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Ásia

O povo afegão precisa construir sua própria paz, defende Isaf

8 out 2011 - 13h14
(atualizado às 13h17)
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Felipe Schroeder Franke

Dez anos depois da polêmica invasão pelos Estados Unidos, a permanência de tropas internacionais no Afeganistão é um tema controverso. As atualmente 140 mil tropas estrangeiras presentes devem começar a deixar o país em 2011, e conclusão está prevista para o final de 2014. Mas a presença da Isaf (Força de Assistência à Segurança Internacional, na sigla em inglês), ministrada pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), deve se estender ainda mais.

Soldado da Aliança do Norte retirada granada de combatente do Talibã: em busca do entendimento mútuo?
Soldado da Aliança do Norte retirada granada de combatente do Talibã: em busca do entendimento mútuo?
Foto: AFP

Para explicar a situação da presença estrangeira no Afeganistão e seu papel na reconstrução do país devastado por décadas de guerra, o Terra conversou com o general alemão Carsten Jacobsen, porta-voz da Isaf em Cabul, a capital afegã. Jacobsen explica a visão da Isaf, hoje com um pessoal de quase 60 mil pessoas de 42 países, na guerra do Afeganistão, pontua os avanços obtidos contra ao Talibã ao longo dos últimos 10 anos e defende que o Afeganistão tem ainda um longo processo a ser percorrido por si próprio, mas com a ajuda internacional. "Em algum momento, precisa surgir um Afeganistão que chega à paz consigo mesmo", resume.

Terra - Quais regiões do Afeganistão estão hoje mais loteadas com tropas estrangeiras?

General Carsten Jacobsen - O número de tropas acompanha o nível de atividade militar nas diferentes áreas. As duas áreas com a atividade mais baixa são o norte e o oeste, e no sudoeste, sul e leste vemos a maioria das atividades inimigas. Na ponta do lápis, os comandos de Norte, Oeste e Centro veem somente 10% da violência do país. O resto se concentra no Sudoeste e no Sul, onde as taxas estão claramente decaindo, e no Leste, onde ainda encontramos uma considerável violência ao leste e sul de Cabul.

Terra - Como a Isaf avalia os 10 anos de operações no Afeganistão?

Gen. Jacobsen - Quando as forças chegaram em outubro de 2001, o primeiro alvo foi retirar o poder do Talibã. Isso foi obtido com grande ajuda da Aliança do Norte, em um espaço de tempo muito pequeno. Depois, em dezembro, chegou-se a um acordo que levou à formação de um governo afegão e à garantia da comunidade internacional de que haveria segurança militar para este governo em Cabul. Esse foi o início da Isaf. As primeiras tropas chegaram em janeiro de 2002, sob a bandeira da Otan. À esta época, havia ainda operações militares ocorrendo sob a tutela da OEF, particularmente no leste do país, contra o Talibã. A ação da Otan inicialmente teve como foco a segurança do governo afegão dentro de Cabul. Isso mudou em 2006, quando a Otan tomou para si, passo a passo, a responsabilidade por todo o Afeganistão, com aumento das forças. Quando a resistência foi atingida, particularmente no sul, nas províncias de Helmand, Kandahar e Uruzgan, isso levou à decisão do presidente Obama, em dezembro de 2009, de incrementar as forças ao nível em que nos encontramos hoje. O conceito era ter tropas suficientes para empurrar a insurgência, particularmente o Talibã nas áreas que estavam operando, e, ao mesmo tempo, construir uma força afegã de segurança nacional, consistindo de exército e polícia capazes.

Terra - O que mudou deste então?

Gen. Jacobsen - Essas forças chegaram aqui ao longo do ano de 2010, e estamos no meio desta operação. O que obtivemos, após o reforço, foi restringir severamente o talibã no movimento, empurrá-los para longe de centros populacionais, ganhar mais e mais terreno. O talibã, neste ano, realmente não conseguiu retomar as áreas que havia perdido ano passado. Infelizmente, eles passaram a utilizar métodos muito cruéis, como bombas caseiras, com as quais estão infestando o país e matando mais e mais civis. Mais de 80% das mortes de civis foram causadas pela insurgência por meio do uso destes explosivos.

Terra - As tropas da Isaf devem deixar o Afeganistão até 2014. Quais são os objetivos e os desafios até lá?

Gen. Jacobsen - Um dos pilares centrais para se trazer novas tropas em 2009 foi, desde o início, a construção de uma força afegã de segurança nacional. Nós estamos neste processo. Nós começamos com 190 mil policiais e soldados, no fim de 2009. Agora, passamos os 300 mil membros desta força, e planejamos chegar aos 352 mil em 2012. Temos agora que nos concentrar na aparelhagem e no treinamento de qualidade e, particularmente, na liderança destas forças. Uma vez capazes de atingir o objetivo de levar as forças afegãs de segurança nacional a um ponto em que consigam suportar a insurgência talibã, teremos que continuar a dar apoio, treino e equipamentos depois de 2014. A Otan é capaz de retirar suas forças de combate ao longo dos próximos dois anos. Nós da Isaf provavelmente teremos que fazer um novo esforço e manter o treinamento e suporte contínuos às forças de segurança, pois, passo a passo, os afegãos precisam assumir a segurança do seu próprio país. Isto é um processo político, que começou neste verão, em julho.

Terra - Qual é a importância do Programa de Alfabetização dos soldados afegãos?

Gen. Jacobsen - Nós temos hoje mais de 125 mil soldados e policiais que passaram pelo programa inicial para aprender a ler e escrever. É obviamente muito importante para um agente da segurança saber ler regras, passaportes, papeis que as pessoas lhe entregam. Eles precisam saber o que está escrito na lei. É um problema básico, pois, após 10 anos de ocupação soviética e 10 anos de guerra civil, nós temos uma taxa de analfabetismo de até 80% em muitas áreas. Nós temos um problema educacional que precisa ser superado. Sob o Talibã, havia somente um pouco mais de um milhão de crianças (e somente meninos) em escolas, sendo todas basicamente religiosas. Agora, temos aproximadamente sete milhões de crianças nas escolas, das quais mais de um terço são meninas. Este é o contexto. Os soldados que agora podem ler e escrever levam estas habilidades de volta para seus lares.

Terra - Os soldados estrangeiros aprendem dari ou pasthu, as línguas oficiais do Afeganistão?

Gen. Jacobsen - Nós dependemos muito fortemente de tradutores. É mais que somente falar a língua. Precisa haver uma compreensão cultural, pois estamos num ambiente cultural que difere dos nossos países de origem. Há, claro, muitos países muçulmanos com tropas aqui, mas há uma diferença cultural para o Afeganistão, que é uma nação antiga com tradições antigas. É um país preso pela geografia das montanhas e afetado por guerras. Muitas pessoas aqui tiveram 20 ou mais anos durante os quais tiveram que lutar diariamente pela sobrevivência. Isso mudou, mas precisa ser considerado. A ligação entre as forças internacionais e as forças afegãs é planejada para ser a mais próxima possível. Praticamente não há operações em que ambos os grupos não participem, lado a lado. Há habilidades que eles não dominam ainda, que temos de lhes ensinar, como por exemplo: cuidados médicos, comunicações, desenvolvimento de meios de informação e inteligência, helicópteros e pilotos, engenheiros para construir estradas. Há muitas coisas para as quais eles ainda precisam de nós, e isso pode durar para além de 2014, mas fazemos as operações de modo conjunto, e neste processo os tradutores desempenham um papel essencial.

Terra - Qual a situação do Talibã, hoje?

Gen. Jacobsen - O Talibã não é um grupo homogêneo. São pouco conectados. A maioria dos líderes que estavam no comando antes da invasão deixou o país em 2001, e muitos estão em lugares seguros na fronteira do Paquistão. O Talibã com o qual estamos confrontados é liderado por grupos intermediários entre os grandes líderes e os soldados. Eles frequentemente vêm de áreas locais distantes cerca de 20 km das vilas e cidades onde estão lutando e operando. Possuem grande conhecimento territorial e são ligados, de várias maneiras, à população civil. É uma insurgência que existe em diversas partes do país, especialmente em territórios ermos.

Terra - Há canais de comunicação? Como funcionam?

A liderança talibã tem mantido comunicação com elementos do governo já há algum tempo, e há tentativas para estabelecer conversas com a insurgência. Pois, em algum momento, essa insurgência precisa enxergar uma solução política, e não uma militar. Isso foi abalado com a morte do ex-presidente Rabbani. Ele era o principal negociador da reconciliação. O assassino estava vestido como um emissário e se apresentou como porta-voz do Talibã, entrou em sua casa, usava um turbante, e, debaixo dele, uma bomba. É interessante que nem o Talibã nem a Haqqani estão aceitando a responsabilidade por esta morte, pois é, primeiro, um ato muito covarde, segundo, basicamente atingiu o mensageiro, mataram o homem que estava oferecendo a mão da reconciliação. Mas isto não pode interromper o processo. Em algum momento, precisa surgir um Afeganistão que chega à paz consigo mesmo. É o povo afegão que precisa fazer esta paz, e nisto vemos um bom progresso.

Terra - E como a população civil vê o Talibã?

Por causa do modo cru como o Talibã vem lutando, hoje, com um uso massivo de explosivos, matando seus próprios concidadãos, vemos mais e mais apoio da população, nos dizendo onde estão suas armas, nos dizendo onde estão os explosivos. Também temos um programa no qual reintegramos soldados talibãs que querem se entregar e querem reintegrar a comunidade normal. Sem serem capturados ou mortos, eles voltam às vilas, registram-se junto ao governo e entregam sua arma. No verão passado, quando esse programa foi iniciado, 2.285 insurgentes foram reintegrados. Então, há tendências para que o Talibã desista da luta e entenda que, no final das contas, deve haver uma solução política.

Terra - Quão longe o Afeganistão está de deixar de ser um país corrupto?

Gen. Jacobsen - A corrupção é um grande problema no Afeganistão. Em um país de 30 anos de guerra, e particularmente após 10 anos de guerra civil, e na turbulência da insurgência, como em muitos outros países, isto é algo que não será curado em dois, três ou mesmo dez anos. Isso levará uma geração inteira. Exigirá das pessoas jovens para ser superada, esses que estão agora entrando para a política, para o setor público, para a mídia. São os jovens, que hoje estão nas escolas, que levarão o Afeganistão à normalidade, e, até lá, o país precisa ajudado e não deixado sozinho, como fizemos em 1990.

Terra - Como a Isaf enxerga as críticas às operações internacionais Afeganistão?

Gen. Jacobsen - Esta não é uma guerra tradicional. Sabemos que há muitos generais de poltrona que fariam um trabalho muito melhor, estivessem eles aqui. Eu sinto muito que eles não estejam. Eles não conhecem as circunstâncias, e eles não sabem como lutar nesta campanha. Este é um ambiente complicado. Há antecedentes tribais na população, há antecedentes históricos com senhores de guerra, há laços de família, há terrenos muito ermos. É um país em desenvolvimento, o sétimo mais pobre do mundo, e não se tornará um país rico quando este conflito tiver terminado. Há muito a fazer e a pensar.

Fonte: Terra
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