quer nos fazer passar vergonha?! Não esqueça que Yunnan teve também um terremoto apenas um dia antes do Japão."

Estas mesmas reações tendem a criticar o governo japonês por suas iniciativas obscuras em relação à China - o Japão ainda não admite o número de mortes clamado pelo governo chinês em Nanking, e recentemente um novo episódio estremeceu as relações entre os países vizinhos, o caso da disputa das ilhas de Diaoyu -, e acreditam que o povo japonês é tão inocente quanto o de Sichuan. Internautas inclusive salutam a rápida resposta tomada pelo governo nipônico no caso como sendo uma lição a ser aprendida pelos chineses.

Fotos que mostram japoneses sentados ordenadamente em esacadas, deixando o espaço no meio livre para trânsito, foram apreciadas pelos chineses como uma "aula de etiqueta". Outros admirados fazem comparações com a situação vivida na China em 2008, e uma usuária, "angelfishes", diz ter lembranças de pagar 50 yuans (cerca de R$ 12) por um pacote de macarrão instantâneo em Sichuan. Outro usuário usa a comparação entre as imagens para criticar o governo americano, que insiste em promover a China ao patamar de nação desenvolvida para dividir as responsabilidades na arena internacional. "Sugiro que o Ministério das Relações Exteriores mostre as duas fotos para o Congresso americano. Duvido que em 50 anos eles irão chamar a China de um país desenvolvido de novo", sugere o usuário "Yaya".

Na memória coletiva chinesa, há dois episódios que dão o grau de xenofobia mostrado por alguns internautas nesta semana: o Século de Humilhação, passado depois da primeira Guerra do Ópio, no final do seculo XIX, e o estupro de Nanking. Fauna, editora do chinasmack.com, acredita ser difícil dizer se o povo mandarim teria a mesma reação a um terremoto semelhante na Inglaterra ou na França. E provável que cicatrizes sejam diretamente proporcionais ao tempo em que são cavadas no corpo nacional.

Fonte: Especial para Terra
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