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África

Após greve de fome, rapper preso está em "estado grave"

O angolano Luaty Beirão é acusado de preparar uma rebelião contra o governo do presidente José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979

9 out 2015 - 05h11
(atualizado às 07h35)
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Luaty Beirão é um dos mais constantes críticos ao governo angolano
Luaty Beirão é um dos mais constantes críticos ao governo angolano
Foto: Arquivo Pessoal

Após passar os últimos 19 dias em greve de fome, o rapper e ativista angolano Luaty Beirão está tão debilitado que não consegue mais beber água e passou a sofrer desmaios na prisão, segundo amigos ouvidos pela BBC Brasil. "Ele já não se aguenta em pé, está em estado muito grave", diz Pedro Coquenão, amigo próximo do músico de 33 anos.

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Em junho, Beirão e outros 15 jovens foram presos na capital angolana, Luanda, acusados de preparar uma rebelião contra o governo do presidente José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979. Eles rejeitam a acusação e se dizem presos políticos.

Uma campanha pela libertação do grupo - conhecido como 15+1 - mobilizou nas últimas semanas vários artistas e escritores de países lusófonos, entre os quais Chico César, Emicida, Lourenço Mutarelli, Mia Couto e José Eduardo Agualusa.

A Anistia Internacional diz que os jovens foram presos por "simplesmente exercerem o seu direito de liberdade de expressão".

Beirão iniciou a greve de fome em setembro, após completar 90 dias na prisão, prazo máximo da legislação angolana para detenções provisórias. O Ministério Público só apresentou uma denúncia formal contra o grupo nesta semana.

Na noite de quinta-feira, amigos e parentes dos ativistas detidos se reuniram para uma vigília em frente à Igreja Sagrada Família, em Luanda. "Luaty, aguenta. És um verdadeiro guerreiro", dizia um dos cartazes portados pelos manifestantes.

Além do músico, integram o grupo de detidos Manuel Nito Alves, Afonso Matias, José Gomes Hata, Hitler Jessia Chiconda, Inocêncio António de Brito, Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingo-Bingo, Fernando António Tomás, Nélson Dibango Mendes dos Santos, Arante Kivuvu Lopes, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias, Domingos José da Cruz e Osvaldo Caholo.

Luaty Beirão está preso na capital Luanda desde junho
Luaty Beirão está preso na capital Luanda desde junho
Foto: Arquivo Pessoal

Água e soro nas veias

Segundo Pedro Coquenão, Beirão só encerrará a greve de fome quando "o governo angolano respeitar a legislação" e libertar o grupo. Ele diz que desde o início do protesto o ativista só tem bebido água e recebido soro na veia, levado por sua família.

Nos últimos dias, porém, Coquenão diz que a saúde de Beirão se deteriorou tanto que seu estômago começou a rejeitar o líquido. Na quinta-feira, ativistas e parentes foram à prisão de Calomboloca para tentar visitá-lo, mas só a mãe do ativista pôde entrar. Coquenão diz que ela saiu muito abalada.

O rapper chegou a ser transferido para um hospital na última sexta-feira, mas voltou ao presídio no mesmo dia.

Também conhecido como Ikonoklasta ou Brigadeiro Mata Frakuxz, Henrique Luaty Beirão nasceu em Luanda em 1981, pertencente à terceira geração de uma família de imigrantes portugueses. Após concluir o ensino médio, estudou engenharia na Inglaterra e economia na França antes de voltar a Luanda.

Manifestantes fazem vigília pela soltura de Luaty Beirão
Manifestantes fazem vigília pela soltura de Luaty Beirão
Foto: Arquivo Pessoal

Viagem

Em entrevista ao site Maka Angola, Beirão conta que viajou de Portugal a Angola a pé e de carona, com apenas 115 euros (R$ 490) no bolso. Seu objetivo era "palmilhar por terra o máximo de países africanos possíveis, beber da experiência, enriquecer-me espiritualmente".

Pai de uma menina de dois anos, o músico se tornaria uma das vozes mais críticas ao governo de José Eduardo dos Santos, contra quem protesta abertamente em seus shows, acusando-o de calar críticos e manter em Angola um regime corrupto e opressor.

Dona da segunda maior reserva de petróleo da África Subsaariana, Angola tem o segundo menor índice de expectativa de vida do mundo (52 anos) e o sétimo pior indicador para mortalidade infantil (104 mortes por mil nascimentos).

Nos últimos anos, pequenas manifestações pela saída de José Eduardo dos Santos se tornaram frequentes em Luanda. Organizados em sua maioria por estudantes, os atos costumam terminar com detenções.

José Eduardo dos Santos assumiu a Presidência em 1979, quatro anos após a Independência de Angola, ex-colônia de Portugal no oeste africano. Durante a maior parte de seu governo, o país viveu uma guerra civil, encerrada em 2002.

Em 2012, na primeira eleição geral angolana após o fim da guerra, ele se elegeu para um mandato de cinco anos.

'Governo de Salvação Nacional'

Na denúncia contra o grupo de presos, o Ministério Público angolano afirma que os jovens tramavam uma revolta. "Os arguidos planejavam, após a destituição dos órgãos de soberania legitimamente instituídos, formar o que denominaram 'Governo de Salvação Nacional' e elaborar uma 'nova Constituição'", diz o texto.

Segundo o Ministério Público, o grupo se reunia aos sábados para discutir a obra Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura, filosofia da libertação para Angola, do professor universitário Domingos da Cruz, uma adaptação do livro Da Ditadura à Democracia, do americano Gene Sharp.

"Uma vez cumprido o programa, que tinha a duração de três meses, partiriam para ação prática e concreta, pondo em execução os ensinamentos para o derrube do 'regime' ou do 'ditador', começando com greves, manifestações generalizadas, com violência à mistura, com a colocação de barricadas e queimando pneus em toda as artérias da cidade de Luanda".

Casada com o professor Domingos da Cruz, Esperança Gonga diz que a acusação é fantasiosa. Ela afirma que os presos estão sendo tratados como "vegetais". "Eles estão todos muito deprimidos e, agora, temem pela vida do Luaty", afirma.

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