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Ásia

Entenda como é aplicada a pena de morte na Indonésia

64 prisioneiros acusados de posse ou tráfico de drogas estão na fila do fuzilamento; estima-se que 20 deles sejam executados ainda este ano

26 fev 2015 - 10h18
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<p>O brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira (à direita), executado dem 17 de janeiro</p>
O brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira (à direita), executado dem 17 de janeiro
Foto: Twitter

Em dezembro de 2014, o presidente indonésio Joko Widodo negou clemência aos 64 condenados a morte por crimes relacionados a drogas em seu país, e, após 17 de janeiro, não restaram dúvidas de que o líder asiático é um homem de palavra. Seis prisioneiros foram executados nesse dia, entre eles, o brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, que havia sido preso na Indonésia há mais de dez anos por tráfico de drogas. Todos os recursos e  pedidos de misericórdia, da família e até mesmo da presidente Dilma Rousseff, foram ignorados.

De acordo com Widodo, as execuções são "uma terapia de choque" necessária para combater o que ele descreve como uma "emergência" em um país que se tornou, ao longo dos anos, um centro de distribuição de drogas para a Austrália e países asiáticos.

O ministro para assuntos políticos, legais e de segurança, Tedjo Edhy Purdjanto, e o procurador-geral do país, Muhammad Prasetyo, tentaram corroborar o argumento do presidente. “Quarenta dependentes morrem por dia por causa dos "senhores da droga", disse Purdjanto, em entrevista ao jornal britânico The Guardian. “Esperamos que as execuções sejam uma determinante. Estamos meramente protegendo nosso país do perigo das drogas", argumentou  Prasetyo.

Estatísticas oficiais mostram que o número de casos de apreensões de substâncias proibidas cresceu consideravelmente nos últimos meses, e há entre as autoridades a crença de que o fato de não ter havido nenhuma execução entre 2008 e 2013 tenha servido de incentivo para transgressões.

Como e em quais circunstâncias é aplicada a pena de morte na Indonésia

De acordo com informações da Anistia Internacional, havia, em novembro de 2013, cerca de 130 prisioneiros, entre indonésios e estrangeiros, aguardando o fuzilamento na Indonésia. Muitos desses detentos aguardam dez anos ou mais para serem executados, como é o caso dos acusados de assassinato, terrorismo e tráfico de drogas.

Os prisioneiros e seus familiares são notificados 72 horas antes da execução. Uma vez na ilha de Nusakambangan, os detentos são acordados no meio da noite e levados a um local remoto, onde são mortos pelo pelotão de fuzilamento, método usado desde 1964.

<p>Rodrigo (à esquerda) e Marco Archer tiveram a pena capital deceretada por tráfico de drogas</p>
Rodrigo (à esquerda) e Marco Archer tiveram a pena capital deceretada por tráfico de drogas
Foto: BBC Mundo / Reprodução

Os detentos podem escolher se querem morrer em pé, sentados, ou de joelhos, com o rosto coberto por venda ou capuz. Participam do pelotão de fuzilamento 12 pessoas, das quais três carregam os fuzis com munição real. Os outros nove são carregados com bala de festim. Os tiros são disparados de uma distância de cinco a dez metros após o soar do apito e o brandir da espada do comandante do pelotão. Os detentos, vestindo uma camiseta branca com uma marca preta na altura do coração (para facilitar a mira) ficam a mercê de seus algozes. Se o tiro não acertar o peito do condenado, o chefe da guarda se encarrega de dar o tiro de misericórdia: na cabeça do condenado. Todo o procedimento é realizado longe dos olhos do público. Estima-se que apenas esse ano, 20 condenados sejam executados.

Conforme informações da organização não governamental KontraS – Comission for the Disappeared and Victims of Violence – aguardavam no corredor da morte, em 2013, presos de pelo menos 18 países: Austrália, Brasil, China, França, Gana, Grã-Bretanha, Índia, Irã, Malawi, Malásia, Holanda, Nigéria, Paquistão, Senegal, Serra Leoa, Estados Unidos, Vietnã, e Zimbábue.

Conforme informações de outubro de 2013 do site Death Penalty Worldwide, são passíveis de execução por fuzilamento na Indonésia os presos acusados de homicídio premeditado, latrocínio, extorsão, pirataria resultante em morte, sequestro, uso de armas químicas, terrorismo, fabricação, posse e tráfico de drogas, corrupção, ataques a militares e a personalidades do Estado,  espionagem, genocídio, tráfico de pessoas, escravidão, tortura, estupro, entre outros.

Não houve execuções em 2014.

Indonésia justifica execução de brasileiro Marco Archer:
Os últimos passos de Marco Archer

Marco Archer Cardoso Moreira, 53, foi executado por um pelotão de fuzilamento em 17 de janeiro. O brasileiro trabalhava como instrutor de voo livre e foi preso em agosto de 2003, após tentar entrar na Indonésia pelo aeroporto internacional de Jacarta com 13,4 quilos de cocaína escondidos em uma asa delta desmontada.

Assim como Archer, outros cinco prisioneiros acusados de delitos relacionados a drogas perderam a vida naquela data. Foram eles: Ang Kiem Soei, da Holanda; Daniel Enemuo, 38, da Nigeria; Namaona Denis, 48, do Malawi; e Rani Adriani, da Indonésia. O vietnamita Tran Thi Bich Han foi executado no distrito Boyolali, província de Central Java.

Entre os prisioneiros que estão hoje na prisão e aguardam o fuzilamento, estão:

Iyen bin Azwar, Harun bin Ajis e Ali bin Sanusi (Indonésia)

Os três indonésios foram condenados a morte na Corte do distrito de Bangko, em novembro de 2001, pelo assassinato de sete pessoas de uma comunidade indígena no distrito de Merangin, na província de Jambi.

Mary Jane Fiesta Veloso (Filipinas)

Maty Jane foi condenada pela Corte do distrito de Sleman, em outubro de 2010, por tentar contrabandear 2,6 quilos de heroína da Malásia para a Indonésia, pelo aeroporto de Yogyakarta, em abril de 2010.

Andrew Chan e Myuran Sukumaran (Austrália)

Os australianos foram condenados pela Corte do distrito de Denpasar, em fevereiro de 2006, por tentar contrabandear para o seu país de origem mais de oito quilos de heroína, em 2005.

Serge Areski Atlaoui (França)

Atlaoui foi condenado a prisão perpétua pela Corte do distrito de Tangerang, em novembro de 2006, por administrar uma fábrica de narcóticos na província de Banten. Em  maio de 2007, ele foi condenado à morte pela Suprema Corte.

Martin Anderson, o Belo (Gana)

O ganense foi condenado à morte pela Corte do distrito de Jacarta do Sul, em junho de 2004, depois de ser pego com 50 gramas de heroína, em novembro de 2003.

Zainal Abidin (Indonésia)

O indonésio foi sentenciado a 15 anos de prisão pela Corte do distrito de Palembang, em setembro de 2001, por tráfico de 58,7 quilos de maconha. Três meses mais tarde, ele foi condenado a morte.

Raheem Agbaje Salami (Nigéria)

Raheem foi condenado a prisão perpétua pela Corte do distrito de Surabaya, em abril de 1999, por contrabandear 5,3 quilos de heroína para a Indonésia pelo aeroporto de Juana, em setembro de 1998. Em maio de 2006, ele foi sentenciado a morte pela Suprema Corte.

Rodrigo Gularte (Brasil)

O paranaense foi preso no aeroporto internacional de Jacarta, em 2004, ao entrar no país com seis quilos de cocaína escondidos em uma prancha de surfe. Foi condenado a pena capital em fevereiro de 2005.

Hardani, Khoirul Anwar e seu filho, Yonas Revalusi (Indonésia)

Hardani, um ex-policial, Khoirul e seu filho foram condenados a morte por estuprar e matar uma estudante em Yogykarta, em 2013.

Lidsay Sandiford (Grã-Bretanha)

A senhora de 58 anos recebeu sua condenação em janeiro de 2013, após ser acusada de entrar na ilha de Bali transportando cinco quilos de cocaína em uma mala - a mercadoria estava avaliada em mais de R$ 6 milhões. Sandiford alegou ter sido coagida a transportar a droga depois que seus filhos foram ameaçados.

Um paranaense no corredor da morte

Rodrigo Muxfeldt Gularte é o único brasileiro restante no corredor da morte na Indonésia. O paranaense está preso desde julho de 2004, após tentar entrar no país com 6 kg de cocaína escondidos em pranchas de surfe, e condenado à morte no ano seguinte.

Segundo brasileiro condenado a morte na Indonésia é de Foz do Iguaçu:

Diante da negação de dois pedidos de clemência, a família tenta explorar uma brecha na lei indonésia para que a execução de Rodrigo, prevista ainda para fevereiro, não seja realizada. Parentes esperam convencer as autoridades de que o brasileiro é esquizofrênico. Com esse diagnóstico, ele pode ser transferido para um hospital psiquiátrico e ter o cumprimento da sentença adiado, já que a lei indonésia proíbe a morte de um detento que não esteja em plenas condições mentais.

Em entrevista a BBC Brasil, uma prima de Rodrigo contou que o prisioneiro criou um “mundo paralelo”, acredita que não será executado e que está seguro dentro da prisão, por isso não quer ir para o hospital. Um profissional deve examinar o brasileiro

O polêmico debate sobre a pena de morte

Os australianos Chan e Sukumaran serão executados este mês por tentaram entrar com drogas na Indonésia há dez anos. Eles assumiram os crimes que cometeram e demonstraram arrependimento. Hoje, atuam como líderes da prisão de Kerobokan, situada em Bali, ministrando aulas de informática e filosofia e aconselhando outros presos.

Os australianos Andrew Chan e Myuran Sukumaran estão no corredor da morte
Os australianos Andrew Chan e Myuran Sukumaran estão no corredor da morte
Foto: Twitter

Diante desses fatos, é inevitável a alguns não questionar: por que há de se matar dois homens que tiveram dez anos para mudar e se tornar pessoas melhores? No caso específico de Chan e Sukumaran, não são apenas as famílias e os advogados que fazem a pergunta. O próprio administrador da prisão, Siswanto, disse, em uma audiência de apelação em 2010, que os australianos eram prisioneiros modelo e que suas vidas deveriam ser poupadas. “Eles ainda são novos, merecem uma chance para consertar os erros do passado. Eu pessoalmente não posso aceitar que eles sejam executados”, afirmou.

Sukumaran se tornou um pintor de retratos, está se formando em arte após fazer um curso por correspondência, e é educado pelo famoso artista australiano Ben Quilty, que também já apelou pela sua absolvição: “Myuran fez uma coisa horrível, mas isso foi há muito tempo”. Ele também ensina inglês, informática e design, e foi indicado pelos próprios presos para exercer uma atividade de liderança -  a de supervisionar um grupo de mais de 20 detentos.

Chan, de uma família cristã, se tornou ainda mais religioso na prisão. Ele estuda teologia e alerta os outros presos sobre os perigos das drogas. 

Como os dois cometeram o crime juntos, deverão ser fuzilados juntos. Com 33 e 31 anos, respectivamente, Sukumaran e Chan serão os primeiros australianos a morrer nas mãos de funcionários do regime indonésio.

Lidsay Sandiford (centro) fez um acordo de delação premiada e mesmo assim teve a pena de morte decretada
Lidsay Sandiford (centro) fez um acordo de delação premiada e mesmo assim teve a pena de morte decretada
Foto: Twitter

A condenação de Lidsay Sandiford também é polêmica. A britânica foi sentenciada a morte mesmo depois de ter colaborado com a polícia em uma operação na qual membros da gangue de traficantes com quem trabalhou foram presos.

De acordo om o advogado Peter Morrissey, que trabalha no caso dos colegas australianos em 2007, é ilegal não considerar individualmente os casos dos 64 acusados de tráfico de drogas que estão no corredor da morte. “A Indonésia diz que está fazendo cumprir a lei, mas não está. Eles têm uma lei que garante ao prisioneiro o direito de pedir clemência, mas já disseram que todos os 64 serão mortos”, argumentou em entrevista ao The Guardian na Austrália.

Há também desacordo entre os dois tribunais superiores indonésios, ressalta o advogado. O Tribunal Constitucional defende que o detento que tenha passado dez anos no corredor da morte e apresentado bom comportamento merece ter o caso revisado para que a pena de morte seja convertida em uma pena de prisão. O Supremo Tribunal, por outro lado, é categórico: não há lugar para uma segunda revisão judicial.

Seja como for, Marco Archer levantou uma questão no mínimo intrigante durante a última conversa que teve com a tia, Maria de Lourdes Archer Pinto, um dia antes de seu fuzilamento: ele seria morto, mas os chefões da droga continuariam vivos, na prisão ou até mesmo fora delas, já que se sabe que, em sua maioria, são os surfistas de classe média e com boa escolaridade que vivem do tráfico. Posto isso, e sem entrar no mérito se a pena de morte é ou não aceitável, estaria mesmo a Indonésia usando seu máximo método punitivo contra os verdadeiros causadores do problema?

Fonte: Terra
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