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Ásia

Mulheres são raptadas e forçadas a casar no Quirguistão

2 dez 2011 - 10h03
(atualizado às 10h58)
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Pequeno enclave montanhoso na Ásia Central, o Quirguistão sofre há tempos com a tão primitiva quanto vergonhosa praxe do sequestro de noivas, um drama social que leva milhares de jovens mulheres a serem violentadas todos os anos, forçadas a perder a virgindade e a se casar contra a própria vontade.

"Eles procuram as mais belas do povoado e as sequestram após as 23h. Na manhã seguinte, após o ato sexual, elas já não são mais meninas, mas mulheres", relata Tursunbek Akun, defensor público do Quirguistão, em declarações à agência EFE.

Ele alega que o rapto de noivas não representa uma tradição cultural nem um rito, mas uma prática "selvagem e criminosa" e um atentado contra a dignidade e os direitos das mulheres.

"Pensávamos que era uma prática isolada em nosso país, mas nos equivocamos. Fizemos um estudo e descobrimos que cerca de 16 mil meninas são raptadas anualmente. Como pode existir algo assim no século XXI? Estamos escandalizados", exclama Akun.

O defensor público pretende lançar uma campanha nacional para explicar à sociedade sobre a perversidade desta prática, que, por mais primitiva que pareça, conta com a conivência das autoridades políticas e religiosas do país. "A polícia faz vista grossa. As pessoas o consideram algo normal, quando mais da metade dos casamentos que surgem de um sequestro acabam em divórcio, e muitas crianças ficam órfãs", denuncia Akun.

Para ele, a tradição vem de uma lenda romântica quirguiz ao estilo de Romeu e Julieta sobre o amor proibido de dois jovens nos anos 1930 que fugiram para as montanhas. "Alguns pais não sabem o que fazer para proteger suas filhas, mas outros são cúmplices, já que não se atrevem a denunciar o rapto. Que escolha eles têm? Se o sequestrador depois rejeitar a filha, ninguém vai querer se casar com ela, pois ela não será mais virgem", explica Akun.

Na melhor das hipóteses, segundo ele, o jovem raptor dá um cavalo de presente aos pais da namorada para que eles aprovem o casamento e para compensar a perda, o que mesmo assim não deixa de ser uma humilhação para a família. "Os sequestradores se comportam como lobos. Cometem os sequestros de noite, pois é quando não se ouvem os gritos. As jovens pouco podem fazer para resistir", acrescenta.

Aparentemente, segundo os ativistas, dois terços das mulheres que se casam no Quirguistão são mulheres que foram raptadas, costume que nem sequer as autoridades da antiga União Soviética conseguiram erradicar durante mais de 70 anos de regime autoritário.

Na metade desses casos conhecidos como "asa kachuu" (rapta e corre), as mulheres se casaram contra a própria vontade, enquanto entre 20% e 25% das noivas nunca tinham visto antes o futuro marido.

Akun fala que o drama provocou dois casos de suicídio no último ano. "Eram duas meninas de 20 anos, boas estudantes universitárias. Eram tão infelizes que se enforcaram. Segundo nossos dados, nos últimos seis anos, 15 meninas se suicidaram".

"Forçar uma mulher a se casar é punido com penas de 5 a 7 anos de prisão pelo artigo 155 do Código Penal, mas ninguém é processado. A legislação é liberal e amoral demais. Queremos modificar esse artigo para aumentar a punição para 15 anos", defende o ativista.

A pobreza é um dos motivos que explicam a atitude dos pais das garotas sequestradas, já que, quando as filhas se casam, eles não precisam mais se preocupar em sustentá-las financeiramente.

No caso das boas estudantes, como os pais não podem pagar os estudos universitários das filhas, eles concluem que acaba sendo melhor que elas se casem o mais rápido possível, ainda mais em tempos de crise econômica.

Além disso, esses casamentos saem muito baratos, pois são casamentos quase secretos, proibidos pelo mulá local e sem grandes banquetes. O divórcio é igualmente simples: basta repetir três vezes a palavra "talak" ("divorciar-se" em árabe).

Segundo um estudo local, apenas um terço das mulheres que são raptadas no Quirguistão acabam vivendo com o sequestrador. "Quando estudava no terceiro ano, me raptaram para que me casasse com um parente de uma colega de classe. O rapto de noivas é uma tragédia para todos. Como se pode casar com alguém que nunca viu?", questiona a jovem Cholpon, que posteriormente se divorciou.

Na opinião de Akun, uma das razões que levam muitos homens a recorrer à força para raptar suas futuras esposas é a ausência de condições e espaços de lazer para que os jovens se conheçam de maneira natural.

O ativista também critica a permissividade dos líderes islâmicos com este tipo de comportamento amoral. Um dos líderes muçulmanos locais, Uzbek Chotonov, argumenta que o rapto de noivas é a única forma de impedir que as mulheres se acomodem na casa dos pais.

"As meninas que demoram muito a se casar estragam a vida. Por isso, é preciso obrigá-las a se casar ou simplesmente raptá-las", sugere Chotonov.

EFE   
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