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América Latina

Único hospital psiquiátrico do Paraguai sofre com falta de comida e remédios

Por falta de pagamento, funcionário da limpeza também se recursam a trabalhar; orçamento de US$ 8 mil por ano é insuficiente para atender os quase 300 internos

24 jun 2013 - 17h48
(atualizado às 17h55)
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<p>Arnaldo, 21 anos, um dos internos, diz que apesar dos problemas, não quer deixar o local</p>
Arnaldo, 21 anos, um dos internos, diz que apesar dos problemas, não quer deixar o local
Foto: AP

Arnaldo é um psicótico crônico, esquecido por seus familiares. Com olhar fixo, come uma fruta no pátio da única clínica psiquiátrica no Paraguai. Ele não presta atenção no que acontece ao redor. No hospital, não há comida ou remédios para atender às necessidades dos internos e os funcionários de limpeza se negam a trabalhar porque estão com salários atrasados. O local está, há muito tempo, na mira da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), pois quatro morreram por doenças ou brigas.

Apesar dessa situação, Arnaldo não quer sair de lá. "No hospital, estou bem. Não quero ir para casa", disse o jovem de 21 anos. Ele não está sozinho. Em um país de 6,2 milhões de pessoas, onde 39% da população são pobres, muitas pessoas se sentem sortudas por receber atendimento médico.

O setor de saúde pública é um dos mais afetados pela frágil economia do Paraguai. O vice-ministro de Saúde, Felix Ayala, informou que só 30% do orçamento para os hospitais poderá ser aplicado. Assim, os serviços públicos estão à beira do colapso. Os atrasos nos repasses de dinheiro são tais que, no Hospital da Polícia, parte da força de segurança, foi relatado que cerca de 200 médicos e enfermeiros não receberam até agora os salários de fevereiro, março, abril e maio.

O Diretor de Saúde Mental, Mirta Mendoza, disse que a única clínica psiquiátrica no Paraguai sofreu duas medidas cautelares da CIDH em 2003 e em 2008 por causa das mortes e de outros abusos. Em julho de 2011, o paciente Arsenio Caballero esmagou a cabeça de seu colega Francisco Areco com uma tampa de metal do ralo do banheiro porque achou que era uma militante comunista, de acordo com relatório do Ministério Público. Ambos eram esquizofrênicos. Segundo Mirta Mendoza, depois disso foram feitos ajustes internos para garantir a segurança, bom tratamento e bem-estar dos pacientes.

Um dos funcionários do hospital contou que trabalha atualmente acompanhado por um segurança privado. Os pacientes precisam do consentimento dos médicos para, por exemplo, passear pelos jardins do hospital e para manter relacionamentos emocional e sexual.

"Temos 286 pacientes, homens e mulheres, com transtornos psicóticos diferentes, tanto agudos como crônicos. Pelo menos 75% deles foram abandonados por suas famílias. Eles são das classes média e baixa. Não podem ficar sem receber alimentação nutritiva que entram em crise. Ninguém se recupera com fome", disse o psiquiatra Teófilo Villalba, diretor do hospital psiquiátrico em Assunção, durante uma entrevista com a Associated Press. "Os doentes ricos são tratados em hospitais privados ou vão para o exterior", disse.

Ele especificou que o orçamento de despesas do hospital é de cerca de US$ 8 mil por ano, "mas, recentemente, tivemos um momento de crise porque não conseguimos comprar comida". Felizmente, o Ministério das Finanças nos socorreu e conseguimos comprar comida para as próximas duas semanas. Então, vamos ver como podemos continuar..."

A falta de recursos se estende ao setor de higiene. Gustavo Lopez, diretor chefe de enfermagem, disse que "temos uma equipe pequena de limpeza, mas como eles não recebem seus honorários, não fazem seu trabalho. Assim, são os enfermeiros que começam a limpar os dormitórios dos internos."

Arnaldo disse que ele chegou ao hospital há dois anos sofrendo de sintomas de esquizofrenia na fase aguda. "Recebi uma medalha de ouro na minha escola do ensino médio por ser o melhor, mas meu problema começou quando eu testemunhei o estupro de minha irmã mais nova por um homem mais velho", disse. "Eu tenho medo de tudo, não quero ficar sozinho."

Antonio é outro paciente temporário que se tornou residente permanente: "aqui eu tenho muitos amigos... Em casa ninguém me ama".

As duas únicas salas de segurança máxima foram ocupadas pelo agressor de julho e por outro homem.

Segundo o economista Fernando Masi, que foi assessor do ministro da Fazenda, Dionisio Borda, na gestão do presidente Nicanor Duarte (2003-2008), "nenhum estrangeiro pode compreender a gestão das finanças públicas paraguaias, porque elas não têm nenhuma lógica, mas posso dizer que, basicamente, a forma da gestão dos recursos é desordenada."

"O Paraguai tem uma carga tributária de apenas 10% e ainda assim a evasão fiscal é estimada em 60%", disse. "É uma taxa muito elevada. Mas quando o Executivo prepara o orçamento das despesas para o próximo ano, o Congresso deve analisar e aprová-lo. Este Congresso, infelizmente, autorizado por lei, tem o poder de mudá-lo, e que ele faz é aumentar o salário de 220 mil funcionários. É uma prática é irresponsável."

"Os 220 mil funcionários e aposentados levam 70% do orçamento", disse o ministro das Finanças, Manuel Ferreira em coletiva de imprensa. "O orçamento é difícil de executar, pois as receitas fiscais são muito baixas e porque o Congresso aumentou gastos".

Fonte: AP AP - The Associated Press. Todos os direitos reservados. Este material não pode ser copiado, transmitido, reformado o redistribuido.
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