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América Latina

Venezuela: torturado diz que foi "tratado como terrorista"

59 registros de tortura foram documentados pela ONG Foro Penal e denunciados à ONU. As vítimas contam ter enfrentado violência física, moral e até sexual. O governo nega que se trate de uma política de Estado

1 abr 2014 - 13h45
(atualizado às 16h12)
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“Os militares que me fizeram isto queriam me ver derrotado, mas não vou dar a eles esta felicidade”. O depoimento é de Juan Manuel Carrasco. O jovem tem 21 anos e, apesar de ter nascido em Valência, uma das maiores cidades da Venezuela, também tem nacionalidade espanhola herdada do pai.

Carrasco é um dos jovens que afirmam ter sido vítimas de torturas por parte das Forças de Ordem que enfrentam a onda de protestos, fechamentos de estradas e motins que se alastram desde 12 de fevereiro no país sul-americano que, até o final de março, deixaram 39 mortos, segundo dados do Ministério do Interior, Justiça e Paz.

Carrasco provocou comoção geral quando divulgou seu caso, que recorda agora, depois de seis semanas. O jovem afirma que foi violentado com a ponta de um fuzil, por funcionários da Guarda Nacional Bolivariana, depois que o detiveram na noite de 13 de fevereiro, em sua cidade natal durante uma operação de ordem pública.

“Quando me levaram ao centro de detenção, me penetraram com a arma. Digo isto porque deve ser divulgado e porque vou até o final para puní-los”, disse o jovem, que trabalha com seu pai em um negócio familiar. “Fui ameaçado com mensagens de texto que dizem que sou sapo (gíria em espanhol usada para designar alguém ‘que fala demais’, um delator)”.

“Me trataram como um terrorista”

Carrasco relata que havia saído para uma manifestação, quando se encontrou com pessoas que fugiam. Ele e outros dois rapazes viram o grupo chegando e decidiram se esconder dentro de um carro. O jovem conta que só saiu do automóvel para ajudar uma jovem que passou correndo, mas todos eles foram pegos e levados à força por homens uniformizados. “Queimaram o carro. Eu os encarei e pedi respeito”, diz.

O jovem afirma que, posteriormente, por um período de cerca de dois dias ficou preso sendo atingido por murros, coronhadas, golpes com capacetes e chutes em diferentes partes do corpo.  “Perdi a consciência por três vezes durante esse período".

Os advogados de Juan Manuel Carrasco afirmam que o jovem ficou sob custódia militar além das 48 horas exigidas por lei para que um detento seja levado ao juiz. Carrasco contou sua versão perante o tribunal. A justiça lhe imputou delitos como incitação à deliquência, obstrução das vias públicas e danos à propriedade que, segundo seus representantes legais, não puderam ser provados. Concederam ao jovem prisão domiciliar - parte desse período passou hospitalizado - e logo lhe concederam liberdade condicional enquanto é julgado.

“Os guardas negaram que tenham feito algo e nada aconteceu. Me trataram como terrorista”, diz.

Uma lista polêmica

O caso de Carrasco faz parte de uma lista de 59 registros documentados pelo Foro Penal, uma organização não-governamental que tem dado assistência jurídica a milhares de presos.

Gonzalo Himiob, diretor da organização, tem insistido que as vítimas têm testemunhado e narrado fatos que se qualificam como tortura. “Não se limitaram a nos informar, mas também contaram em audiências”. 

Uma lei especial aprovada há menos de um ano pela Assembleia Nacional prevê punição de 15 a 25 anos de prisão para torturadores e e esclarece que qualquer funcionário pode ser acusado de causar danos graves para obter uma confissão, punir, coagir ou intimidar uma pessoa. Aos responsáveis por delito semelhante, de tratos cruéis, a lei prevê entre 13 e 23 anos de detenção.

Organizações como o Centro de Direitos Humanos da Universidade Católica Andrés Bello publicaram um informe com depoimentos de detidos, entre eles está Luis Boada, 25 anos, apreendido em Caracas em 12 de fevereiro, que afirma ter sido forçado a se ajoealhar durante horas, agredido e molhado com gasolina durante horas, golpeado, molhado com gasolina e ameaçado de que seria queimado por funcionários do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas.

Outro jovem, Marcos Coello, 18 anos, preso no mesmo dia, disse que foi submetido a choques elétricos e a golpes com paus e tacos de golfe, com o corpo envolto em espuma. Ambos são acusados de terem atacado a sede do Ministério Público, o que negam.

A organização Foro Penal apresentou as denúncias a Juan Méndez, relator especial sobre torturas e outros tratamentos crueis, desumanos e degradantes da Organização das Nações Unidas. O porta-voz da instituição adiantou, no dia 10 de março, sua opinião: "os casos que eu descreveria como tortura são dois ou três, mas isso não significa que não existam mais". Mendéz manifestou seu interesse em visitar a Venezuela e já pediu ações do Estado em relação ao assunto.

Governo: denúncias são 'plano conspiratório'

O presidente Nicolás Maduro e porta-vozes do governo negam que ações façam parte da política do Estado.

“Aquí não se tortura, nem se violam os direitos humanos. Se forem descobertos casos de algum funcionário, vamos investigar e o entregaremos ao Procurador-Geral da República”.

O governo também tem insistido que as denúncias fazem parte de um plano conspiratório para deslegitimar o governo e derrotá-lo. O general Vladimir Padrino López, que lidera o Comando Estratégico Operacional da Força Armada Nacional, disse que há pretensões em destruir a imagem da instituição e da Guarda Nacional Bolivariana, acusada por abuso de poder.  

O presidente Nicolás Maduro afirma que denúncias são parte de uma tentativa de golpe ao seu governo. Na foto, o presidente venezuelano  fala para ministros das Relações Exteriores da Unasul, em Caracas
O presidente Nicolás Maduro afirma que denúncias são parte de uma tentativa de golpe ao seu governo. Na foto, o presidente venezuelano fala para ministros das Relações Exteriores da Unasul, em Caracas
Foto: Reuters

Luisa Ortega Díaz, procuradora-geral da República, se referiu ao caso de Carrasco em 24 de fevereiro e negou que ele tenha sido estuprado. “Vocês creem que uma pessoa que tenha tido um cabo de fuzil introduzido no ânus poderia se sentar em uma audiência de apresentação? É desagradável falar isto, mas devemos fazê-lo”, disse Díaz.

As autoridades afirmam que os exames médicos não confirmaram a versão do jovem, mas tanto a vítima, quanto seus advogados disseram que poderiam sim documentar o dano sofrido, já que ele teria sofrido sangramentos dias após a agressão.

O chefe do Ministério Público afirmou que até o início de março não havia recebido denúncias de tortura, porém admitiu, na última sexta-feira, que abriu dois inquéritos para este tipo de crime e outros 75 por denúncias de crueldade.

Uma pessoa detida a cada meia hora

Os dados oficiais mostram o alcance das operações de controle de ordem pública na Venezuela: mais de 2.100 pessoas foram detidas até agora – uma média de uma pessoa a cada meia hora – das quais metade recuperou a liberdade enquanto são investigadas para uma possível sentença no futuro, como é o caso de Carrasco. A lista de 17 funcionários privados de liberdade inclui um membro da Guarda Nacional Bolivariana (até a data de divulgação dos dados, na sexta-feira).

Gabriela Ramirez, chefe da Defensoria Pública, instituição responsável por assegurar o respeito aos direitos humanos, também encontrou um desempenho similar da operação. No final da semana passada, Ramirez afirmou que seu escritório deu início às investigações sobre 44 casos de crueldade, mas só havia referência a um registro de tortura que estava sob investigação e que o escritório teve mais de 700 casos apresentados para garantir o respeito pelos direitos dos cidadãos.

Fonte: Terra
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