Anne Frank, 70 anos depois: a manutenção da memória
Casa Anne Frank, na capital da holandesa, possui farto material para relembrar a saga da menina judia que se escondeu dos nazistas no "anexo secreto", inclusive o original levaria a publicação do Diário de Anne Frank. Peça de teatro também mantém viva sua memória
Depois de enfrentar uma fila que já virou tradição, o visitante pode conhecer o esconderijo onde Anne Frank buscou com a família refúgio da perseguição nazista em Amsterdã e escreveu seu famoso diário. Trata-se de um espaço diminuto com cinco peças – cozinha, dois quartos apertados, banheiro e uma passagem que funcionava como quarto para o jovem Peter van Pels, filho do sócio de Otto Frank que também se escondeu no local.
A Casa de Anne Frank (www.annefrank.org, ingressos online a 9,50 euros – R$ 32 dão acesso direto sem necessidade de fila) de Amsterdã é provavelmente o carro-chefe das dezenas de locais que homenageiam a menina judia morta pela perseguição nazista espalhados pelo mundo todo. Quando retornou do campo de concentração de Auschwitz, o pai dela – único sobrevivente do holocausto entre as oito pessoas que se esconderam no local - encontrou o espaço vazio. Decidiu mantê-lo assim. Ë um vazio que surpreende e clama por reflexão.
“É um vazio que reflete o fato que Otto perdeu todos os seus entes queridos. Um vazio que reflete a voz de uma cidade onde 60 mil judeus foram deportados e mortos. É um vazio cheio de significado”, afirma o historiador Ronald Leopold, diretor executivo da Casa de Anne Frank. “Acho que Otto também se deu conta que seria impossível reconstruir a situação da guerra. Colocar réplicas de móveis seria transformar a casa num set de Hollywood. Se isso é feito, há uma mudança incrível de atmosfera da casa, que não é por definição positiva.”
Além do específico espaço do esconderijo (há maquetes mostrando como o lugar era mobiliado), há todo um museu organizado para lembrar a história da vida e obra de Anne Frank num contexto muito específico da Segunda Guerra Mundial e da perseguição nazista aos judeus. A ideia, no entanto, passa longe de mostrar imagens chocantes já amplamente divulgadas sobre o Holocausto, mas sim tratar o tema do ponto de vista do grupo a que a menina pertencia na sociedade de Amsterdã e, finalmente, dentro do claustrofóbico esconderijo.
“Todas as instituições que representam a História são diferentes. Você não vai achar aqui a mesma coisa que em Bergen-Dalsen ou Auschwitz (campos de concentração para onde os Frank foram levados). Nós todos temos nosso específico espaço para lembrar do Holocausto. É assim que deve ser, senão bastaria conhecer apenas um desses lugares”, explica Leopold.
O foco diverso no esconderijo, no diário, na perseguição sofrida pelos judeus e até na própria personalidade de Anne fazem da casa um lugar destinado a questionar a humanidade. “São questões bastante desconfortáveis. Ao mesmo tempo essa história é sobre a perseguição aos judeus na Holanda, mas sem nos limitarmos apenas a isso.”
Superprodução teatral
Depois de se deparar com o vazio da Casa de Anne Frank, o próximo passo para um visitante disposto a reconstruir as pegadas da jovem escritora judia em Amsterdã é ir à peça Anne, no novíssimo Teatro Amsterdam.
O local luxuoso foi construído ano passado pela Fundação Anne Frank numa área portuária que vem sendo renovada há apenas 15 minutos da Estação Central. A peça é a primeira e única a ocupar o palco desde maio com pelo menos cinco apresentações semanais – já foram mais de 250 desde que entrou em cartaz, em maio - sempre com ótimos públicos.
Trata-se de uma superprodução, com um cenário giratório que mostra com riqueza de detalhes o prédio que funcionou como esconderijo para os Frank em tamanho real. Projeções visuais maiores que telas de cinema ajudam o espectador a “localizar” as cenas no marcante contexto histórico da dominação nazista da Holanda.
“São sets sobre rodas, há um sistema hidráulico que os move muito rapidamente e pode fazer mudanças rápidas também. Isso é o que deixa o visual desta peça espetacular”, afirma o ator Rob Das, que interpreta Jan Gies, um dos “protetores” das pessoas escondidas, ou o dentista Fritz Pfeffer, que dividia quarto com Anne. “Quando nós, atores, vimos pela primeira vez o cenário ficamos em choque. É um espetáculo muito grandioso, nunca havia visto nada parecido na Holanda nem fora daqui. Ficamos impressionados.”
O caráter de superprodução ajuda o espectador a manter a atenção mesmo num espetáculo que tem três horas de duração. A ideia é contar como Anne e a família tiveram que se esconder e as angústias que dividir um pequeno espaço com outras quatro pessoas causavam a todos. A peça consegue mesclar comédia e drama e conjugar grandiosidade com um lirismo encantador – a cena final da despedida de Anne é de uma beleza e sentido impressionantes e leva a maior parte do público às lágrimas.
Foi a oportunidade de participar de um espetáculo único que fez Das aceitar o papel que ele já havia interpretado na premiada mini-série de TV Anne Frank: A História Real (2001), com Ben Kingsley e Hannah Taylor-Gordon.
“Foi interessante porque, quando estava me preparando, tive a oportunidade de conversar com a mulher de Jan, Miep, que teve um papel central na proteção dos Frank e é responsável direta pela preservação do diário (foi ela que guardou os manuscritos do livro na expectativa da volta de Anne para Amsterdã)”, lembra Das, que é casado com uma brasileira há 15 anos e visita o país com frequência. “Ela não queria mais dar entrevistas e falar do assunto, mas como era sobre o seu marido, aceitou. E tivemos uma longa e excelente conversa.” Miep morreu em 2010.
A peça já foi elogiada por diversos meios de comunicação internacionais, inclusive New York Times e CNN. Os ingressos custam a partir de 20 euros (R$ 68) e podem ser comprados diretamente no site do teatro (www.theateramsterdam.nl). É possível conjugá-los com um jantar no sofisticado restaurante do teatro e até com transporte de barco para o local. A peça é em holandês, mas há tradução de áudio feita pelos próprios atores para inglês e alemão e legendas em diversas línguas, inclusive português.