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Ásia

Pianista foge da Coreia do Norte para tocar canção de amor

Músico aprende a balada "A Comme Amour", proibida no país asiático, quando estava na Rússia; tudo o que queria era tocá-la para a namorada

13 jul 2015 - 05h47
(atualizado às 08h36)
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Quando estudou na Rússia, Kim Chel-woong decorou a balada de Richard Clayderman para tocar para sua namorada
Quando estudou na Rússia, Kim Chel-woong decorou a balada de Richard Clayderman para tocar para sua namorada
Foto: Kim Cheolwoong / Arquivo pessoal

Kim Cheol-woong sentou em seu piano em 2001 para praticar uma música que estava planejando tocar quando ele pedisse sua namorada em casamento. Eles se conheciam desde que tinham oito anos; começaram a tocar piano juntos.

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Era uma balada, A Comme Amour, de Richard Clayderman. Normalmente, o risco de tocá-la é que talvez não agrade a quem não goste de melodias excessivamente açucaradas. Mas na Coreia do Norte, o perigo de tocar essa música, ainda que seja dentro de sua própria casa, é bem maior.

Alguém ouviu Kim tocando a canção francesa e o denunciou para o Departamento de Segurança.

"Eu não tinha me dado conta de que tocar uma música banida podia ser algo tão perigoso", disse Kim. "Onde você ouviu essa música pela primeira vez? Quem a ensinou?", questionaram agentes do governo, em um interrogatório que durou horas.

O pianista explicou que aprendeu a canção quando estudava na Rússia e que ele havia a decorado, para tocar para sua namorada quando ele voltasse para casa.

Seu talento como pianista foi identificado muito cedo e logo após sua graduação em uma universidade de elite em Pyongyang, ele foi enviado para estudar em um conservatório famoso em Moscou.

Nos cafés da Rússia, ele ouviu jazz pela primeira vez – e ficou encantado.

Desculpas

O governo ordenou que ele enviasse um pedido de desculpas de 10 páginas por tocar o tipo errado de música – o que o deixou chocado.

Ele disse que pelo fato de pertencer a uma família poderosa, foi poupado de punições. Mas conta que a experiência o fez pensar profundamente sobre o tipo de país onde ele vivia.

"Em Moscou, muita gente criticava a Coreia do Norte, mas eu me sentia mais patriota do que nunca. Pensava 'não importa o que eles dizem, não vou me preocupar, vou apenas fazer o meu melhor, ser leal e servir meu país com minha música’", disse.

"Mas eu comecei a perceber que teria de sacrificar muitas coisas para viver como um pianista na Coreia do Norte, e eu me senti desiludido. Passei três anos em agonia, tentando decidir se eu deveria ou não fugir do meu país."

No fim, ele decidiu fugir. Apesar de se preocupar com sua família, ele acreditava que eles apoiariam sua decisão.

E então ele deixou um bilhete para a namorada: "Não espere por mim". E partiu sem se despedir.

"Não havia como falar com ninguém sobre minha fuga. Eu tentei atravessar o rio Tumen para chegar à China."

Carregando US$ 2 mil, ele chegou ao rio no meio da noite. "Estava com muito medo e quando comecei a atravessar, um policial me apontou uma arma e disse: 'Mãos para cima'. "

"Então eu ergui minhas mãos e me lembrei do dinheiro. Dei tudo para ele, e ele me ajudou a atravessar até a China."

Fome e frio

Kim chegou em um vilarejo e disse que sabia tocar piano. "Se você toca piano ou não, não importa, você tem de trabalhar". E então ele trabalhou em fazendas e cortando árvores nas montanhas. "Foi uma época terrível. Eu estava exausto, passei fome e frio."

Foi então que ele conheceu uma outra desertora norte-coreana, que lhe contou que uma igreja próxima tinha um piano. Era um piano velho que não tocava direito, mas que fez seu coração bater.

"Quando eu toquei, fiquei extremamente emocionado e comovido."

Ele então se tornou o pianista da igreja, impressionando os fieis – e fingindo ser um sul-coreano que não havia aprendido a falar chinês fluentemente.

Um ano depois de ter saído de Pyongyang, ele conseguiu um passaporte falso da Coreia do Sul e foi para Seul começar uma vida nova.

Ele se casou, construiu uma família e uma carreira sólida como pianista de concertos, tocando no mundo todo. Ele também criou uma ONG que ajuda a educar crianças que fugiram da Coreia do Norte.

Kim conta que há cerca de 5 mil jovens norte-coreano vivendo na Coreia do Sul e que muitos são marginalizados.

Recentemente, ele também criou sua própria orquestra, que tem o nome temporária de Orquestra Jovem de Arirang.

Arirang é uma antiga canção coreana sobre amor e perda. Segundo ele, é a única música que tanto coreanos do sul como do norte conhecem.

Futuro unificado

"Eu quero ajudar essas crianças por meio da educação musical. Mais importante que isso, eu quero mostrar por meio deles que há um futuro unificado. É por isso que há adolescentes sul-coreanos tocando junto com norte-coreanos na orquestra", conta.

"Quando eu apresentei uns para os outros, algo mágico aconteceu. Primeiro, havia um silêncio estranho entre eles. Mas depois de 10 minutos, eles começaram a tocar juntos e viraram amigos. Por meio da música e do trabalho em grupo, vi essas crianças a ajudarem umas as outras."

O sonho de Kim agora é tocar na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno na Coreia do Sul, em 2018.

"Esses jovens já vivenciaram a unificação, eles se tornaram apenas um. Então, é possível imaginar o futuro de uma Coreia unificada por meio desses jovens. Mais do que isso, essa orquestra pode mostrar uma mensagem de harmonia musical para os adultos que estão lutando uns contra os outros mundo afora."

Ele ainda toca A Comme Amour, de Richard Clayderman. Sua antiga namorada, ele ficou sabendo depois, se casou com um ator.

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