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Piloto brasileiro usa Twitter para detalhar tragédia no Japão

15 mar 2011 - 15h59
(atualizado em 16/3/2011 às 11h01)
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Luciana Quierati

O piloto brasileiro João Paulo de Oliveira, 29 anos, tem escrito em seu Twitter peculiaridades sobre um Japão arrasado pelo terremoto, seguido de tsunami, da última sexta-feira. Aos seus mais de 12,2 mil seguidores, muitos deles ávidos para entender a real situação no país asiático, ele relata o semblante de um povo entristecido, mas capaz de se reerguer.

Veículos passam por ruínas na cidade de Minamisanriku, no nordeste do país
Veículos passam por ruínas na cidade de Minamisanriku, no nordeste do país
Foto: AP

Até o apresentador Luciano Huck está de olho nas postagens de Oliveira. "Ele é meu amigo. Viu que eu estava informando sobre o Japão e até me indicou para algumas pessoas que o seguem no Twitter", conta o piloto, que mora há sete anos em Tóquio e atua na Fórmula Nippon Suzuka - versão japonesa da Fórmula 2.

No final da tarde desta terça-feira (horário local), Oliveira desembarcou em Singapura, no sudeste asiático, onde ficará por alguns dias. Decidiu deixar o Japão temporariamente por conta das incertezas sobre uma tragédia nuclear e um novo e forte terremoto. De lá, no entanto, continuará relatando sua experiência no Twitter. "Estou trocando mensagens a cada momento com meus amigos que ficaram lá. Estou por dentro do que está acontecendo", disse o piloto ao Terra pouco depois de seu desembarque.

Na entrevista, ele se diz impressionado com o "exemplo de civilidade" do povo japonês, que tenta manter a calma, acredita no que o governo informa e se sente agradecido às autoridades pelo que conseguiram fazer para evitar estragos maiores. "Eu vejo incerteza, preocupação, um olhar de muita dificuldade. Mas se tem um povo no mundo que consegue se reerguer é o japonês", diz o piloto.

Leia a entrevista na íntegra:

Onde você estava no momento do terremoto?

Estava em Suzuka, em um teste no autódromo, e a sessão foi paralisada na metade. Estávamos a mais ou menos 400 km do epicentro, então a área de Suzuka não foi tão atingida. Mas sentimos bastante o tremor, claro que não tão forte como Tóquio sentiu.

Por que você decidiu deixar o Japão e ir para Singapura?

As notícias que chegam são cada vez mais negativas, a gente não sabe no que acreditar. Alguns dizem que a radioatividade pode atingir Tóquio, outros dizem que não. Então é difícil saber. Diante disso, cada um toma sua decisão. Tenho alguns amigos que ficaram em Tóquio, mas acho que a maioria deles já saiu de lá. Eu decidi sair, até porque não tenho nada no meu calendário nas duas próximas semanas. Foi tudo cancelado. É melhor ficar uns dias fora para deixar a cabeça mais tranqüila e descansar um pouco, porque os últimos dias foram bem estressantes.

Você chegou a ver de perto as áreas devastadas?

Não cheguei a ver estragos. Os danos que vi foram algumas rachaduras em Tóquio, em prédios mais velhos, objetos quebrados em casas de amigos, danos normais de terremoto.

No Twitter você disse que anúncios são feitos diariamente em alto-falantes na cidade de Tóquio. Quem fala e o que falam?
O que eles falam são as últimas noticias, principalmente para as pessoas se manterem calmas. Tentam tranquilizar a população. Também pedem para que se faça racionamento de energia, para todo mundo cooperar usando o mínimo possível.

Mas o governo, além de pedir um menor consumo, também está efetuando cortes, certo?

O racionamento de energia é feito de três em três horas. Uma região de Tóquio fica sem luz por três horas, depois é a vez de outra região, e assim por diante.

Até pouco antes de você deixar o Japão, como estavam se portando os japoneses?

A reação das pessoas ainda está sendo tranquila. Os japoneses são os últimos a entrar em pânico porque confiam muito nas informações da mídia local. Eles recebem a notícia um pouco diferente da que a que as pessoas de fora do país recebem. Os estrangeiros que assistem a CNN, BBC, ficam mais preocupados, porque as notícias que chegam por essas redes são mais preocupantes do que as notícias de dentro do Japão. A mídia de fora do Japão é bem mais sensacionalista. A mídia japonesa é mais cautelosa. Eu vejo incerteza, preocupação, um olhar de muita dificuldade. Mas se tem um povo no mundo que consegue se reerguer é o japonês.

Mas você não acha que o governo japonês esteja minimizando fatos, como a França mesmo já chegou a dizer?

Não acredito que o governo japonês esteja escondendo fatos. Acredito que o governo seja cauteloso e divulgue apenas o que é fato e verdade. Nunca soltariam algo para deixar a população em pânico, mas, caso seja necessário, acredito que o farão. Acho que eles estão agindo da forma correta.

E como está a situação - em Tóquio, por exemplo ¿ com relação à comida e ao combustível?

Ninguém mais consegue encontrar combustível. O mesmo ocorre com a comida. Fui fazer compras no sábado e encontrei pouca coisa. Não tinha mais leite, pouquíssimas garrafas de água estavam disponíveis. Muitos congelados já se tinham ido, não havia mais legumes e verduras. O que eu mais encontrei foi sorvete, e comprei bastante para deixar em casa. Acabei não utilizando porque saí de lá, fiquei sem muita opção. Mas mesmo diante de todas as dificuldades, os japoneses mantêm a calma, são muito civilizados.

Como você encara a recuperação do país?

O país tem um "plano B". Não acredito que vão continuar sofrendo nessas questões. Lá eles são bem conservadores e dificilmente tomam decisões drásticas e rápidas. No momento, estão apenas se protegendo da situação. A partir do momento que começarem a tomar decisões, é que a gente vai ver o potencial de tudo isso. Nosso calendário no automobilismo foi praticamente todo cancelado até o final do mês. Teríamos testes importantes por esses dias. Isso não é da natureza do Japão, não cancelam as coisas tão facilmente. E cancelaram muito rápido. Acho possível até que eles cancelem algumas provas, quem sabe até o campeonato. Não sei. Mas o Japão é um país que serve de exemplo para qualquer país no mundo. São pessoas trabalhadoras e que vão com certeza se reerguer. A economia está tendo um impacto muito forte, haverá um dano enorme a princípio. Mas acho que o Japão vai se reconstruir de forma ainda melhor. Esse é o Japão, que já passou por outras dificuldades.

O que o povo japonês mais teme neste momento?

Existe o temor de que venha outro terremoto. A previsão é de 70% de chances de haver outro. O temor deles agora é esse, e lógico, com relação à usina nuclear. Mas eles têm um sistema de alerta muito eficiente, um alarme fácil de ser reconhecido. Quando toca, todo mundo corre para a frente da TV para ver onde é o tremor.

O que pensa a população sobre as ações do governo?

A população acredita no que informa o governo e é muito grata a ele. Nessa questão eles são muito unidos. Eles escutam realmente o que o governo fala. O que gera uma responsabilidade muito grande para o governo na hora de transmitir informações. É tudo feito de uma forma admirável. Todas as medidas possíveis, eles conseguiram tomar. Agora, lógico que é uma catástrofe natural, difícil de conter 100%. Eles têm barreiras contra tsunami, proteções, mas não dá para controlar por completo.

Você acha que o Japão tende a perder muitos estrangeiros que lá residem por causa da tragédia?

Muitos estrangeiros acabaram saindo, porque temos notícias conflitantes, mas não acredito que vá haver uma saída debandada.

Você pretende continuar atualizando seu Twitter agora que está fora do Japão?

Estou escrevendo com freqüência e relatando apenas o que eu vejo de fato. E vou continuar fazendo, porque vejo muita notícia sensacionalista por aí, de gente que tenta se aproveitar da situação para criar audiência. Não sou jornalista, não sou nada. Mas de repente posso passar uma informação legal, importante. Estou trocando mensagens a cada momento com meus amigos que ficaram lá. Estou por dentro do que está acontecendo.

Até o apresentador Luciano Huck entrou em contato com você.

Ele é meu amigo, nos encontramos no Japão, inclusive, no ano passado. Viu que eu estava informando sobre o Japão e até me indicou para algumas pessoas que o seguem no Twitter.

O que ficará na sua memória sobre essa tragédia?

É a reação do povo japonês, o exemplo de civilização que são. É uma lição de vida poder estar no Japão e presenciar esses momentos mais difíceis. Ver a forma como eles raciocinam e encaram tudo. São muito organizados, respeitam demais as ordens e não entram em pânico. Em qualquer outro lugar do mundo as consequências poderiam ter sido piores.

Fonte: Terra
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