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Ásia

Maior centro financeiro mundial, Hong Kong enfrenta desigualdade crescente

1 jun 2013 - 12h06
(atualizado às 12h14)
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Eleito pelo Fórum Econômico Mundial o maior e mais importante centro financeiro do mundo pelo segundo ano consecutivo em 2012, Hong Kong retém a maior diferença entre a população rica e pobre das nações desenvolvidas. E a China, com sua política de “um país, dois sistemas” sobre Hong Kong desde 1997, contribuiu para a liderança em ambos os rankings, fomentando a inquietação social e os crescentes protestos na região.

O sonho chinês de um país próspero e saudável – econômica e socialmente – tem feito pouco pela sua mais querida ilha. Enquanto a China investe bilhões em educação e urbanização da sua parte continental, a ex-colônia britânica – que só voltará a ser chinesa por completo em 2049, quando o período de transição terminar – vive o melhor e o pior dos dois mundos. De um lado, goza de uma liberdade garantida por Margaret Thatcher quando da devolução da ilha em 1997; do outro, sua separação do Partido Comunista relega o status da ilha a um pequeno papel de coadjuvante da grande abertura chinesa, que levou o país a ser a segunda maior economia mundial.

Mais importante centro financeiro mundial, Hong Kong enfrenta a dificuldade de lutar para diminuir a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos, a maior das nações desenvolvidas
Mais importante centro financeiro mundial, Hong Kong enfrenta a dificuldade de lutar para diminuir a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos, a maior das nações desenvolvidas
Foto: Fernanda Morena / Especial para Terra

A temida “invasão comunista” nunca aconteceu, desde que a ilha voltou ao poder da China. Ao contrário, ela é usada pelo Partido Comunista como o cartão postal da ponte que Pequim cria entre o leste e o oeste do globo. É da pátria mãe, contudo, que vem o histórico sucesso e a atual crise de Hong Kong. A fuga de dezenas de milhares de chineses do continente para a ilha durante o governo de Mao Tse-Tung (1949-1976) e, em especial, durante a Revolução Cultural (1966-1976), criou uma sociedade de trabalhadores pobres e de pouca educação que fomentaram o surgimento de uma classe de trabalhadores que não poderiam competir com a mão de obra internacionalizada trazida pelos britânicos a Hong Kong.

Hong Kong vive agora o que pode ser uma “bola de cristal” para a China ver como poderá ser amargo o seu futuro: a população da ilha está envelhecendo tão rápido quanto a da China, mesmo sem ter o controle de natalidade instituído no continente; e o coeficiente Gini (que mede a desigualdade de renda) da ilha de 7 milhões de habitantes é o pior do mundo desenvolvido, tendo subido de 0,430 em 1971 para 0,537 em 2011, segundo a prefeitura local (o valor indicado pelo índice como referência mínima para manter a sociedade em harmonia é 0,4) e Hong Kong.

“Foi só nos anos 1980 e 1990 que a população começou a migrar para a indústria de serviço, com a saída de muitas das fábricas de Hong Kong para o Delta do Rio da Pérola, a área chamada de Cantão”, explica Robert Chung, da Universidade de Hong Kong. “A partir daí, começou a surgir uma demanda por mão de obra mais qualificada, educada, aumentando a diferença entre o alto e o baixo da hierarquia social.”

Mais importante centro financeiro mundial, Hong Kong enfrenta a dificuldade de lutar para diminuir a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos, a maior das nações desenvolvidas
Mais importante centro financeiro mundial, Hong Kong enfrenta a dificuldade de lutar para diminuir a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos, a maior das nações desenvolvidas
Foto: Fernanda Morena / Especial para Terra

Crise social

Em Hong Kong, onde a democracia é intrínseca à noção de prosperidade dos habitantes locais, dezenas de protestos têm tomado as ruas mensalmente para manifestar o descontentamento com o governo: ora o local, ora o chinês, que voltará a dominar a ilha por completo em 2049. No último mês, a mais longa manifestação desde 2007 durou 40 dias e tinha como bandeira o aumento de salários e melhores condições de trabalho.

Os protagonistas da história são 450 trabalhadores do porto de Hong Kong, que iniciaram uma greve em abril para reivindicar uma jornada de trabalho regular, licença à maternidade paga,  melhores condições para a aposentadoria e uma revisão do salários de 20%. A manifestação, apoiada pela União dos Trabalhadores locais, tinha um alvo determinado: Li Ka-shing, magnata de 84 anos que detém 70% do movimento do porto de Hong Kong e é o homem mais rico da Ásia, com uma fortuna avaliada em US$ 31 bilhões, conforme a revista Forbes.

Em função da enorme pressão criada pelos grevistas, o governo local decidiu aumentar o salário mínimo para 30 HKD por hora (cerca de R$ 8,20). Os trabalhadores das docas ganham 55 HKD por hora – 5,70 HKD a menos do que em 1995. “Esse é o pior índice de desigualdade desde 1971”, segundo Susanna Lam Fung-san, diretora da consultoria Ipsos. “A situação é séria, e há indícios de que esteja piorando”, acrescenta.

Uma pesquisa feita pelo Ipsos no ano passado, publicada em abril, mostra que 20% dos mais pobres de Hong Kong dividem apenas 6% da receita total da ilha, ao passo que os ricos detêm 43% da fatia. “A renda da base da pirâmide cresceu 2%, enquanto a dos mais ricos subiu 10% e a da classe média alta 14%”, aponta a diretora. E não foi só em números que o estudo conseguiu traduzir a atual circunstância do dinheiro movimentado no maior centro financeiro do mundo: conforme a Ipsos, a disparidade entre ricos e pobres criou uma “divisão digital”, que mostra que a educação local e o acesso à tecnologia também estão ao alcance apenas dos privilegiados.

“É impossível não pensar que uma situação dessas iria acontecer”, disse Stanley Ho, secretário geral da União dos Trabalhadores do Porto no dia 6 de maio, quando a greve chegou ao fim. “Dizemos, porém, que vencemos metade da batalha apenas. Pelo menos o aumento de 9,8 % que conseguimos, metade do que queríamos, foi estendido para todos os trabalhadores do porto, e não só aos grevistas.”

Protestos e manifestações são recorrentes na rotina apressada de Hong Kong, mas não contam com o apoio de seu mais famoso filho, o ator Jackie Chan, que saiu em defesa do governo. Em uma entrevista concedida ao jornal Southern People Weekly, Chan reclamou de sua cidade natal, dizendo que “Hong Kong virou uma cidade de protesto”. “As autoridades deveriam estipular os assuntos sobre os quais as pessoas podem protestar ou não”, acrescentou, referindo-se às críticas locais a Pequim. O ator é um reconhecido defensor da união da ilha à China continental e mantém abertamente o discurso pró-Pequim.

Participação da riqueza total de HK Renda em HKD (aumento da renda no último ano)
43% 65.651 (10%)
25% 38.217 (14%)
16% 24.351 (10%)
11% 16.133 (7%)
6% 8.786
 

Fonte: Ipsos Media Atlas Hong Kong

O sonho continental

Cheung Ng saiu de Hong Kong em 2007 para tentar a carreira como músico em Pequim. Hoje, aos 31 anos, se identifica como um chinês e diz jamais querer voltar a morar na ilha onde nasceu. “Eu jamais conseguiria alugar um apartamento lá, ou mesmo ter uma bicicleta”, reclama. “Fora que em Hong Kong existe uma ideia exacerbada de organização que chega a ferir essa liberdade de que tanto se fala por lá”, acrescenta.

Ng não se interessa por política, nem da China, nem de lugar nenhum, mas diz perceber certas diferenças trazidas pelos comunistas à porção continental. “Em Hong Kong, éramos sempre inferiorizados por sermos asiáticos, os 'colonos'. A China, pelo menos, conseguiu tirar um monte de gente da pobreza, enquanto os nativos de Hong Kong amarguram uma vida média, caso não façam parte do clube do trilhão da indústria financeira”, avalia.

Mais importante centro financeiro mundial, Hong Kong enfrenta a dificuldade de lutar para diminuir a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos, a maior das nações desenvolvidas
Mais importante centro financeiro mundial, Hong Kong enfrenta a dificuldade de lutar para diminuir a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos, a maior das nações desenvolvidas
Foto: Fernanda Morena / Especial para Terra

E o jovem designer está certo; o país asiático conseguiu diminuir sua população pobre de 43% em 1981 para 13% em 2010, de acordo com o Banco Mundial.

“Se a questão da China era a pobreza, hoje ela se tornou como manter as pessoas felizes dentro do país”, aponta Robert Chung. “E certamente olhar para Hong Kong pode ser um bom jeito de pensar nisso.”

A busca da prosperidade da nação inclui não só manter o crescimento econômico acima dos 7% - para evitar a insatisfação social – como também melhorar as condições de vida da população. Em janeiro, o chefe do Birô Nacional de Estatísticas, Ma Jiantang, anunciou que o coeficiente Gini na parte continental teria caído de 0,477 em 2011 para 0,474 no ano seguinte.

Hong Kong pode estar fora do sonho chinês por manter uma relativa autonomia do governo, mas é peça chave para a concretização de qualquer plano, diz Chung. “Hong Kong é a sala de desembarque da Ásia. Tudo que acontece lá importa para o resto do mundo, e é bem possível que o governo instituído localmente no ano passado venha a ficar cada vez mais próximo de Pequim e, com isso, alinhar seu crescimento à China continental.”

Fonte: Terra
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