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Ásia

Coreia do Norte virou uma pedra no sapato de Pequim, diz analista

Especialista do Council of Foreign Relations explica como a provocações de Kim Jong-un têm atrapalhado os planos da China no sudeste asiático

25 mai 2013 - 09h00
(atualizado em 9/9/2013 às 14h35)
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As constantes ameaças de Pyongyang a Seul não têm incomodado apenas o governo sul-coreano e as potências ocidentais, que parecem não saber bem como lidar com a imprevisibilidade de Kim Jong-un. A tensão na Península Coreana também não vem agradando um dos maiores aliados do regime comunista norte-coreano: a China.

O líder norte-coreano Kim Jong-un, figura que vem fazendo a China mudar suas prioridades na diplomacia da Ásia
O líder norte-coreano Kim Jong-un, figura que vem fazendo a China mudar suas prioridades na diplomacia da Ásia
Foto: AFP

Esta é a opinião de Scott Snyder, analista do Council of Foreign Relations (CFR). Em entrevista ao Terra, o especialista em relações entre as Coreias disse que essa instabilidade causa um transtorno na geopolítica internacional e tira o foco da política internacional chinesa de sua grande estratégia: o Mar do Sul da China.

“Acredito que Pequim tenha poder suficiente para lidar com as duas situações, mas a Coreia chama atenção internacional e sobe na agenda das conversas sino-norte-americanas, competindo em prioridade”, avalia.

A atenção chinesa sobre o sudeste asiático é obra da política do presidente Xi Jinping, que, desde novembro, quando foi apontado como o candidato do partido para a presidência, lançou a campanha do “Sonho Chinês”. O lema de Xi é visto por analistas como um agressivo passo à frente em relação ao slogan criado pelo ex-presidente Hu Jintao, a “sociedade harmônica”.

Parte do Sonho Chinês é a soberania do país, buscada por Xi através da força militar (confira os números na tabela). “Ele já provou ser mais duro em suas políticas, em especial sobre territórios do sul da China”, comenta Snyder. Mas a retórica belicista de Kim Jong-un vem obrigando a China a colocar a questão norte-coreana à frente no front diplomático.

Investimento militar na Ásia

A China aumentou em 10,7% seu orçamento militar para 2013, elevando para 740,6 bilhões de yuans (R$ 244,3 bilhões). Os Estados Unidos ainda lideram a lista dos maiores orçamentos militares do mundo com US$ 677,2 bilhões (R$ 1,3 trilhão) e adicionam mais tensão às relações da China com seus vizinhos militarmente mais pobres – ato que foi altamente criticado por Pequim em seu Livro Branco sobre Defesa.

A Coreia do Sul investe US$ 26,1 bilhões (2,8% do PIB) em defesa, enquanto a Coreia do Norte gasta US$ 8,21 bilhões (22,3% do PIB). O Japão, o quinto maior orçamento militar mundial, conforme o Instituto de Pesquisa de Paz Internacional de Estocolmo, é o concorrente chinês, com gastos de US$ 59,3 bilhões anuais.

No sudeste asiático, o apoio norte-americano impulsionou o investimento em defesa de Vietnã, Taiwan, Brunei, Malásia e Filipinas – todas as nações em conflitos atuais com o dragão asiático por territórios marítimos no Mar do Sul da China.

China e Coreia do Norte: relações estremecidas

Desde que a Coreia do Norte fez seu terceiro teste nuclear em fevereiro deste ano, as relações entre Pyongyang e Pequim não vão bem. Em março, a histórica aliada China votou a favor de sanções impostas pelas Nações Unidas ao governo de Kim Jong-un, o que adicionou pressão à crise da Península Coreana e às ameaças de uma guerra com os Estados Unidos.

No calor da crise de abril, o ministro das relações Exteriores chinês, Wang Yi, declarou que “Pequim não aceitaria problemas em suas portas”, colocando os dois aliados históricos em lados diferentes na mesa de negociações. No mês anterior, Pyongyang já havia cancelado o armistício assinado em 1953 com o fim da Guerra da Coreia – o documento garantia apenas trégua entre as forças coreanas do Norte e do Sul; não era um Tratado de Paz.

“A China está mudando sua tática com a Coreia do Norte para uma relação mais condicional, dependendo diretamente das respostas norte-coreanas às preocupações chinesas”, explica Snyder. O novo governo Kim tem se mostrado menos interessado em manter a diplomacia com Pequim, ignorando pedidos de conversas bilaterais e as ameaças do seu maior parceiro econômico e fornecedor de combustível e alimentos.

As intenções de Pyongyang permanecem incertas: estaria a Coreia do Norte blefando para conseguir que sanções contra o país fossem aliviadas e a economia local conseguisse ver uma luz no fim do túnel ou estaria Kim mesmo interessado em um conflito?

Pequim não se alia à Coreia em nenhuma das opções. A China não tem interesse em uma guerra com os Estados Unidos e aliados norte-americanos na Ásia, nem com a possível invasão de 24 milhões de famintos refugiados norte-coreanos através de seus 1,4 mil quilômetros de fronteiras. Huchun, cidade da província de Jilin que faz fronteira com a Coreia, conduziu, em abril, pela primeira vez na sua história, um exercício de segurança e evacuação de emergência. Para a prefeitura local, a China já não está mais distante da possibilidade de um ataque.

Uma reunificação da península tampouco é interessante para a China. Ela colocaria os Estados Unidos como um vizinho permanente; eliminaria o “bad boy” asiático, que distrai os norte-americanos da interferência nos assuntos chineses; reforçaria o poder da Coreia do Sul, a nação mais anti-China do globo (dois terços de entrevistados em uma pesquisa conduzida por um jornal local disseram ser contra a influência chinesa mundial); traria milhões de norte-coreanos para um mercado de trabalho que competiria diretamente com a fábrica barata made in China.

Uma faceta controversa da crise na península coreana é a ascensão da China como um player essencial na solução de conflitos internacionais. A ONU converge as discussões de paz e estabilidade entre Coreia do Norte, do Sul e Estados Unidos através de Pequim. “A Península Coreana é ainda um ponto de colaboração importantíssimo entre EUA e China”, aponta Snyder.

Imagem aérea mostra o porta-aviões chinês Varyag navegando pelo Mar Amarelo; emvarcação é um dos últimos grandes investimentos militares de Pequim
Imagem aérea mostra o porta-aviões chinês Varyag navegando pelo Mar Amarelo; emvarcação é um dos últimos grandes investimentos militares de Pequim
Foto: AFP

Vizinhança turbulenta

A crise coreana é um obstáculo no curso da política internacional chinesa, que visa resolver disputas iniciadas há dois anos com seus vizinhos do sudeste asiático. No Livro Branco de Defesa, publicado em abril, Pequim anuncia que “não pretende buscar hegemonia nem expandir seu exército”, mas que suas manobras servem para “salvaguardar a unificação nacional, a integridade territorial e interesses nacionais no desenvolvimento do país”.

A Marinha chinesa conta com um efetivo de 235 mil (dos 850 mil que integram a defesa nacional) e não deverá se envolver em conflitos com Filipinas, Vietnã e Malásia, que também disputam territórios marítimos no Mar do Sul da China. As disputas ocorrem em função da Linha dos Nove Pontos, criada pela China em 1914 e que delimita o território chinês por quase toda a região. 

O avanço da reivindicação chinesa pelo território sobre seis nações - Taiwan, Filipinas, Vietnã, Malásia, Brunei e Indonésia – causou uma discussão acalorada  entre o dragão chinês e parte dos tigres asiáticos, o que posiciona poder econômico e militar em uma luta de vantagens.

“A China não tem necessariamente mais poder do que os vizinhos do sudeste para simplesmente requerer territórios”, aponta Joshua Kurlantzick, autor do livro Democracia em Recuo (em tradução livre, sem edição em português) e especialista em política do sudeste asiático.

Imagem do dia 23 de maio mostra uma reunião entre representantes norte-coreanos com seus contrapartes chineses, em Pequim
Imagem do dia 23 de maio mostra uma reunião entre representantes norte-coreanos com seus contrapartes chineses, em Pequim
Foto: AFP

Para Kurlantzick, a Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático, na sigla em inglês) tem um papel fundamental na intervenção das disputas e na manutenção da diplomacia regional. “É mais importante ainda para a organização econômica regional em longo prazo, liderando as conversas de áreas de comércio livre.”

Futuro do sonho chinês?

Com a guinada mais agressiva das políticas internacionais lançadas pelo sonho chinês de um exército forte e soberano, é possível que a China permaneça protagonizando as crises asiáticas no palco internacional.

O desenvolvimento econômico chinês, que fez da China um país urbano e de classe média, contribui para a promoção do slogan de Xi Jinping pela ascensão da China como um grande poder. “A sociedade ainda não está pedindo reformas políticas e segue cooperando com o governo central”, diz Kurlantzick. “Ainda é cedo para falar de quão forte é a influência do sonho chinês na disputa territorial no sudeste asiático, mas é certo que o sonho chinês empurra um sentimento nacionalista no país que facilita o apoio social para as intervenções de Pequim pela Ásia.”

Veja fotos da crise na Península Coreana no mês de abril

Fonte: Terra
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