PUBLICIDADE

América Latina

Identificação de desaparecidos na Colômbia: árdua tarefa marcada pelo medo

26 out 2015 - 10h11
Compartilhar
Exibir comentários

Identificar milhares de desaparecidos na Colômbia é uma complexa tarefa científica que encontra seu maior empecilho não no laboratório, mas no medo que impede o levantamento de informações necessárias para devolver a identidade a corpos que, em algumas ocasiões, estão há décadas nessa situação.

"A identificação é cercada de inimigos", disse Carlos Valdés, diretor do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciência Legista (INMLCF), que assume essa tarefa desconhecendo, da mesma forma que as demais entidades na Colômbia, a magnitude de um desafio que acaba de se tornar gigantesco com o acordo assinado entre o governo e as Farc para buscar os desaparecidos.

Valdés recebeu a equipe da Agência Efe com o típico jaleco branco na principal sede do Instituto, em Bogotá, onde trabalha um grande grupo de antropólogos, patologistas, radiologistas, dentistas legistas e geneticistas no necrotério e nos laboratórios.

Os seis andares de paredes brancas, o cheiro de desinfetante e o constante vai e vem da equipe lembram o cenário de um hospital, mas aqui o corpo não procura a cura, mas, sim, voltar a ter identidade, uma tarefa que começa com a chegada dos restos mortais vindos das valas individuais ou comuns que pouco a pouco são abertas na Colômbia.

"Não fazemos distinção entre os corpos que são de vítimas do conflito armado e os que não são. Não queremos fazer diferenciação. Temos cerca de 55 mil pessoas desaparecidas, das quais 22 mil poderiam corresponder a desaparecidos gerados pelo conflito, mas esse é um número estimado", disse Valdés.

A única convicção é que até Valdés considera que o número real poderia ser muito superior, assim como defendem organizações dos parentes dos desaparecidos, que indicam que esse total poderia chegar a ser 80 mil.

Como identificar essas pessoas é a questão que assombra a Medicina Legal. Do total de corpos que chega apenas 20% é identificado, pois mesmo que se consiga o perfil genético do cadáver, não se tem com quem realizar a comparação de dados. Ou seja, como determinar que alguém é o filho de outro alguém, se não se pode comparar com o DNA de um dos pais?

E aqui a rede, que começa com a chegada do corpo ao Instituto, se bifurca.

"Se ainda tem material brando (no caso da morte ter sido recente), ele fica no necrotério, mas se recebemos partes ósseas, minha equipe assume", contou à Efe María Cristina Romero, coordenadora do grupo de Antropologia.

O trabalho é feito em uma sala com dez mesas suficientemente grandes para se colocar um esqueleto e, caso seja necessário, a roupa encontrada com ele.

Meias cheias de terra e camisetas rasgadas por aquilo que poderia ser um machadada ou um tiro podem dar pistas importantes para começar a revelar o perfil genético: É um homem ou uma mulher? Qual pode ser a faixa etária? Tem algum tipo de lesão, que os familiares possam reconhecer?

Depois, no laboratório, a parte de um dos ossos é raspada para obter o DNA e conseguir dados do perfil. Tudo isso é guardado em uma base de dados à espera de que relatórios da Justiça possam encontrar os seus possíveis parentes e fazer a comparação.

"Com trabalho contínuo, levamos de 20 a 30 dias para obter um perfil genético", diz Valdés, que conta com 200 destes funcionários em todo o país.

Para atender o acordo entre o governo e as Farc, que prometeram dar informação para acelerar a busca e identificação, entre outras medidas, o especialista considera que o Instituto deve triplicar o tamanho do quadro de funcionários.

Se há algo do acordo que dá esperança a Valdés é a informação nova que pode chegar, tanto por parte da guerrilha quanto do Estado.

"A maior dificuldade para a identificação humana, em primeiro lugar, é o tempo. Em segundo, e mais grave, é a indiferença. Muitas destas investigações são rodeadas de tamanha indiferença que não se permite obter informação", destacou.

A falta de informação se dá porque as pessoas estão exaustas da violência e têm medo de ficarem marcadas e que os grupos armados retornem, acredita. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que ajudará no histórico acordo, já alertou que os dados são escassos.

Falar a verdade pode dar a Medicina Legal dados sobre quando e onde foram assassinados os desaparecidos, qual era o tipo de pele, se tinha alguma deficiência física que possa ser refletida nos ossos e, o que seria mais importante, qual era a sua verdadeira identidade.

EFE   
Compartilhar
Publicidade
Publicidade