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Ásia

Sonho de urbanização chinês trará 250 milhões para as cidades em 12 anos

22 jun 2013 - 09h00
(atualizado às 15h42)
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Se aprovado no Congresso Nacional do Povo no final deste mês, o plano de modernização do país entrará em vigor e irá trazer 250 que hoje vivem nos campos a novos centros urbanos. A medida é vista como o próximo e mais urgente passo da reforma econômica chinesa - mudar o foco do crescimento das exportações para o consumo interno, melhorando as condições de vida dos cerca de 642 milhões de moradores rurais.

Trabalhadores da indústria na China. O primeiro trimestre de 2013 atingiu o mais baixo nível de crescimento desde 1999: 7,7%
Trabalhadores da indústria na China. O primeiro trimestre de 2013 atingiu o mais baixo nível de crescimento desde 1999: 7,7%
Foto: Reprodução

"Se aprovado, significa que urbanização será uma política central nacional; ou seja, as pessoas serão obrigadas a saírem de suas casas para viver em cidades", aponta Tom Miller, da consultoria GK Dragonomics e autor do livro O Bilhão Urbano da China (em tradução livre, sem edição em português).

Conforme Miller, há entre 8 milhões e 10 milhões de pessoas que se mudam para as cidades anualmente em busca de trabalho. Esse movimento orgânico é normal; mas o especialista mostra-se descrente sobre a estratégia de urbanização acelerada. "Essas pessoas se mudam voluntariamente e formam uma camada de mão de obra essencial às cidades. Forçar uma organização de agricultores para fora de suas terras poderá ser perigoso".

Reforma econômica

Para alavancar novamente o crescimento chinês, que no primeiro trimestre de 2013 atingiu o mais baixo nível desde 1999, ficando em 7,7%, o "fim do início" do processo de urbanização coincide com uma necessária nova reforma econômica. Há cinco anos, o salário mínimo vem aumentando na China em uma média de 8% ao ano, dificultando a situação para as indústrias se manterem competitivas no mercado internacional.

Em 2008, Pequim lançou um pacote econômico de 4 trilhões de yuans para conter os impactos da crise econômica mundial, criada pela bolha econômica norte-americana. O estímulo colocou o país asiático em débito, aumentando o preço dos imóveis e criando a mesma especulação nos imóveis chineses.

Jovem trabalhador da construção civil. Plano de urbanização deve levar 250 milhões da população rural para viver em cidades
Jovem trabalhador da construção civil. Plano de urbanização deve levar 250 milhões da população rural para viver em cidades
Foto: Reprodução

Defronte à trajetória negativa da economia chinesa, Li Keqiang alertou, em seu primeiro discurso oficial como primeiro-ministro, em março, sobre uma imprescindível reforma. Para ele, o novo impulso da econômica chinesa dependeria da urbanização do país e da modernização da infraestrutura financeira, essencial para criar "uma classe de consumidores internos que aquecessem a economia".

"Com o aumento da demanda e o crescimento da economia, mais empregos serão criados nas cidades, em construção, em serviços", diz Miller. "Mas como se pode garantir que a economia crescerá em velocidade suficiente para absorver toda essa mão de obra? E mais, uma mão de obra que é mais velha e sem educação formal?", questiona o especialista.

Para ele, o sonho da urbanização, ao contrário de melhorar as condições de vida da população ao aumentar o crescimento do PIB, poderá criar instabilidade social. "Sem projetos sociais que integrem essas pessoas à sociedade urbana, poderemos ter uma multidão de classe inferior dentro das cidades."

Migração

A estimativa é que a filosofia da urbanização chinesa diminua sua população rural à metade, trazendo 250 milhões de pessoas para morar nas cidades – o mesmo número de pessoas que já vivem em cidades nos Estados Unidos, o país com o maior número de metrópoles do mundo.

O algarismo é também quase o equivalente ao volume de trabalhadores migrantes atualmente. De acordo com o Birô Nacional de Estatísticas, há 263 milhões de trabalhadores rurais habitando as grandes cidades chinesas – um número atingido pelo país durante as três décadas que se passaram desde a reforma liderada por Deng Xiaoping, em 1979, quando a indústria passou a ser o motor econômico mandarim, levando milhões de pessoas a sair de suas casas para participar do rejuvenescimento industrial chinês.

No início dos anos 1980, 80% da população chinesa vivia em zonas rurais. Outros 17% eram originários do campo, mas trabalhavam nas cidades como migrantes. A maior parte dos migrantes seguem concentrados nas ricas zonas leste e sul do país; mas há 13 anos que o governo tenta incentivar a ocupação das zonas mais pobres do oeste, centro e norte da China por empresas que possam atrair trabalhadores e novos talentos, aliviando o desemprego em megalópoles como Xangai, Pequim, Guangzhou e Shenzhen.

Chineses trabalham nas fundações de uma residência. China aposta na urbanização para alavancar a economia
Chineses trabalham nas fundações de uma residência. China aposta na urbanização para alavancar a economia
Foto: Reprodução

Essa movimentação humana é até hoje controlada pelo hukou, o registro de residência criado por Mao Tsé-tung durante a sua revolução camponesa. Na época, o que o Timoneiro queria era manter as pessoas no campo. Hoje, essa herança serve como uma forma de segregar os trabalhadores migrantes dentro dos grandes centros.

Quem possui o hukou ligado ao campo ou a uma província menor não tem direito ao acesso à educação, ao emprego e ao sistema de saúde das grandes cidades. Uma pequena revisão do hukou feita início do século XXI garantiu a criação de escolas e hospitais voltados à população migrante em cidades receptoras – sem uma demonstração de que o governo iria se comprometer a criar opções reais de igualdade entre locais e migrantes, como mesmas condições na competição por posições de trabalho em cidades como Pequim e Xangai, onde vivem mais de 3 milhões de migrantes. 

A difícil vida no campo é também motivo para muitas famílias deixarem suas cidades atrás de oportunidades melhores. Wang Nushi é natural da província de Anhui e, há 20 anos, mora em Pequim, onde trabalha como empregada doméstica. A mudança da família ocorreu quando o marido resolveu sair do campo para buscar um trabalho melhor na cidade.

"Ele veio sozinho para Pequim para trabalhar em construção. Ficou dois anos, e não aguentou – voltou para a nossa vila. Eu então vim para cuidar dele", conta Nushi. "Mas quando o nosso filho atingiu a idade para frequentar a escola, enfrentamos um impasse: ou teríamos de voltar os três para morar na nossa vila, ou eu mandava meu filho para ficar com a minha mãe, para que ele pudesse estudar", lembra. Na época, as escolas de Pequim não ofereciam vagas para filhos de migrantes. O menino teve de crescer longe dos pais e, hoje, cursa a universidade de Recursos Humanos na província de Hunan.

"Antigamente era pior. Eu só podia vê-lo uma vez ao ano, durante o feriado do Ano Novo chinês. Agora nos vemos a cada trimestre, e falamos todos os dias por Skype."

Para Nushi, a vida em Pequim é ainda difícil, mas é melhor comprada à vida que sua família levava no campo. Sem educação formal e com pouco acesso a centros urbanos mais próximos, Nushi e seu marido eram obrigados a trabalhar no campo. "Aqui a gente consegue ter uma vida melhor. Mas a poluição é horrível, e a cidade está cada vez mais cara."

Desigualdade

O que define os trabalhadores chineses como migrantes é ter seu registro de residência, o hukou, diferente do seu endereço de moradia. Assim, os benefícios concedidos pelo estado, como educação e trabalho, são desigualmente distribuídos apenas entre os moradores das cidades cujo registro pertence ao mesmo local.

Alexia Sun conta que viver em Pequim sem o hukou local fazia a jovem não se sentir parte da cidade
Alexia Sun conta que viver em Pequim sem o hukou local fazia a jovem não se sentir parte da cidade
Foto: Arquivo pessoal / Divulgação

Neste ano, pela primeira vez na história, estudantes filhos de migrantes puderam prestar o gaokao, o vestibular chinês, longe de suas províncias de origem. Antigamente, eles poderiam apenas cursar os ensinos fundamental e médio na cidade onde moravam para depois prestar o gaokao em suas terras natais. A mudança foi chamada pelo governo central como um avanço na integração das massas migrantes e na criação de igualdade entre as populações da cidade e do campo.

Pequim, contudo, ainda não permite que estudantes sem um hukou local possam prestar o gaokao na capital. Eles precisam passar por dois anos extras de estudos em escolas vocacionais para depois poderem pedir ingresso a uma universidade.

"O problema de se prestar o gaokao em uma vila do interior é o número de vagas. Meia dúzia de lugares em universidades nacionais são destinados a províncias menores, o que faz da concorrência muito mais difícil para quem tem um hukou que não é de Pequim ou Xangai, onde as grandes universidades estão", aponta Yao Zhaohui, especialista em estudos populacionais da Universidade de Hong Kong.

Alexia Sun terminou neste mês o mestrado em jornalismo internacional pela Universidade de Comunicação da China. Depois de concluir um estágio de seis meses na agência internacional Reuters, ela conseguiu um emprego em uma agência de notícias local – que lhe dará o hukou.

"O mercado de trabalho na China está especialmente complicado neste ano por causa da crise econômica mundial. Claro que trabalhar em uma agência internacional é um sonho", diz. “Mas avaliei bem para ver se a carreira teria futuro para eu abrir mão de um hukou de Pequim".

Natural da província de Hebei, Alexia conta que viver em Pequim sem o hukou local fazia a jovem não se sentir parte da cidade. “Eu não poderia comprar casa, carro. Há uma série de coisas que não seriam possíveis sem o hukou, e eu sou chinesa, moro em Pequim."

Desenvolvimento

Para Tom Miller, existe uma crença generalizada de que urbanização e desenvolvimento são a mesma coisa. “Se olharmos para os países desenvolvidos, todos eles são urbanos, é verdade”, aponta. “Mas eles se tornaram urbanos em um processo de desenvolvimento do país, quando a industrialização surgia. Era como se tivessem aprendido a serem urbanos e industrializados ao mesmo tempo, um processo que foi mais natural”, explica o consultor.

Especialistas internacionais questionam se o plano de urbanização em um país que é culturalmente rural há milênios seria uma política semelhante ao Grande Salto para Frente, campanha para a modernização e coletivização agrária de Mao Tsé-Tung, que deu origem à Grande Fome Chinesa no início dos anos 1960, vitimando 15 milhões de pessoas, segundo estatísticas oficiais.

“Não acredito que a política terá as mesmas consequências do Grande salto”, comenta Miller. “A meta de urbanização até 2025 incluiria pessoas que fariam parte dos processos migratórios, e a política de Mao durou cinco anos e era muito mais louca”, acrescenta.

Para Yao, a mais urgente questão é a reforma do hukou. “Somente garantindo direitos iguais, ou pelo menos mais próximos de iguais, teremos a chance de conseguir criar melhores condições de vida, e não um sistema social que poderá estar fadado ao fracasso, à crise, se não incluirmos as pessoas à sociedade ou dermos a chance de escolha para a movimentação humana.”

Fonte: Especial para Terra
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