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Ásia

Hotel na Índia hospeda pessoas que estão prestes a morrer

Apenas hóspedes que morrerão em menos de duas semanas são aceitos na "Casa da Libertação"

5 out 2015 - 06h11
(atualizado às 10h24)
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Apenas hóspedes que morrerão em menos de duas semanas são aceitos na Casa da Libertação
Apenas hóspedes que morrerão em menos de duas semanas são aceitos na Casa da Libertação
Foto: Alberto Peña / EFE

O hotel Mukti Bhawan, ou Casa da Libertação, na cidade sagrada de Benares, na Índia, tem uma estrita política de admissão: apenas hóspedes que morrerão em menos de duas semanas. Ele é um dos lugares que se espalham pela capital espiritual do país para acomodar durante seus dias finais os milhares de devotos que desejam exalar aqui seu último suspiro, algo que, segundo a tradição hindu, lhes libertará do ciclo da vida e da morte.

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A crença popular diz que um banho no rio Ganges lava os pecados e ser incinerado em suas margens livra as almas da reencarnação, mas morrer na mais sagrada das localidades banhadas por suas águas é um passaporte direto para a salvação, algo reservado só para os mais privilegiados.

Em uma viela a uma curta distância do rio, um pequeno jardim dá passagem a um edifício de fachada de cor cereja, cornijas amarelas e janelas verdes. Logo após atravessar a porta da Casa da Libertação, a estética amável do exterior morre pelas mãos do cinza que inunda tudo.

Doze austeros quartos com as paredes descascadas se distribuem em dois andares ao redor de um pátio central, no qual jaz, solitária, uma velha cadeira de rodas. Onze portas abertas de par em par refletem uma capacidade quase completa.

A alta temporada ficou para trás com o sufocante calor que em maio e junho dá a muitos idosos o último empurrão rumo ao outro mundo, mas a verdade é que o hotel "está cheio a maior parte do tempo", afirmou à Agência Efe a nora do gerente, Jyotsna Shukla.

Os provectos hóspedes deste hotel beneficente, que cobra apenas as despesas de eletricidade, procedem em sua maioria do próprio estado de Uttar Pradesh ou do vizinho Bihar e em algumas ocasiões chegam inclusive em ambulância.

"Muitas vezes estão muito saudáveis, portanto, temos que pedir para irem embora", contou a mulher de meia idade, que administra a propriedade junto ao resto de sua família.

Shukla reconheceu que trabalhar em um lugar assim rende momentos "apavorantes", especialmente quando se escuta os parentes dos moribundos chorarem, mas seu sorriso largo explica como o tempo a ensinou a encarar tudo com humor.

Entre risos, lembrou o caso de um homem que, após esgotar o prazo de duas semanas, voltou uma segunda vez disposto a conseguir a libertação de uma vez por todas. Ao ser perguntada se ele enfim tinha conseguido, Shukla explodiu em uma grande gargalhada e negou com cara de incredulidade: "teve que voltar uma terceira vez".

Imagem do Hotel Mukti Bhawan, ou Casa da Libertação, na cidade sagrada de Benares, na Índia
Imagem do Hotel Mukti Bhawan, ou Casa da Libertação, na cidade sagrada de Benares, na Índia
Foto: Alberto Peña / EFE

O momento exato da morte é sempre difícil de antecipar, apesar de que, para todos os que lá se hospedam, parece estar na sala ao lado.

Radhika Devi aguardava sua viuvez recostada sobre uma cama de madeira sem colchão. Seu marido, de 65 anos e doente terminal, já havia deixado de comer e se alimentava unicamente de água e leite.

"Fomos juntos ao hospital, mas os médicos nos disseram que não havia esperança, portanto viemos pra cá. Ele conhecia a importância deste lugar", declarou a mulher, envolta em um colorido sari de flores, no quarto do térreo que compartilha com seu marido.

Todos os hóspedes devem estar acompanhados de pelo menos dois parentes no momento do registro, apesar de em alguns casos, como o de Devi, só um deles ter se alojado no hotel e o outro ter retornado apenas no dia da libertação, detalhou à Efe o jovem Gopal Chaubey, de 17 anos.

Gopal conhece todos os segredos do Mukti Bhawan, já que seu avô é o encarregado de cuidar do "templo" do lugar, um pequeno altar infestado de brilhantes figuras de deuses e telas de cores, situado em uma esquina de azulejos brancos ao lado da recepção.

"Há uma oração e três oferendas ao dia", relatou Gopal, ao assegurar que o edifício, fundado em 1958 pelo empresário Vishnu Hari Dalmia em memória de sua avó, é um "lugar sagrado".

No andar superior, Nutan Chaudhary, de 52 anos, estava plenamente consciente de que seu pai se encontrava em "seus últimos dias". O ancião, extremamente miúdo, estava doente de câncer e jazia em seu leito de morte com uma tela branca como única vestimenta.

Embora nem todos estivessem alojados na Casa da Libertação, uma dúzia de familiares e dois serventes viajaram de Bihar para acompanhar-lhe em sua partida. "Iremos ao Ganges e queimaremos seu corpo", afirmou Chaudhary à Efe.

Nas escadas de acesso ao rio, as piras funerárias ardem durante as 24 horas dos 365 dias do ano para cobrir a alta demanda, elevando uma fileira de fumaça ao céu por cada alma libertada.

EFE   
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