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Analistas: impeachment é retrocesso na democracia do Paraguai

23 jun 2012 - 18h24
(atualizado em 25/6/2012 às 18h37)
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A destituição da presidência de Fernando Lugo significa um retrocesso para a frágil democracia do Paraguai na opinião de diversos analistas internacionais consultados pela AFP, mas não provocaria um isolamento similar ao de Honduras. Lugo foi destituído pelo Congresso na sexta-feira depois de um julgamento político "express" iniciado na quinta-feira pelo "mal desempenho de suas funções".

A presidência de Lugo foi sacudida por reiteradas denúncias de paternidade feitas por várias mulheres, que pediam exames de DNA por filhos que, segundo elas, tiveram com o mandatário enquanto era bispo de San Pedro, Departamento mais pobre do país
A presidência de Lugo foi sacudida por reiteradas denúncias de paternidade feitas por várias mulheres, que pediam exames de DNA por filhos que, segundo elas, tiveram com o mandatário enquanto era bispo de San Pedro, Departamento mais pobre do país
Foto: AFP

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A decisão do Legislativo pôs fim a uma experiência política inédita no Paraguai que, há apenas quatro anos, deixou para trás seis décadas de governos do Partido Colorado, incluindo a ditadura de Alfredo Stroessner entre 1954 e 1989. "Se houve um golpe de Estado, é discutível, mas certamente foi um retrocesso para a democracia em um país com um preocupante passado autoritário", disse à AFP Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano em Washington.

"A remoção de Lugo não foi um momento feliz para a democracia paraguaia, o Congresso pode ter cumprido com o texto da lei e a Constituição, mas o que fizeram e como fizeram, tão rápido e sem um devido processo, foi contra o espírito e o significado essencial da democracia", acrescentou.

Stephen Johnson, diretor do programa para América Latina do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), disse que "se as duas Câmaras do Poder Legislativo seguiram a Constituição, então, a destituição do presidente Lugo é legal". Ele questionou, no entanto, a forma em que foi realizado o julgamento e o momento político, apenas dez meses da eleição de abril de 2013.

A "ação parece pouco prudente. Por quê? Porque se é uma questão de eficácia do presidente, com o pouco tempo que resta de seu mandato, as outras competências do governo poderiam ter proposto um diálogo" e evitado a atual situação. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi contundente ao afirmar que o julgamento político afetou o Estado de Direito nesse país.

É "inaceitável o julgamento político contra o presidente constitucional e democraticamente eleito", disse em um comunicado a Comissão, ente autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), ao destacar que o procedimento "afeta a vigência do Estado de Direito no Paraguai". A decisão também abalou a relação do Paraguai com seus vizinhos, particularmente o Brasil, sócio primordial da pujante economia local.

Shifter considerou que o que ocorre no Paraguai é diferente da situação de Honduras depois do golpe de Estado de junho de 2009. "É pouco provável que o Paraguai seja isolado e expulso da OEA como foi Honduras".

De acordo com o analista "a equanimidade de Lugo ao aceitar a decisão do Congresso tornará mais difícil, para a comunidade internacional, a aplicação de ações punitivas contra o governo de (Federico) Franco". A reação dos governos da União de Nações Sul-americanas (Unasul) "não é surpreendente, mas o que realmente importa é a posição que o governo do Brasil adotar".

"Os sinais que Brasília emitir serão cruciais para ter uma referência sobre o desafio que o novo governo paraguaio terá de enfrentar nos próximos meses", afirmou Shifter. Até o momento, o Brasil não reagiu diretamente à destituição de Lugo, apesar de a presidente Dilma Rousseff ter dito, anteriormente, que os protocolos da Unasul preveem sanções se houver "ruptura democrática", apesar de ter esclarecido que não foi discutida a possibilidade de aplicá-los ao Paraguai.

O ex-chanceler do governo de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia, disse à AFP que o "Brasil sempre teve uma posição de não intervenção sobre o Paraguai, que já teve todo o tipo de golpes e situações políticas ou ditaduras e as relações (entre os países) continuaram". "Não acredito que haja algum perigo na relação entre Paraguai e Brasil", afirmou Lampreia e considerou que o julgamento político a Lugo "foi um processo constitucional".

O Brasil é o principal sócio comercial do Paraguai e recebe, graças a acordos bilaterais, a maior parte da produção energética da enorme represa de Itaipu, no fronteiriço rio Paraná.

Processo relâmpago destitui Lugo da presidência

No dia 15 de junho, um confronto entre policiais e sem-terra em uma área rural de Cuaraguaty, ligada a opositores, terminou com 17 mortes. O episódio desencadeou uma crise no Paraguai, na qual o presidente Fernando Lugo, acusado pelo ocorrido, foi sendo isolado no xadrez político. Seis dias depois, a Câmara dos Deputados aprovou de modo quase unânime (73 votos a 1) o pedido de impeachment do presidente. No dia 22, pouco mais de 24 horas depois, o Senado julgou o processo e, por 39 votos a 4, destituiu o presidente.

A rapidez do processo, a falta de concretude das acusações e a quase inexistente chance de defesa do acusado provocaram uma onda de críticas entre as lideranças latino-americanas. Lugo, por sua vez, não esboçou resistência e se despediu do poder com um discurso emotivo. Em poucos instantes, Federico Franco, seu vice, foi ovacionado e empossado. Ele discursou a um Congresso lotado, pedindo união ao povo paraguaio - enquanto nas ruas manifestantes entravam em confronto com a polícia -, e compreensão aos vizinhos latinos, que questionam a legitimidade do ocorrido em Assunção.

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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