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Ásia

Sobreviventes guardam lembranças dolorosas de Hiroshima

3 ago 2010 - 12h49
(atualizado às 13h24)
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O horror apocalíptico de Hiroshima já foi contado em inúmeros livros e filmes, serviu de tema para exposições e até inspirou obras de arte, mas, ainda assim, é uma lembrança difícil para aqueles que sobreviveram ao primeiro bombardeio atômico da História.

"Era como estar preso a lembranças terríveis da explosão nuclear, semana após semana. Era doloroso", recorda Keiji Nakazawa, 66 anos, autor de uma famosa série de mangá (quadrinhos japoneses) sobre a Segunda Guerra Mundial, chamada Gen - Pés descalços.

Seus desenhos, que têm como protagonista uma criança de 6 anos, Hadashino Gen, mostram detalhes chocantes, como corpos se fundindo e corpos carbonizados cobertos de vermes.

"Gen, sou eu. Desenhei o que eu vi. Eu não quis romancear a guerra e o sofrimento humano", admitiu. Como seu personagem, Nakazawa tentou, em vão, salvar seu pai, sua irmã e seu irmão mais novo, que ficaram presos em sua casa em chamas na manhã do dia 6 de agosto de 1945.

Alguns dias depois, ele encontraria três crânios nos escombros. "Quero que meus leitores se revoltem contra a guerra e contra as armas atômicas", explicou o autor, cujas tirinhas, traduzidas no mundo inteiro, já venderam seis milhões de exemplares no Japão desde seu lançamento em 1975.

Para o cineasta Kazuo Kuroki, 74 anos, fazer filmes sobre a guerra e sobre Hiroshima, em particular, foi uma maneira de exorcizar sua culpa por ter escapado da morte.

Em 1945, Kuroki fugiu depois de um ataque aéreo americano contra a fábrica onde ele trabalhava com seus colegas de classe, na ilha de Kyushu, sul do Japão. "Eu corri, eu corri, eu corri", contou ele.

"Vi meus amigos ajudando seus colegas que agonizavam, mas eu continuei a correr. Onze dos nossos foram mortos. Fiquei muito traumatizado, mas como sobrevivente é meu dever contar as histórias que fazem mal", justificou.

Kuroki se diz bastante influenciado pelo filme de Alain Resnais, Hiroshima meu amor (1959), com Emmanuelle Riva e Eiji Okada, baseado no romance de Marguerite Duras, e que imortalizou nas telonas, pelo menos na Europa, a tragédia de Hiroshima.

Em seu último filme, Chichi to Kuraseba (sem tradução em português), uma adaptação do trabalho do escritor pacifista Hisashi Inoué, ele conta a história de uma jovem sobrevivente de Hiroshima, perseguida pelo fantasma de seu pai, morto no bombardeio. No final, a jovem encontrará forças para superar sua culpa (sempre este sentimento) por estar viva e se casará.

"O tema do filme é a coragem de viver. Assim como minha heroína, eu também tenho de viver carregando a culpa em relação aos meus caros amigos", desabafa o cineasta.

Para o diretor do Museu-Memorial da Paz de Hiroshima, Minoru Hataguchi, ir ao seu escritório é uma confrontação diária com a ausência de um pai morto aos 60 anos e que nunca conheceu. As únicas lembranças que ele guarda são um relógio de bolso e uma fivela de cinto carbonizados.

Criado em 1955, o museu reúne cerca de 18 mil objetos ligados, de alguma forma, à bomba A, um "bric-à-brac" infernal que vai de pedaços de unha queimados a um relógio parado em 8h15, hora da explosão, passando por sapatos duros e retorcidos de estudantes. O museu recebe aproximadamente 1,1 milhão de visitantes por ano.

"Toda minha vida, tentei evitar o tema das bombas atômicas", confessa Hataguchi, 59 anos, que expôs os objetos de seu pai em uma mostra sobre a bomba atômica na Índia, em 1998.

Alguns dias antes do fim da exposição, a Índia fez, de surpresa, seu primeiro teste nuclear militar, seguido, duas semanas depois, pelo vizinho Paquistão.

"Eu me senti muito triste e decepcionado. É muito difícil convencer os líderes mundiais de que as armas nucleares são horríveis e devem ser abolidas pelo bem", lamentou.

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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